ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

O Controle Gerencial na Perspectiva do New Public Management: O Caso da Adoção do Balanced Scorecard na Receita Federal do Brasil

Managerial Control Under The Perspective Of New Public Management: The Adoption Of The Balanced Scorecard By The Federal Revenue Service Of Brazil (Rfb)1

Fabiano Blonski

Mestrado em Administração pela Universidade Positivo. Servidor Público Federal. Receita Federal do Brasil, Brasil

fblonski@hotmail.com

http://lattes.cnpq.br/0215596796278377

Rodolfo Coelho Prates

Doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado. Universidade Positivo UP

rprates@up.com.br

http://lattes.cnpq.br/4326106498432347

Mayla Costa

Doutorado em Administração pela Universidade Positivo. Professor do Curso de Ciências Contábeis. Universidade Federal do Paraná UFPR

mayla.c.costa@gmail.com

Fábio Vizeu

Doutorado em Administração pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Professor do Programa de Pós-graduação em Administração Universidade do Grande Rio

Fabio.vizeu@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/1120717096542450

Resumo: As décadas de 1970 e 1980 do século passado viram o surgimento de uma onda de pensamento sobre Administração Pública voltado ao rompimento com a burocracia clássica e aproximação com conceitos da iniciativa privada, como uma resposta ao cenário de crise instalado em diversos países. Deste movimento surgiu o New Public Management, que influenciou largamente as reformas estruturais do Estado implementadas no Brasil durante os anos 1990. Destas reformas pretendeu-se consolidar um Estado que teria a eficiência como um de seus princípios fundamentais. Por outro lado, o movimento da reforma gerencial no Estado brasileiro também aproximou as organizações públicas dos modelos de management atualmente adotados pelas empresas capitalistas, como é o caso dos modelos de gestão estratégica. Dentre estes, certamente o Balanced Scorecard é um dos mais notórios, justamente por configurar-se como uma ferramenta de mensuração de desempenho capaz de dar conta das diferentes dimensões da atividade estatal que a tornam distinta do setor privado. Neste sentido, o Balanced Scorecard permite não apenas a mensuração do desempenho do Estado, mas também auxilia na elaboração e implementação de sua estratégia. Diante de tal contexto, o presente trabalho buscou, por meio de um estudo de caso na Receita Federal do Brasil, compreender como ocorre a Administração Estratégica no poder público federal brasileiro diante da combinação entre os preceitos do New Public Management e do Balanced Scorecard.

Palavras-Chaves: Administração Pública, New Public Management, Balanced Scorecard

Abstract: The 1970s and 1980s of the last century faced the arise of a new thought about public administration. This new thought had the intention  to break away from the bureaucracy theory. Therefore, it searched for a close connection with the concepts that concern the private sector. These actions were a response to a crisis scenario that was settled in several countries. As a consequence of this, the New Public Management popped up, and it greatly influenced the State's structural reforms that were implemented in Brazil during 1990s. These reforms intended to consolidate a State that would have efficiency as one of its fundamental principles. Besides that, the movement of managerial reform in the Brazilian State also connected the public organizations with the management models that are currently adopted by capitalist enterprises, as, for example, the strategic management models. Among these, the Balanced Scorecard is certainly one of the most notorious, since it is a performance measurement tool that is capable of realizing the distinct dimensions of State activity and able to notice the differences between public and private sector activities. Hence, the Balanced Scorecard grants the measurement of the State's performance, but not only: it also assists the preparation and the implementation of the State's strategies. Given such a context, this study aimed, through a case study about the Federal Revenue Service of Brazil (RFB), to understand how the Strategic Management occurs in the Brazilian federal government by the match between the precepts of the New Public Management and the Balanced Scorecard.

Keywords: Public Administration, New Public Management, Balanced Scorecard

1 Federal Revenue Service of Brazil é a tradução da Bovespa

Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br



1. Introdução

Os agentes públicos brasileiros se viram especialmente desafiados diante das dificuldades que marcaram a economia das décadas de 1970 e 1980. Em diferentes níveis, o mesmo tipo de crise foi enfrentado por diversos países desenvolvidos, notavelmente importantes líderes da economia global, tais como EUA e Inglaterra. Por conseguinte, o aumento do endividamento estatal levou a uma crise do modelo de Estado vigente, o que forçosamente demandou uma nova forma de gerir a coisa pública. É nesse contexto que emerge um movimento na área de Administração Pública inspirado na lógica de mercado.

Denominada ‘New Public Management’ (NPM), esse movimento de gestão pública defende a inserção de princípios da iniciativa privada no setor público, deixando ao agente público um maior espaço de atuação, tendo por contrapartida a existência de mecanismos de controle gerencial mais efetivos. Assim, modelos de gestão empresarial passaram a ser adotados  com o objetivo de incorporar na gestão de organizações públicas a eficiência comum à lógica de mercado. Baseando-se em um conjunto de diferentes doutrinas e justificativas, o modelo de Estado gerencialista passou a predominar nas administrações públicas em diferentes partes do mundo (Christensen, Lagreid & Wise, 2002; Kettl, 2005).

No caso brasileiro, essa corrente de pensamento emerge associada aos ideais de defesa da sociedade inseridos na Constituição Federal de 1988 e foi a ideia que mais influenciou os esforços pela reforma do Estado brasileiro nos anos 1990 (Bresser-Pereira, 2009). Tendo por premissa a substituição do modelo burocrático brasileiro por um gerencial mais flexível e capaz de dinamizar a máquina pública, o movimento de reforma do Estado foi impetrado tendo por referência diferentes mecanismos, princípios e ferramentas de gestão consolidados nas empresas do setor privado.

Dentre estas ferramentas gerenciais do setor privado adotadas pelo NPM encontra-se o Balanced Scorecard – BSC –, um modelo de controle gerencial desenvolvido na década de 1990 para ajustar a avaliação de desempenho contábil-financeiro das corporações a proposta de gestão estratégica (Kaplan; Norton, 1992). Apesar dos autores dessa ferramenta afirmarem que ela já é amplamente adotada em diferentes instituições públicas mundo afora (Kaplan; Norton, 1996), no Brasil, o uso de scorecards e mapas estratégicos no setor público ainda é experiência relativamente recente.

É nesse ponto em particular que se insere o presente trabalho, que objetivou analisar como ocorre o desenvolvimento do BSC em organizações pública brasileiras. Aparentemente, a busca por eficiência preconizada pelas reformas dos anos 1990 contém a ideia de que o setor público desenvolva um modelo de gestão que não fique restrito ao simples planejamento orçamentário, devendo também praticar uma efetiva administração estratégica de seus recursos. Nesse sentido, justamente pelo fato de o BSC apregoar esse alinhamento entre os indicadores contábil-financeiros com o desempenho estratégico (Kaplan; Norton, 1992; 1996) é que esse modelo gerencial tem sido adotado por algumas empresas e órgãos públicos como importante ferramenta, já que auxilia a exercer o controle gerencial de forma mais acurada e alinhado às diretrizes estratégicas.

Assim sendo, realizamos um estudo do caso de um dos maiores órgãos públicos formadores do governo Federal, a Receita Federal do Brasil. Especificamente, focamos nossa análise na ferramenta do BSC tal qual é desenvolvida na organização, de maneira a compreender a forma pela qual se desenvolve a administração estratégica em atendimento aos preceitos do New Public Management.

Neste contexto, Pimenta (1998) ressalta que a reforma gerencial possuiu basicamente três grandes objetivos: i) aumentar a eficiência e a efetividade dos órgãos ou agências do Estado; ii) fortalecer a capacidade de promoção do desenvolvimento econômico e social; e iii) assegurar um serviço público democrático orientado para o cidadão e responsabilizando o servidor público aos resultados obtidos. Nesse mesmo sentido, Jenkins (1998) considera que os objetivos da modernização do setor público com a reforma gerencialista estatal foram “melhorar o funcionamento do governo, aumentar a eficiência, reduzir custos, eliminar o empreguismo e a corrupção” (p. 201). Por conta disso, nossa análise do caso do BSC na Receita Federal teve por premissa esses princípios, tendo em conta que, no setor público, o grande aspecto da Estratégia organizacional é o fato de que esta deve alinhar interesses econômicos-financeiros com questões sociais (Bresser-Pereira, 2009).

O foco de nosso trabalho no BSC se deve ao fato de que esse modelo de gestão tem sido considerado um mecanismo de avaliação de desempenho inovador, justamente por promover o balanceamento entre medidas financeiras e operacionais de forma a viabilizar a estratégia pretendida pela organização (Kaplan; Norton, 1992; Kaplan; Norton, 1996; Ittner; Larcker, 2001). Por conta disso, essa ferramenta é apontada como uma das mais importantes inovações no âmbito gerencial ocorridas na segunda metade do século XX (Meyer, 2002).

Diversos trabalhos acadêmicos internacionais foram realizados acerca da implantação do BSC também em organizações sem finalidade lucrativa e públicas (Yee-Ching, 2006; Sartorius; Trollip; Eitzen, 2010; Beard; Humprey, 2014). Os resultados demonstram que apesar dos benefícios do modelo, existem desafios para implementadores, como vieses de julgamento, sobrecarga de informações e a síntese de informações complexas.

Quanto ao aspecto empírico do trabalho, o delineamento de pesquisa empregado foi a do estudo de caso explanatório, tal como entendido por Yin (2005), suplementado pela observação participativa (Corbetta, 2003). Tendo em vista que o fenômeno da gestão estratégica envolve diversas variáveis alheias ao controle do pesquisador, optou-se por esse delineamento para que se pudesse obter uma visão ampla do fenômeno objeto do estudo, qual seja, o desenvolvimento do BSC em uma organização pública brasileira. Nesse ponto, a escolha da Secretaria da Receita Federal do Brasil (também conhecida pela sigla RFB) – uma das maiores instituições integrantes do governo federal brasileiro – deve-se a sua importância e complexidade, bem como ao fato de que sua atividade-fim está diretamente relacionada as questões que deram ensejo a reforma do Estado brasileiro operada em torno da perspectiva do New Public Management (Bresser-Pereira, 2009).

Além desta Introdução, o presente artigo está estruturado em mais sete seções. Na seguinte e duas subsequentes, constitui-se o referencial teórico, no qual se apresentam os conceitos centrais do trabalho, sistematizados em três tópicos aglutinadores: a formação do Estado Moderno, a nova perspectiva para a Administração Pública denominada “New Public Management” e o BSC enquanto sistema de controle gerencial. Em seguida, é apresentado o processo metodológico utilizado para a pesquisa, especificando a delimitação e o design da pesquisa. No capítulo de apresentação do caso e análise dos dados, realiza-se uma rápida descrição do órgão estudado e de suas competências, para que, em seguida, sejam analisados os aspectos centrais da adoção do BSC e da operacionalização da estratégia na organização investigada. Em seguida, é apresentado um seção de discussão, onde são considerados dois pontos: a aderência dos preceitos do NPM ao BSC da RFB e a percepção da estratégia pelos membros dessa organização a partir da adoção do BSC. Finalmente, nas considerações finais, são retomadas as premissas ordenadoras do estudo e também são apontadas orientações para pesquisas futuras.

 

2. As condições históricas para a formação do Estado neoliberal

Em sua gênese na era moderna, o Estado enquanto instituição central das sociedades capitalistas foi se constituindo a partir de diferentes movimentos reformistas empreendidos pelos governos dos países industrializados. Esses esforços se deram especialmente para ajustar a administração pública às demandas sociais internas e externas de cada época. Isso porque é especialmente a partir de pressões sociais, de ordem política ou econômica que se configuram o aperfeiçoamento e a própria transformação das formas de governo e gestão das organizações estatais (Fiates, 2007).

Para se considerar devidamente o desenvolvimento das formas modernas de governo e administração pública, é preciso ater-se antes ao fato de que a privatização do Estado era característica essencial dos governos das sociedades pré-capitalistas e pré-democráticas. É por isso que Weber apresenta como forma pré-moderna o tipo ideal de governo patrimonialista para demonstrar o domínio do interesse privado de governantes e funcionários sobre a esfera pública, mediante a não separação entre o tesouro do Estado e de seu monarca ou de seu corpo funcional (Weber, 1978; Bendix, 1986).

Nesse sentido, o patrimonialismo deve ser considerado como “a incapacidade ou relutância de o príncipe distinguir entre o patrimônio público e seus bens privados” (Bresser-Pereira, 1997, p. 10). Assim sendo, o modelo de gestão pública patrimonialista designava, num sentido amplo, a cultura de apropriação daquilo que é público pelo privado (Jaguaribe, 1958; Guerreiro-Ramos, 1983; Wahrlich, 1983), a despeito de esse entendimento abarcar variações de amplitude conceitual no que se refere a diferentes formas de apropriação de recursos, de poder ou de benefícios públicos.

Na forma patrimonialista, pelo fato de o Estado ser considerado uma extensão do poder do soberano e a regulamentação de todas as relações ocorrer por meio de privilégios individuais e concessão de favores a ele e seus prepostos, a lógica de relacionamento entre os representantes do Estado e o cidadão comum era baseada nos princípios personalistas, manifestados pelas práticas da corrupção e do nepotismo. Conforme salienta o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado brasileiro (1996, p. 11):

No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, e os seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real. Os cargos são considerados prebendas. A res publica não é diferenciada da res principis. Em conseqüência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração. No momento em que o capitalismo e a democracia se tornam dominantes, o mercado e a sociedade civil passam a se distinguir do Estado. Nesse novo momento histórico, a administração patrimonialista torna-se uma excrescência inaceitável.

Seguindo o percurso histórico do desenvolvimento das formas de Estado da era Moderna, no fim do século XVIII e começo do XIX, ocorreu uma reviravolta crucial na história do mundo, à medida que o capitalismo alcançou, finalmente, o poder estatal (Wallerstein, 1999). Enquanto na Europa ocorria a transição do patrimonialismo para o modelo burocrático, as ideias econômicas do final do século XVIII suportavam um modelo liberal de ordem social, ou seja, pressupunham a existência de uma ordem natural, regulando e organizando as relações econômicas.

Nesse modelo econômico, a desigualdade entre trabalho e capital era admitida como lei natural (Corvisier, 1983). Considerava-se, assim, o pressuposto de que as economias de mercado tinham capacidade de alcançar o nível de pleno emprego, sem a interferência do governo. Contudo, enquanto vigorava o liberalismo clássico no que se refere às relações econômicas, o modelo de gestão pública patrimonialista e depois o modus operandi burocrático foram predominantes no contexto brasileiro (Bresser-Pereira, 2009).

No entanto, a partir de 1930, ineficiências do liberalismo clássico passaram a ser observadas, e Keynes (1936) propôs a intervenção estatal na economia. Essa nova concepção marca a mudança do papel do Estado liberal para o Estado do bem-estar social, que se refletiu, primeiramente, por meio do posicionamento do Estado como agente social, em resposta às demandas sociais do sistema capitalista. A partir desse novo marco histórico, apresentou-se o pensamento político-econômico que destacava o papel central do Estado como agente econômico, transformando-se em proprietário de empresas em setores estratégicos e estimulador da prosperidade. Em um terceiro momento, o papel de agente econômico expandiu-se, objetivando também o controle dos períodos de recessão e depressão, por meio de gastos públicos. Por fim, o Estado passou a exercer o papel de agente fiscal, em nome da distribuição de renda (Coutinho e Campos, 1996; Drucker, 1999; Machado-da-Dilva et al., 2003).

No entanto, a partir da década de 1980, o Estado de bem-estar social passou a ser questionado mundialmente, em decorrência de seu elevado custo de operação e incapacidade de prover financiamentos. De acordo com Jambeiro e Ferreira (2003), os motivos da crise do Estado de bem-estar social podem remontar aos sucessivos choques de petróleo que se estabeleceram a partir da década de 1970, que estimularam posturas mais conservadoras e ortodoxas atreladas a posturas neoliberais.

Nesse cenário, os governos conservadores da Inglaterra e Estados Unidos constataram que o Estado precisava de reformas voltadas para o mercado e logo difundiram, para os demais países, uma ampla campanha a favor das reformas liberais, cuja expressão política foi denominada neoliberalismo (Costa, 2000). Assim, o tema da Reforma do Estado ganhou espaço nos debates políticos e intelectuais durante a década de 1980, com o intuito de diminuir o papel do Estado na economia. A Inglaterra, os Estados Unidos, a Nova Zelândia, aAustrália e, ainda, vários outros países europeus, como Alemanha e Itália, iniciaram as experiências de Reforma do Estado ainda na década de 1980. Concomitantemente, na América Latina, três países iniciaram a reforma neoliberal: o Chile, o México e a Argentina (Costa, 2000).

Esse movimento reformista dos aparatos estatais em todo o mundo teve por foco a substituição do modelo administrativo burocrático, visando à mudança da lógica estatal vigente e disseminação de um novo modelo de gestão (Secchi, 2009). De acordo com Fleury (1996, p. 185), foi “surpreendente a unanimidade alcançada internacionalmente, em torno da necessidade de reformar o Estado para aumentar sua eficiência e reduzir seu tamanho, e ao mesmo tempo torná-lo mais responsável perante a sociedade”. Entre outras coisas, essa nova visão do papel estatal teve por consequência a descentralização do sistema decisório, um processo que envolvia questões de privatizações e terceirizações (Grotti, 2006).

Secchi (2009) revela que foram apontados como ativadores dessas ondas de ‘modernização’ a crise fiscal do Estado, a crescente competição territorial pelos investimentos privados e pela mão de obra qualificada, a disponibilidade de novos conhecimentos organizacionais e tecnologia, a ascensão de valores pluralistas e neoliberais e, finalmente, a crescente complexidade, dinâmica e diversidade das sociedades. O processo de europeização também desempenhou, no velho continente, um papel crucial no estímulo à adoção de novos modelos para as organizações públicas e para a revisão das políticas de gestão pública nos níveis nacionais, regionais e municipais (Olsen, 2002; Radaelli, 2005; Secchi, 2009).

Para Ferreira (2004), a crise do modelo de Estado interventor também se explica pela ascensão da sociedade informacional, na qual as pressões por parte da sociedade civil sobre os governos são mais intensas. Paralelamente ao setor público, novos modelos de organização no setor privado começaram a surgir com a globalização, incentivando o enraizamento do paradigma da competitividade como regra de sobrevivência do sistema capitalista (Machado-da-Silva et al., 2003). Nesse cenário de instabilidade, as grandes corporações multi e transnacionais passam a ter maior expressão na ordem política, subvertendo a própria soberania nacional (Santos, 2001), tendo em conta que os Estados nacionais tiveram sua autonomia reduzida, surgindo a necessidade de redesenhar seu papel (Bresser-Pereira, 1997).

Nesse contexto, para fomentar a participação privada e reduzir os riscos inerentes à prestação de serviços públicos (caráter monopolístico e da irreversibilidade dos investimentos), emerge a necessidade de regulação para as relações entre as partes – governo, prestador dos serviços e usuários –, definindo e respeitando direitos e deveres e, ainda, permitindo alterações das regras estabelecidas, sempre que necessário e em bases condensadas (Bresser-Pereira, 1997).

É por isso que, na visão de Gilardi, Jordana e Levi-Faur (2006), o moderno capitalismo estatal pode ser traduzido na noção de “capitalismo regulador”, à medida que o Estado se autoreestrutura, com a finalidade de exercer controle administrativo sob a economia.

A orientação para a eficiência expressa nas organizações privadas e que o modelo de Estado-regulador abarca pode ser medida pela incorporação dos valores da gestão corporativa como critérios de excelência da gestão pública, melhor tratados na próxima seção.

 

3. A perspectiva do mercado na Administração Pública: New Public Management

A adequada compreensão do conceito de Administração Pública passa por sua comparação em relação ao conceito de Governo. A Administração é o aparelhamento do Estado para a consecução de seus objetivos. Enquanto o Governo é uma atividade política e discricionária, a Administração é uma atividade neutra, vinculada à lei. A Administração é o instrumento pelo qual o Estado coloca em prática as opções políticas do governo.

Assim, o funcionamento do Estado se dá por meio dos agentes públicos, os quais, em sua maioria, podem ser divididos em agentes políticos e agentes administrativos. Os primeiros exercem as funções governamentais, constituindo-se em autoridades supremas do Governo e da Administração, não se submetendo a qualquer hierarquia, sujeitando-se apenas a limites constitucionais e legais de sua competência. Já os agentes administrativos se vinculam ao Estado em razão de relações profissionais, sujeitando-se a uma hierarquia funcional. São servidores públicos que atuam unicamente dentro dos limites do cargo que ocupam, sem desempenhar funções políticas ou governamentais (Meirelles, 1998).

O termo Administração Pública engloba, assim, dois significados complementares, embora distintos. Indica tanto a atividade desempenhada pelo Estado para a consecução de suas funções e objetivos quanto à própria estrutura pela qual o Estado se conforma para execução de tais funções e objetivos. Sob um prisma objetivo, Administração Pública indica a atividade estatal, enquanto que, sob um prisma subjetivo, Administração Pública indica a estrutura estatal (Maffini, 2006).

Para Bresser-Pereira (1997), a crise dos anos de 1980, já comentada na seção anterior, impactou no Estado brasileiro particularmente em três áreas: fiscal, das estratégias de intervenção estatal e na burocracia estatal. Um novo processo de reforma do Estado, portanto, foi necessário para a solução dos problemas que geraram a crise. Assim, a Administração Pública deveria focar no atendimento do interesse público, sendo esse o contexto do surgimento no Brasil da Administração Pública gerencial ou gerencialista (Bresser-Pereira, 1997), baseada no ideário do New Public Management e caracterizada por ser, como sugere o seguinte trecho:

orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de um grau real ainda que limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; o instrumento mediante o qual se faz o controle sobre os órgãos descentralizados é o contrato de gestão (Bresser-Pereira, 1997, p. 30).

Embora as discussões em torno do New Public Management remontem aos anos 1970, elas tomaram corpo e volume a partir da década de 1980, constituindo-se em um dos temas mais relevantes e atuais para a administração pública. De fato, ao analisarem os artigos publicados entre os anos 2000 e 2009 pela prestigiada revista Public Administration Review (PAR), Raadschelders e Lee (2011) constataram como o New Public Management foi, no decorrer da década, um dos três temas mais discutidos pela literatura acadêmica especializada. Nesse sentido, um dos pontos pacíficos do debate acadêmico é que a tentativa de mera transposição dos métodos de gestão privados para as organização públicas faz com que as práticas e objetivos organizacionais acabem se descolando da realidade representada pelos contextos público e institucional destas organizações.

As ideias do New Public Management não se estabeleceram de início como um corpo teórico e coerente, mas principiaram com discussões em torno de novas formas de gerir o Estado, com trocas de experiências entre gestores de diferentes países ocorridas no seio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Como demonstra Mathiasen (1999), o New Public Management não deve ser visto apenas como um conjunto de práticas que pode ser transferido de um Estado para outro, pois cada qual está inserido em sua própria cultura local. De toda forma, as iniciativas de reforma dos serviços públicos nos países integrantes da OCDE giraram em torno de dois pontos básicos: i) foco em resultados em vez de em processos; e ii) formas mais descentralizadas de gestão, em lugar de hierarquias rígidas. É possível ainda considerar outra importante característica do New Public Management, a busca por uma maior responsabilidade e transparência em relação a custos e resultados, bem como um sistema de orçamento e gestão afinado com as mudanças impostas pelo novo paradigma (Holmes e Shand, 1995).

Sobre essa questão, Bresser-Pereira (1997) demonstra que, enquanto a burocracia tradicional estaria centrada nos processos, a administração gerencial estaria focada nos resultados. Se na primeira os controles contra desvios de conduta do corpo funcional são de caráter preventivo, no segundo a relativa autonomia dada aos servidores e homens públicos parte do pressuposto de que eles deverão estar comprometidos com metas de desempenho ou resultados definidos em contrato, sobre as quais poderão ser responsabilizados caso não sejam atendidas.

Nesse aspecto, vemos uma grande diferença entre a perspectiva do New Public Mangement e a burocracia tradicional: esta última é denominada por Hood (1995) como Administração Pública Progressiva (ou PPA, na sigla em inglês), a qual estaria baseada em duas doutrinas básicas: a manutenção de uma diferenciação radical entre setores público e privado (em termos de organizacionais, métodos, pessoal, etc.) e o estabelecimento de uma estrutura rígida de procedimentos obrigatórios de trabalho, como forma de prevenção à corrupção e ao desvio de recursos públicos; o New Public Management, por outro lado, estaria baseado em duas doutrinas opostas às da PPA, a redução das diferenças entre os setores público e privado e o foco em resultados em vez de procedimentos (Hood, 1995).

De toda forma, é de se considerar que a adoção do New Public Management não ocorreu ou ocorre de forma uniforme nos diversos países, mesmo no seio da OCDE. Isso porque os dois temas básicos que o sustentam (foco em resultados em vez de em procedimentos e aproximação do setor público ao privado) foram ou estão sendo adotados em níveis variados de acordo com as peculiaridades locais de cada administração pública. Tais temas podem ser decompostos nos sete itens seguintes, sendo os quatro primeiros relacionados à aproximação do setor público ao privado e os três últimos, à mudança do foco para resultados em vez de procedimentos (Hood, 1995):

1.      Desagregação das organizações públicas em unidades gerenciais voltadas à realização de cada “produto” ofertado pelo setor público, com uma correspondente delegação de poder para a decisão sobre o uso de recursos;

2.      Incentivo a uma maior competição entre organizações públicas e entre organizações públicas e privadas;

3.      Adoção no setor público de práticas gerenciais desenvolvidas no setor privado;

4.      Foco na manutenção de serviços públicos estáveis em termos de volume, no desenvolvimento de políticas de atuação e numa maior disciplina e parcimônia no uso de recursos, com a busca constante de alternativas mais econômicas de realização dos serviços públicos, ao invés da ênfase na mera continuidade institucional;

5.      Maior controle das organizações públicas por seus gestores dotados de poderes discricionários, em vez de seu engessamento por estruturas normativas;

6.      Foco em padrões mensuráveis de performance para as organizações do setor público, em termos de alcance, nível e conteúdo de serviços ofertados;

7.      Controle de organizações públicas pela definição prévia de metas objetivamente mensuráveis, com o favorecimento de um equilíbrio homeostático no qual a organização possa adotar instrumentos flexíveis de alocação de recursos para o alcance de tais metas.

A categorização de Hood (1995) para as características do New Public Management é bastante semelhante à de Mathiasen (1999), diferenciando-se pela melhor sistematização das características em dois grupos gerais, de modo que se optou por sua utilização como base para a formulação do

Quadro 1 abaixo:

Quadro 1 – Características do New Public Management

Aproximação do setor público ao privado

Descentralização e delegação de poder para uso de recursos

Competição entre organizações públicas e entre privadas e públicas

Adoção no setor público de práticas gerenciais privadas

Melhora na eficiência dos serviços públicos, em vez da mera continuidade institucional

Foco em resultado

Controle na mão de gestores, com menos engessamento normativo

Foco em padrões mensuráveis de desempenho

Definição prévia de metas e equilíbrio homeostático

Fonte: adaptado de Hood (1995)

A perspectiva gerencial assumida pelo movimento do New Public Management, especialmente tal como apregoada no contexto brasileiro pelo ex-ministro Bresser-Pereira (1997), insere-se perfeitamente na proposta do presente artigo de investigar como o Balanced Scorecard pode ser proveitoso para organizações públicas. Isso porque, além de ser uma poderosa ferramenta gerencial do setor privado para o controle baseado em resultados – uma característica que, por si só, já justificaria a sua utilização dentro da orientação do NPM –, a grande contribuição do BSC é ser uma ferramenta para a implementação da Estratégia, como sugerem seus idealizadores (Kaplan e Norton, 1992). Isso eleva mais ainda o nível de aplicabilidade na esfera estatal, considerando os desafios contemporâneos do Estado brasileiro em termos de planejamento e políticas públicas de longo prazo. Vejamos a seguir os princípios gerais dessa ferramenta gerencial para tal intento.

 

4. O BSC enquanto ferramenta de controle gerencial da Estratégia

O Balanced Scorecard, também conhecido pela sigla BSC, surgiu a partir de um estudo patrocinado pela consultoria KPMG denominado “Measuring Performance in the Organization of the Future”, no qual se constatou a ineficiência do uso de medidas puramente financeiras para a mensuração do desempenho organizacional, conforme conclusões inicialmente apresentadas por Robert S. Kaplan e David P. Norton em seu artigo “The Balanced Scorecard – Measures that Drive Performance” (Kaplan; Norton, 1992). De acordo com os autores, a ênfase em medidas financeiras pode levar a organização a focar esforços em ações de curto prazo, prejudicando a criação ou manutenção de vantagens competitivas que favoreçam a continuidade da organização no futuro.

Para compreender o impacto do BSC no setor privado, é preciso antes entender como se dava a prática de controle gerencial e contábil nas empresas. No que se refere ao desenvolvimento do controle gerencial no setor privado, vemos que as medidas financeiras se consolidaram como instrumentos de gestão no começo do século XX, quando empresas como Dupont e General Motors buscaram integrar suas organizações multidivisionais a partir de um critério de retorno sobre o investimento. Tal concepção evoluiu para a gestão baseada em valor somente na década de 1990. As primeiras reações à limitação da gestão baseada puramente em critérios financeiros ocorreram nas décadas de 1980 e 1990, quando a busca pela qualidade superou os critérios financeiros como principal norte a ser seguido pela gestão. Além das finanças e da qualidade, algumas organizações passaram a focar nos clientes; outras, em reengenharia de processos; outras, ainda, em recursos humanos estratégicos. A falha de todas essas iniciativas residiu na escolha de um tema estratégico como sendo merecedor de todos os esforços organizacionais, em detrimento dos demais.

Foi nesse contexto que o BSC surgiu com a proposta de balanceamento entre os diversos objetivos estratégicos, de modo a conciliar a busca por resultados de curto prazo com a manutenção sustentada de bons resultados no longo prazo (Kaplan e Norton, 2000). Muito mais que um simples sistema de medição de resultados, o BSC é apresentado como o centro de um sistema gerencial com foco estratégico capaz de trazer um excelente desempenho às organizações que o apliquem adequadamente (Kaplan e Norton, 1993).

Em adição ao indicadores de desempenho financeiro-contábeis – que, por refletirem o desempenho passado, não são tão capazes de fomentar medidas centradas no futuro – o BSC de Kaplan e Norton (1997) propõe quatro diferentes perspectiva, uma financeira e outra de clientes externos, de processos internos e de aprendizado e crescimento, apresentados como vetores do desempenho futuro. Realmente, essa ferramenta se constituiu em um sistema de desdobramento da estratégia que oferece, muito mais que o mero controle organizacional, um contínuo aprendizado estratégico. Para os autores, as organizações não precisam ficar limitadas a essas quatro perspectivas, mas são elas aquelas mais comuns que aparecem na imensa maioria das situações. As medidas financeiras e as não financeiras não são escolhidas aleatoriamente, mas sim cuidadosamente balanceadas e definidas com base em um processo hierárquico de derivação a partir da visão e da missão organizacionais. Todas as medidas estão ligadas por meio de relações de causa e efeito. Dessa forma, o BSC será formado tanto por medidas puramente objetivas, normalmente ligadas ao curto prazo, como também por medidas até certo ponto subjetivas, ligadas ao desempenho futuro. De fato:

O scorecard deve ser a tradução da estratégia da unidade de negócios sob a forma de um conjunto articulado de medidas que definam tanto os objetivos estratégicos de longo prazo como os mecanismos para alcançar esses objetivos” (Kaplan e Norton, 1997, p. 32).

Para os autores, os objetivos financeiros de uma organização normalmente se enquadram em três fases básicas: crescimento (que equivale à expansão da participação de mercado), sustentação (que equivale à consolidação de um mercado por meio de investimentos que garantam a lucratividade futura do negócio) e colheita (que equivale à exploração de um mercado após se ter amortizado a maior parte dos investimentos necessários para conquistá-lo e mantê-lo). Os objetivos financeiros da organização obviamente serão diferentes para cada uma dessas fases, normalmente apresentando variações entre aumento de faturamento, redução de custos e incremento da lucratividade. Enquanto medidas de resultados, os objetivos da perspectiva financeira são o norte a ser seguido pelos vetores representados pelos objetivos das outras três perspectivas, sistematizados em uma cadeia de causalidade.

Considerando que os mercados são formados por clientes, os quais são disputados pelas organizações que competem nesses mercados, os autores não consideram razoável supor que todas as organizações sejam encaradas como as preferidas por todos os clientes, de modo que a perspectiva dos clientes no scorecard busca traduzir a missão estratégica em objetivos específicos para segmentos focalizados de clientes e mercados, objetivos estes comunicados a toda a organização. Nessa perspectiva, levam-se em conta cinco grupos de indicadores: a) participação de mercado, b) retenção de clientes, c) captação de clientes, d) satisfação de clientes, e) lucratividade de clientes. Tais grupos de indicadores, considerados isoladamente, representam medidas essenciais de resultado com espírito semelhante aos resultados financeiros que os métodos tradicionais de gestão tomavam por norte, pois trazem grandezas estáticas referenciadas ao passado, incapazes de correlacionar os resultados atingidos (bons ou maus) às suas causas. No entanto, ao serem incorporados a um scorecard, as medidas da perspectiva de clientes indicam como a fidelização e satisfação de um segmento específico do mercado ocorre a partir da proposta de valor da organização, a qual se compõe de atributos próprios do produto ou serviço ofertado, das características advindas do relacionamento com os clientes, e da imagem e reputação gozados pela organização.

Já na perspectiva de processos internos, os autores identificam os processos mais críticos para a realização dos objetivos de clientes e acionistas. Reside aqui a principal diferença entre o BSC e os demais sistemas estratégicos gerenciais, pois ele evidencia não apenas o que fazer, mas também como fazer. Para tanto, deve ser definida uma cadeia de valor que se inicia com o processo de inovação, passa pelos processos de operações, e culmina com os serviços de pós-venda. No processo de inovação, buscam-se necessidades dos clientes para então se criarem produtos ou serviços que as atendam, os quais são efetivamente ofertados nos processos de operações. Os serviços pós-venda são aqueles ofertados após a entrega do produto ou serviço, em razão do relacionamento criado entre a organização e o cliente. O foco das medidas de desempenho das organizações tradicionalmente recai sobre as operações (agregando, por exemplo, medidas de custo, qualidade e produtividade), enquanto que o BSC se ocupa de todas as facetas do valor percebido pelos clientes para os produtos da organização.

Finalmente, a perspectiva de aprendizado e crescimento oferece a infraestrutura necessária à consecução dos objetivos definidos nas outras três perspectivas. Tem por medidas comuns a retenção, a satisfação e a produtividade de funcionários. Essa perspectiva engloba três categorias ou vetores situacionais principais (Kaplan e Norton, 1997):

·          Reciclagem da força de trabalho: com a maior automatização de tarefas, aos trabalhadores são destinadas atividades de maior cunho intelectual, de modo que eles devem ser adequadamente capacitados para atuar em um ambiente de maiores responsabilidades. A reciclagem passa por duas dimensões: seu nível de aprofundamento e o percentual da força de trabalho que necessita ser reciclada;

·          Capacidades dos sistemas de informação: para que atuem com excelência, os funcionários precisam de informações consistentes acerca de seus clientes, processos internos e consequências financeiras de seus atos;

·          Clima para a ação: não basta que o funcionário seja adequadamente capacitado para suas funções e disponha de excelente base de informações, é essencial que ele esteja motivado a contribuir para o sucesso organizacional e que tenha espaço para decidir e agir atendendo a esse espirito. Um clima favorável é dado pela motivação dos funcionários, empowerment e seu alinhamento aos objetivos organizacionais.

 

O BSC se aplica melhor a unidades estratégicas de negócios, ou SBU (strategic business unit), o que é especialmente relevante para organizações grandes com dois ou mais negócios distintos. A diferenciação da organização em diferentes SBU ocorre quando for possível identificar unidades com missão, estratégia, clientes e processos internos próprios. Ainda assim, mesmo corporações formadas por várias SBU normalmente se utilizam de um scorecard corporativo, o qual define uma estrutura comum, um modelo corporativo, temas e visões que orientarão os scorecards de cada SBU.

Quando pensado para o setor público, o BSC mantém sua força como uma ferramenta para o controle gerencial, que, além de permitir o monitoramento orçamentário e atingimento da eficiência no uso de recursos, traduz as grandes diretrizes estratégicas em indicadores funcionais e operacionais de médio e curto prazo. Isso é particularmente importante se pensarmos que o grande desafio das organizações públicas no contexto do NPM é justamente obter resultados satisfatórios dentro dos objetivos estabelecidos pelos governantes e cobrados pela sociedade, sem perder de vista a necessidade de maior eficiência e otimização dos recursos públicos. Ainda, dentro da lógica de maior competitividade entre organizações públicas e privadas, o BSC permite que se potencialize a capacidade competitivas das empresas e outras organizações públicas, tornando-as legítimas e sustentáveis neste novo contexto social do século XXI.

Com a adoção de práticas gerenciais no setor público que foram desenvolvidas no setor privado, maior foco em padrões mensuráveis de performance e metas objetivamente mensuráveis foram características que facilitaram a adoção e disseminação do BSC no setor público, mesmo que de uma maneira considerada por alguns achados como forma híbrida de implantação do BSC (Sartorius; Trollip; Eitzen, 2010).

Mesmo assim, ainda é pouco conhecido como o BSC vem sendo adotado pelas organizações públicas brasileiras, conforme salientamos em nossa introdução. Justamente por esse motivo, desenvolvemos o presente estudo empírico, em que apresentamos a seguir suas diretrizes metodológicas e, na sequência, os resultados obtidos.

 

5. Procedimentos metodológicos

A metodologia empregada foi a do estudo de caso explanatório, tal como entendido por Yin (2005). O caso em análise é um caso único e holístico, pois está focado na compreensão da estratégia da Administração Pública federal brasileira, por meio da análise mais atenta desse fenômeno na RFB. A pesquisa foi de natureza qualitativa, com abordagem de corte transversal, utilizando-se de dados a serem obtidos em diversas fontes.

O nível de análise foi o organizacional. Embora os temas estudados se refiram ao Estado como um todo, mais especificamente ao Estado brasileiro, por questão de viabilidade, o estudo foi focado em uma instituição integrante da Administração Pública Federal brasileira, a qual se constituiu em unidade de análise do estudo.

O estudo foi realizado em duas etapas básicas. A primeira diz respeito ao levantamento e à organização de dados disponíveis nas fontes às quais se teve acesso. A segunda etapa correspondeu à análise propriamente dita, à luz do objetivo de se verificar a aderência dos princípios do New Public Management à ferramenta de controle estratégico BSC em uma organização pública brasileira.

Em relação à coleta de dados, no presente estudo foram utilizados dados secundários, de modo que eles não demandaram uma fase de coleta. Foram utilizadas diversas fontes públicas, tais como decretos, portarias do Ministério da Fazenda, portarias da RFB e relatórios de gestão da organização. Também foram analisados os próprios documentos internos a essa organização, referente ao BSC da RFB, tais como o mapa estratégico e os relatórios de avaliação de desempenho desenvolvidos pela COPAV.

A análise dos dispositivos normativos e demais documentos disponíveis diretamente na internet ocorreu de maneira direta, buscando identificar características que demonstrassem influências do New Public Management na concepção da gestão estratégica do órgão ou adaptações que se fizeram necessárias ao modelo clássico do BSC. A parcela do relatório de gestão a ser analisada quanto à estratégia é a seção denominada “Estratégia de atuação frente às responsabilidades institucionais”, componente obrigatório para todos os relatórios a serem entregues à Controladoria Geral da União e ao Tribunal de Contas da União pelos órgãos obrigados em relação ao exercício 2011 (BRASIL, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO).

Para facilitar a compreensão da análise e de seus subsequentes resultados, optamos por constituir as sessões subsequentes na forma de uma narrativa descritiva do caso em si, onde destacamos aspectos do histórico e da estrutura da organização em análise, bem como os pontos centrais da análise.

 

6. Apresentação do caso

A Secretaria da Receita Federal (SRF) foi criada pelo Decreto 63.659/68, resultante da unificação de diversos órgãos fiscais e se caracterizando pela reunião, em um mesmo órgão, das atividades relacionadas aos tributos internos e ao controle do comércio exterior. Em termos de operação, esse órgão herdou da antiga Direção Geral da Fazenda Nacional (DGFN) a divisão do país em dez regiões fiscais, articuladas de modo a melhor organizar sua presença em todo o território nacional.

Assim, por meio da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, a SRF foi fundida com a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP), então subordinada ao Ministério da Previdência Social. Por conta disso, a SFB é um dos órgãos mais singulares da união, sendo juridicamente vinculado ao Ministério da Fazenda. Suas competências e responsabilidades atualmente são descritas pelo art. 14 do Anexo I ao Decreto nº 7.301, de 14 de setembro de 2010, e podem ser categorizadas de acordo com os processos componentes da cadeia de valor do órgão, que serão tratados mais adiante.

 

6.1. Estrutura Administrativa da RFB

A RFB possui uma intrincada estrutura administrativa, atualmente definida pela Portaria Ministério da Fazenda nº 203, de 14 de maio de 2012. A RFB é composta, basicamente, de dois grupos de unidades: centrais e descentralizadas. As unidades centrais são também conhecidas por órgãos centrais, sendo constituídas por inúmeros departamentos especializados de acordo com suas funções. A cúpula da estrutura hierárquica é composta pelo Secretário da Receita Federal, a ele estando vinculados vários setores de assessoramento direto, dentre os quais é de especial interesse ao presente trabalho a Coordenação Geral de Planejamento, Organização e Avaliação Institucional (COPAV). O assessoramento direto é responsável pelas variadas atividades de suporte administrativo para a condução do órgão. Nesse mesmo nível hierárquico, ainda existem cinco subsecretarias especializadas, quatro delas em assuntos diretamente relacionados às atividades-fim da RFB e uma quinta voltada à infraestrutura necessária à manutenção das atividades do órgão. Devido à amplitude dos temas, cada subsecretaria é subdividida em Coordenações Gerais ou Especiais, que, por sua vez, dividem-se em outras Coordenações ou Divisões, de acordo com o nível de especialização do assunto.

As superintendências estão localizadas em cada uma das dez regiões fiscais, sendo estas responsáveis pela gestão específica de cada área geográfica de jurisdição. Elas possuem estrutura bastante semelhante à dos órgãos centrais, estruturando-se em divisões especializadas por assunto. Sua função primordial é de gestão administrativa, suporte e orientação das unidades localizadas em sua jurisdição. De maneira geral, não realizam atividades de execução.

As demais unidades descentralizadas são responsáveis pela execução das atividades percebidas diretamente pela sociedade, sendo a delimitação de seu trabalho definida por questões geográficas e ou de matéria. A regra geral é que uma Delegacia (DRF) seja responsável por todos os assuntos atinentes à RFB, exceto o julgamento administrativo de processos em uma jurisdição. O julgamento de processos ocorre nas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ), as quais possuem seu campo de atuação definido por matéria, e não por área geográfica. Às DRF estão vinculadas as Agências (focadas no atendimento direto ao contribuinte) e as Inspetorias de Classe “A” ou “B” (que, além do atendimento ao contribuinte, também incorporam atividades mais especializadas ligadas ao comércio exterior), cada qual com sua própria área de jurisdição dentro da delegacia responsável.

Em uma mesma área geográfica podem atuar diferentes unidades descentralizadas quando houver distribuição de competências por matérias. As Delegacias Especiais, por exemplo, tratam de maiores contribuintes (DEMAC), fiscalização (DEFIS), instituições financeiras (DEINF) ou de administração tributária (DERAT), e possuem jurisdição coincidente com a de outras DRF, mas cada qual atuando apenas nas matérias de sua competência. Por seu turno, as Alfândegas (ALF) tratam apenas de assuntos relacionados ao comércio exterior e possuem jurisdições pequenas, limitadas aos municípios onde existam portos, aeroportos ou portos secos em que ocorra a importação ou exportação de mercadorias. Já as Inspetorias de Classe Especial (IRF) realizam a fiscalização de importadores e exportadores dentro de suas áreas de jurisdição (ao que se denomina por zona secundaria de fiscalização aduaneira), normalmente coincidente com o de uma DRF equivalente.

A força de trabalho da RFB em 2012 é composta, predominantemente, por servidores integrantes da carreira de auditoria, formada por 11.547 Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (AFRFB) e 7.303 Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil (ATRFB), constituindo um corpo funcional  de 18.850 servidores distribuídos nacionalmente entre as unidades centrais e descentralizadas (SECRETARIA DE GESTÃO PÚBLICA, 2012). Auditores e Analistas são complementados por servidores de outras carreiras, de modo que o total de servidores em exercício na RFB chega a 25.840, aos quais ainda se somam funcionários terceirizados e estagiários, estes últimos em número de 2.491 (RFB, 2012). Vale destacar que ambos os cargos da carreira de auditoria exigem nível superior para ingresso no serviço público e são remunerados por subsídio, o que impede a adoção, para esses cargos, de qualquer parcela variável de remuneração. Tal fato é um importante elemento contrário à ideia de remuneração por produtividade, sistema defendido pelo New Public Management  e que também se apregoa na perspectiva de inovação e aprendizagem do BSC como forma de alinhamento dos integrantes de uma organização à sua estratégia.

 

6.2. As diretrizes estratégicas da RFB

A formulação da estratégia na RFB segue o processo  clássico de gestão estratégica (CERTO; PETER, 2002; KAPLAN; NORTON, 1997), com definição de missão, valores e visão antecedendo a formulação da estratégia em si. Em conformidade com o modelo do BSC, a formulação das diretrizes estratégicas gerais é seguida pelo mapa estratégico e pelo alinhamento de processos e de pessoas. Nesse sentido, foi possível verificar que o esquema declarado pela própria instituição para formulação da estratégia se adequa às três primeiras etapas do modelo de gestão integrada proposto por Kaplan e Norton (1997), representados pelas ideias de ‘desenvolver a estratégia’, ‘traduzir a estratégia’ e ‘alinhar a organização’. Da mesma forma, verificou-se que a formulação das diretrizes estratégicas na RFB parte da definição de uma ideologia essencial e de um futuro imaginado para a organização, sendo que a ideologia essencial corresponde aos valores e à missão organizacional, enquanto o futuro imaginado corresponde à visão que a organização atribui a si mesma.

Em termo de amplitude temporal, verificamos que o atual plano estratégico da organização foi elaborado para o quadriênio 2012-2015, seguindo as etapas descrita acima. Ele decorre da revisão da primeira experiência de planejamento baseada em mapas estratégicos adotada pela instituição, ocorrida no quadriênio 2008-2011 (RFB, 2012). A aprovação dos atual mapa estratégico, da cadeia de valor e objetivos estratégicos subsequentes se deu pela Portaria RFB nº 978, de 30 de abril de 2012.

Dentro da ideologia essencial, foram definidos os seguintes valores organizacionais: i) Respeito ao cidadão; ii) Integridade; iii) Lealdade com a instituição; iv) Legalidade; v) Profissionalismo; e vi) Transparência. Analisando sob a ótica da literatura especializada, foi possível observar que tais valores se aproximam bastante dos princípios básicos da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Além da correspondência óbvia entre o valor legalidade e o princípio de mesmo nome, pode-se considerar que os demais valores possuem ligação, ao menos indireta, com pelo menos um dos princípios. O respeito ao cidadão está ligado à impessoalidade, moralidade e eficiência. A integridade está ligada diretamente à moralidade. A lealdade com a instituição também se liga com a impessoalidade, a moralidade e a eficiência. O profissionalismo decorre diretamente da eficiência. E a transparência, evidentemente, decorre do princípio da publicidade.

Em relação às diretrizes estratégicas definidas para o quadriênio anterior, observamos que a missão e a visão organizacionais do atual plano estratégico se mantiveram após revisão realizada com integrantes da alta administração da RFB e sob supervisão da COPAV. Nesse sentido, a missão declarada da RFB é: “Exercer a administração tributária e aduaneira com justiça fiscal e respeito ao cidadão, em benefício da sociedade”

Na declaração de missão, fica clara a divisão da atuação da RFB em dois grandes grupos: a administração tributária e a administração aduaneira. Na linguagem do corpo funcional do órgão, a administração tributária equivale à administração dos tributos internos, enquanto a aduaneira corresponde à administração dos tributos aduaneiros ou de comércio exterior. É interessante ressaltar que a instituição reconhece sua missão como sendo algo maior que a simples arrecadação de tributos para provimento do Estado. Ao elencar já na declaração de missão a sociedade como destinatária direta dos benefícios advindos de sua atuação, a RFB pretende não apenas arrecadar, mas também garantir a livre concorrência (ao fiscalizar os agentes econômicos que tentam se desviar no cumprimento de obrigações tributárias na tentativa de obter vantagem competitiva sobre seus concorrentes), defender a economia nacional (ao impor aos produtos importados condições equivalentes às dos produtos nacionais para sua entrada no mercado), etc. Dessa forma, a RFB vai além da mera execução de medidas tributárias, até porque a missão do órgão incorpora, em si, uma das funções primordiais do Estado, que é a busca pelo bem comum. No caso, o bem comum é obtido pelo exercício das atividades da RFB em benefício da sociedade. No mesmo sentido, a missão se coaduna perfeitamente com uma das principais características do New Public Management, que é justamente a atuação estatal orientada para o cidadão.

A visão de futuro da RFB é: “Ser uma instituição de excelência em administração tributária e aduaneira, referência nacional e internacional”.

A declaração de visão acima descrita nada mais faz que sinalizar a realização da missão institucional de maneira adequada. Isso talvez se deva ao fato que a RFB é uma instituição única, que não compete com nenhuma outra atividade. Ou seja, sua área de atuação é previamente definida (tributos internos e questões aduaneiras), sendo que nas matérias de sua competência ela é “monopolista”. Também não existe concorrência entre o fisco federal e o fisco estadual, já que cada qual fiscaliza seus tributos específicos. Talvez por isso a visão não tenha qualquer anseio de crescimento e expansão organizacional. Em vez disso, pretende apenas o reconhecimento por bem realizar o trabalho que lhe é designado.

 

6.3. Cadeia de valor e o mapa estratégico da RFB

Em relação ao BSC do quadriênio anterior, a principal novidade na revisão estratégica promovida para o quadriênio 2012-2015 foi a criação, sob coordenação da COPAV, de uma cadeia de valor, a qual antecedeu a criação do mapa estratégico e apresenta os mecanismos que possibilitaram organizar e agrupar os processos de trabalho para que a RFB cumpra sua Missão e gere valor para o Estado, a sociedade, os contribuintes, os parceiros institucionais e os servidores. Seguindo uma metodologia semelhante à porteriana (Vizeu; Gonçalves, 2010), a COPAV dividiu as atividades organizacionais em um grupo com processos de suporte e outro com atividades primárias do órgão, aqui consideradas como diretamente relacionadas à produção dos resultados esperados, sendo ambos influenciados por um grupo de políticas institucionais. O objetivo da cadeia é demonstrar graficamente como as políticas institucionais interferem na realização dos diversos processos organizacionais, sejam eles primários ou de suporte.

Embora extensa, a cadeia de valor da RFB se apresenta bastante genérica, já que as relações de causa e efeito entre os diversos processos são vagas. De toda sorte, a sistematização dos processos em categorias teve o objetivo declarado de facilitar a produção do mapa estratégico, além de dar o suporte para a posterior criação de um índice global para mensuração do desempenho organizacional, como será demonstrado adiante.

A partir da cadeia de valor e com base nos valores organizacionais, foram definidos objetivos estratégicos voltados ao atingimento da missão e visão organizacionais. Tais objetivos foram reunidas em três perspectivas, em vez das quatro previstas por Kaplan e Norton (1997). Os próprios autores haviam reconhecido a possibilidade de se utilizarem mais perspectivas, embora as quatro perspectivas sejam apresentadas como básicas. Para instituições públicas, os autores previam uma predominância para a perspectiva de clientes sobre a financeira.

No mapa estratégico da RFB não há menção a uma perspectiva financeira nem a uma de clientes. Em seu lugar, o mapa adota uma perspectiva única de resultados. No entanto, uma rápida análise dos objetivos vinculados a tal perspectiva rapidamente demonstra como, na verdade, eles podem novamente ser decompostos em uma perspectiva financeira e outra de clientes, tal como previsto na teoria. Mas, antes disso, segue-se uma apresentação dos objetivos contidos no mapa estratégico do quadriênio 2012-2015.

Seguindo os preceitos clássicos do BSC, os objetivos estratégicos da RFB estão dispostos em seu mapa estratégico de modo encadeado, demonstrando graficamente as relações de causa e efeito para atingimento dos resultados esperados. Dessa forma, os objetivos de Pessoas e Recursos (o equivalente interno à perspectiva de aprendizado e crescimento da teoria) dão a base para o atingimento dos objetivos estratégicos de processos internos, os quais por sua vez embasam o atingimento dos objetivos estratégicos da perspectiva de resultados. Como inovação, o mapa apresenta alguns objetivos estratégicos realçados, denominados internamente como “objetivos batalha”, e consistindo naqueles que receberão ainda maior atenção durante a execução da estratégia.

Os dois primeiros objetivos da perspectiva de pessoas e recursos obviamente tratam dos recursos humanos, ao elencarem como estratégica a preocupação de capacitar os quadros adequadamente, ao mesmo tempo em que se busca disponibilizar a mão-de-obra necessária ao atingimento dos demais objetivos institucionais. Os três objetivos seguintes tratam da infraestrutura física e tecnológica, sem a qual não será possível nem a realização dos trabalhos cotidianos, nem a inovação necessária ao incremento do desempenho organizacional. Vale destacar que os objetivos de primeira ordem escolhidos nessa perspectiva possuem a peculiaridade de estarem vinculados a decisões oriundas de outro órgão, pois a realização de concursos para contratação de pessoal e a liberação de recursos orçamentários dependem de análise do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Os objetivos estratégicos da perspectiva de processos internos reproduzem a dicotomia entre atividades relacionadas a tributos internos e as relacionadas com questões aduaneiras, já expressa na missão institucional. Alguns objetivos são exclusivos da área aduaneira (sendo que o fortalecimento da vigilância e repressão se encaixa nessa categoria), outros são exclusivos de tributos internos, e outros ainda são compartilhados. Em todos os objetivos aqui elencados, é evidente a preocupação com incremento da eficiência do órgão, até mesmo pelos verbos empregados: “reduzir o tempo”, “elevar”, “aumentar”, “fortalecer”, “aprimorar”.

Tal como visto na teoria, os objetivos de processos internos estão ligados à atividade fim da RFB, que é a administração tributária e aduaneira indicada na missão e na visão. Essa administração compreende a fiscalização, a arrecadação, a solução de litígios e outras atividades, as quais dependem da consecução dos objetivos de pessoas e recursos para oferecer as bases necessárias ao atingimento dos objetivos da perspectiva de resultados.

Dentre os objetivos estratégicos da perspectiva de resultados, é interessante destacar como os dois primeiros, justamente aqueles indicados como objetivos de primeira ordem, dizem respeito diretamente ao provimento do Estado com recursos financeiros, o que poderia classificá-los como objetivos ligados a uma perspectiva financeira, tal como previsto na teoria. Por outro lado, os três objetivos seguintes tratam dos resultados percebidos diretamente pela sociedade, ou, em outras palavras, pelos “clientes” da RFB, de modo que eles poderiam estar reunidos em uma perspectiva própria, tal como previsto na teoria. No entanto, ao se elencarem os objetivos de fundo financeiro ao status de primeira ordem, a RFB acabou invertendo a ordem de preferência prevista por Kaplan e Norton (1997) para instituições públicas (descrita no item 2.3.3.5). Enquanto os autores previam a priorização de objetivos ligados à perspectiva de clientes sobre os ligados à perspectiva financeira, o mapa estratégico da RFB acaba por realizar exatamente o oposto.

 

6.4. Indicadores e Gestão Estratégica

Para cada objetivo constante no mapa estratégico, foi definido ao menos um indicador estratégico, cujo acompanhamento direto fica a cargo de uma das unidades de assessoramento direto ao gabinete da RFB ou a uma das subsecretarias.

A cesta completa se compõe de 58 indicadores, não cabendo uma descrição detalhada deles, tanto pela extensão que tal descrição alcançaria quanto pela impropriedade ética em sua divulgação; vários deles poderiam revelar, seja por sua denominação ou por sua forma de cálculo, processos reservados da RFB para o combate a ilícitos tributários e aduaneiros.

De toda forma, vale a referência à forma como tais indicadores estão sendo utilizados, já que são ferramenta direta para a gestão do órgão. A RFB desenvolveu um sistema próprio de gestão denominado SAGE (Sistema de Apoio à Gestão Estratégica), no qual é acompanhado o desempenho em cada um dos indicadores, graficamente relacionados ao objetivo estratégico correspondente no mapa estratégico. O sistema possui dados agregados de forma nacional ou por região fiscal ou unidade descentralizada, permitindo que os respectivos gestores acompanhem o desempenho de sua respectiva unidade e tomem ações corretivas, caso necessário. Nesse aspecto, o sistema dá suporte à realização da quarta etapa do modelo de gestão integrada de Kaplan e Norton (1997) – planejar a operação –, já que congrega os planos e projetos de execução das iniciativas estratégicas escolhidas pela instituição.

Paralelamente ao acompanhamento cotidiano do SAGE, a COPAV realiza trimestralmente as Reuniões de Avaliação Estratégica, conhecidas internamente pela sigla RAE, nas quais se reúnem o Secretário da RFB e seus subsecretários, assessorados pelos coordenadores gerais eventualmente envolvidos em cada indicador individualmente considerado. Os Superintendentes também são convidados a participar como forma de difusão do pensamento estratégico por toda a organização. Em cada RAE é realizado um balanço do desempenho organizacional durante o período recém-encerrado, permitindo que a alta cúpula da RFB identifique os processos que demandam maior atenção. A realização das RAE fecha as duas últimas etapas do ciclo do sistema de gestão integrada acima referido, já que permite à cúpula da RFB “monitorar e aprender” acerca do desempenho organizacional, visando “testar e ajustar” a estratégia para atingimento dos objetivos estratégicos da instituição.

Também está em desenvolvimento uma nova ferramenta de gestão denominada “Índice RFB”, para a qual a Cadeia de Valor se torna essencial. Dentre os 58 indicadores já definidos, foram selecionados 22, distribuídos de acordo com sua afinidade a cada um dos grupos de macroprocessos da cadeia de valor, tanto para os quatro grupos de macroprocessos finalísticos quanto para o grupo de macroprocessos de gestão. Tais indicadores são agregados de forma ponderada pela atribuição de pesos percentuais, de modo que o somatório de todos os pesos resulte em 100%. Com esse novo índice, será possível comparar de maneira bastante direta e eficaz o desempenho de diferentes regiões fiscais, o que, em tese, permitirá o estabelecimento de uma espécie de ranking para a distribuição de recursos complementares do orçamento anual. Por sinal, mesmo antes da instituição oficial desse índice, o atingimento das metas tem sido buscado de forma bastante veemente pelas regiões fiscais, já que a liberação de verbas complementares do orçamento vem sendo vinculada a patamares mínimos de desempenho regional.

 

7. Discussão

Para complementar a sessão precedente, de natureza mais descritiva, apresentamos nesta seção alguns pontos sobre a análise quanto a efetividade do BSC enquanto uma ferramenta gerencial adotada em uma organização pública brasileira. Neste sentido, nossa intenção é verificar sua aderência ao próprio movimento do New Public Management, não somente por se tratar de uma ferramenta amplamente adotada pelo setor privado, mas principalmente pela sua promessa de potencializar a operacionalização da estratégia. Por conta disso, organizamos nossa discussão a partir de dois sub-itens, a identificação dos princípios do New Public Management na adoção do BSC na RFB e a percepção da estratégia da RFB pelos seus membros, a partir do estabelecimento do BSC nessa organização. Este último reflete de forma mais direta a verificação da efetividade da ferramenta na organização, já que corresponde, segundo os próprios idealizadores da ferramenta gerencial, a um dos mais importantes objetivos de sua adoção.

 

7.1. Características do New Public Management Identificadas na Gestão Estratégica da RFB

Com base nas informações acerca do planejamento estratégico da RFB apresentadas até este ponto, é possível retornar ao Quadro 1 para verificar quais características do New Public Management podem ser identificadas no caso em estudo. Para tanto, formulou-se o Quadro 1 abaixo, que procura, de maneira sintética, indicar a presença ou não das características gerais do New Public Management na gestão estratégica da RFB, com a devida justificativa.

Percebe-se como boa parte das características atribuídas pela teoria ao New Public Management são bastante presentes na RFB, o que faz supor que isso seja reflexo da orientação do NPM na Administração Pública Federal brasileira, até porque várias de tais características são fruto das reformas de Estado implementadas no país a partir dos anos 1990.


 

Quadro 1 - Caracterísitcas do New Public Management Presentes na Gestão Estratégica da Rfb

Característica

Presença na RFB

Justificativa

Aproximação do setor público ao privado

Descentralização e delegação de poder para uso de recursos

Parcial

Embora a RFB tenha alcance nacional, com as atividades executivas delegadas aos titulares das unidades descentralizadas, não se pode afirmar que sua autonomia seja total. Na verdade, muito acerca da execução do trabalho é definido pelos órgãos centrais, por meio de normas internas. A utilização de recursos é semi-autônoma, ainda bastante dependente do direcionamento dado pelas superintendências.

Competição entre organizações públicas e entre privadas e públicas

Sim

A liberação de recursos suplementares do orçamento às Superintendências já é realizada de acordo com o atingimento de metas de desempenho. Dentro de cada superintendência, a distribuição de tais recursos tende a seguir a mesma lógica, o que origina uma espécie de competição de desempenho entre as unidades.

Adoção no setor público de práticas gerenciais privadas

Sim

A simples adoção do Balanced Scorecard é o melhor exemplo.

Melhora na eficiência dos serviços públicos, ao invés da mera continuidade institucional

Sim

O estabelecimento de metas de desempenho, acompanhadas de perto pelos órgãos centrais, revela um clara preocupação com a melhora na eficiência da organização como um todo.

Foco em resultado

Controle na mão de gestores, com menos engessamento normativo

Não

Talvez por fazer parte do setor  atividades exclusivas do Estado, a RFB é extremamente engessada por normas e regulamentos. A RFB vem buscando simplificar a regulamentação de sua competência, inclusive mediante discussão interna sobre as melhores soluções a serem adotadas em cada matéria. Ainda assim, a definição de normas continua sendo absolutamente centralizada.

Foco em padrões mensuráveis de desempenho

Sim

A definição de indicadores de desempenho para composição do BSC favoreceu o estabelecimento de padrões mensuráveis idênticos para toda a organização.

Definição prévia de metas e equilíbrio homeostático

Sim

Anualmente são definidas metas para as regiões fiscais em todos os indicadores, as quais decompõe tais metas para as unidades descentralizadas sob seu controle. Naturalmente, o mau desempenho durante o ano em um indicador favorece a concentração de recursos na atividade deficitária, recursos esses normalmente oriundos das atividades com indicadores em melhor condição.

Fonte: Dados de pesquisa.


A presença parcial da característica “descentralização” e a ausência da característica “menos engessamento normativo” podem ser atribuídas tanto à conformação da RFB, como parte integrante do setor de atividades exclusivas do Estado, quanto à presença da legalidade entre os princípios constitucionais da Administração Pública brasileira. Embora a RFB não faça parte do núcleo estratégico do Estado, está na posição de supri-lo com os recursos necessários à sua perpetuação, de modo que, sobre os titulares das unidades descentralizadas, recai uma forte regulamentação, justamente para garantir o influxo de tais recursos. No entanto, mesmo diante da legalidade, a presença das demais características do New Public Management na instituição revelam como o espaço de discricionariedade para sua gestão estratégica é bastante amplo, talvez advindo justamente daí o fato de sua missão ir muito além da mera execução de medidas tributárias.

 

7.2. Percepção da Estratégia pelos integrantes da RFB

Embora a estratégia organizacional da RFB aparente estar bem montada, isso não significa que ela tenha sido efetivamente incorporada pelos integrantes da organização. De fato, uma pesquisa de cultura e clima organizacional (COPAV, 2010) realizada em 2010 com consultoria da Fundação Getúlio Vargas já revelava dados preocupantes sobre o alinhamento das pessoas à estratégia da organização.

Na Tabela 1 foram indicados alguns dados colhidos pela referida pesquisa que interessam ao presente trabalho. Ao serem perguntados se conheciam a missão, visão e mapa estratégico da instituição, 50% dos servidores pesquisados indicaram desconhecê-los. O mesmo percentual declarou que a RFB não define suas metas de forma clara. A estrutura organizacional foi indicada como prejudicial à execução da estratégia por 54% dos servidores, enquanto 56% dos servidores consideram que a RFB não é transparente com seu corpo funcional. Tais resultados revelam como há um problema sério na comunicação da estratégia aos integrantes da organização, ficando claro como o alinhamento das pessoas à estratégia, tal como previsto na teoria, ainda carece de implementação.

 

 

 


Tabela 1  - Clima Organizacional da Rfb

Pergunta

Concorda

Concorda Parcialmente

Discorda

A missão, a visão de futuro e o mapa estratégico são conhecidos

44%

6%

50%

A RFB define suas metas de forma clara

43%

7%

50%

A estrutura organizacional da RFB facilita a execução da estratégia da instituição

32%

14%

54%

A RFB é uma instituição transparente para o seu corpo funcional

38%

6%

56%

A RFB planeja iniciativas (ações e projetos) para atingir os objetivos pretendidos

60%

10%

30%

Os gestores da RFB monitoram a execução das iniciativas (ações e projetos) da Organização

49%

19%

32%

Fonte: os autores, adaptado de (COPAV, 2010).

 


Por outro lado, a maioria dos servidores claramente tem conhecimento de que a organização possui alguma estratégia, ainda que eles não a conheçam adequadamente, já que 60% dos servidores reconhecem que a RFB planeja suas ações, e 49% concordam que os gestores monitoram a execução de iniciativas ou projetos estratégicos. Esse nível de respostas indica como, embora ainda incompleto, o alinhamento de processos já é perceptível pelo corpo funcional.

Os dados da pesquisa de clima organizacional foram colhidos em 2010, durante a vigência do pano estratégico anterior. Mesmo assim, suas conclusões aparentemente continuam válidas diante do resultado da análise dos trinta e sete trabalhos analisados sobre o impacto do BSC na RFB.

Esses trabalhos foram produzidos em julho de 2012 exclusivamente por servidores da RFB que ocupam posições de chefia, como requisito para a aprovação em curso sobre a ferramenta BSC oferecido pela Fundação Getúlio Vargas e custeada pela RFB. A maior parte dos chefes era de nível intermediário, atuando em unidades descentralizadas ou as comandando. Alguns deles atuavam nas unidades centrais. Dentre outros componentes do trabalho, foram analisadas as informações relativas às vantagens que os autores entendiam como presentes na RFB quando da implementação do BSC, bem como informações relativas a eventuais barreiras existentes na RFB que dificultassem o êxito da ferramenta.

Dos trinta e sete trabalhos, vinte e seis efetivamente traziam opiniões sobre as vantagens e barreiras ao BSC. Dentre as vantagens advindas da implementação do uso do BSC pela RFB, foram recorrentes as menções aos seguintes temas:

•  Definição clara dos objetivos estratégicos da organização;

•  Viabilização da priorização de projetos, de modo a concentrar esforços para efetivamente terminar aqueles projetos realmente importantes para a instituição, sem o desperdício de recursos em projetos secundários;

•  Sistematização clara da estratégia organizacional;

•  Definição de que a arrecadação não é o único objetivo a ser alcançado pela RFB, havendo muito outros de cunho não financeiro.

Também foram citadas como vantagens o favorecimento da mudança na cultura organizacional, a possibilidade de comparações de desempenho entre unidades e o fato de a mesma ferramenta ser utilizada por boa parte dos órgãos públicos com os quais a RFB interage. De modo geral, pode-se considerar que a principal vantagem percebida pelos gestores analisados foi a possibilidade de priorização de atividades ou projetos a partir do uso do BSC, o que não podia ser feito anteriormente e causava a dispersão de esforços em muitas atividades concomitantes, normalmente com resultados frustrantes em todas elas.

As opiniões relativas às barreiras ao sucesso da ferramenta na RFB, no entanto, foram muito mais contundentes, destacando-se de maneira bastante repetitiva, duas barreiras principais:

• Alinhamento deficiente, especialmente das pessoas, fazendo com que a estratégia organizacional fique restrita à alta administração;

• Definição de indicadores e metas controversos, considerados inatingíveis por uns, inúteis por outros.

De fato, a maioria dos gestores analisados indicou que a estratégia é pouco conhecida pelos integrantes da RFB, o que revela uma falha na comunicação da estratégia e uma grave deficiência de alinhamento organizacional. Além disso, quase todos criticaram os indicadores escolhidos, seja por apresentarem metas inatingíveis (ou mesmo subestimadas), seja por mensurarem aspectos irrelevantes do trabalho. A percepção geral nesse ponto é que a alta administração se distanciou “da ponta”, pecando por falta de pragmatismo na hora de definir o que precisa ser medido.

Além dessas duas barreiras principais, ainda foram citadas a resistência à mudança por parte dos servidores, a qual eventualmente pode decorrer de diferenças regionais e culturais, já que a instituição tem alcance nacional e precisa lidar com servidores de todas as origens. Tal resistência também foi citada como decorrente das diferenças históricas existentes entre os diferentes cargos de servidores, especialmente Auditores e Analistas. A resistência à mudança também poderia decorrer do receio de perda de poder, tanto das chefias quanto dos próprios servidores, já que diante de indicadores de desempenho deveriam, talvez pela primeira vez em suas carreiras, prestar contas sobre sua produtividade e trazer outras revelações que gerem o descontentamento dos servidores.

Outra importante barreira citada diz respeito às limitações impostas à RFB em questões orçamentárias e de pessoal. Afinal, as contratações dependem de concursos públicos cuja autorização depende de outro ministério, bem como os contingenciamentos de recursos são razoavelmente constantes, prejudicando o andamento de projetos selecionados como prioritários. Nesse ponto específico, no entanto, também foi considerada uma vantagem a adoção do BSC, pois em momentos de corte de recursos ele permite o direcionamento dos recursos restantes justamente para as atividades prioritárias ou para as áreas de melhor desempenho (algo que, por sinal, tem sido feito em relação ao desempenho das superintendências).

Finalmente, também foi citada a possibilidade de interferência política no órgão, tendo em vista que o Secretário da RFB, apesar de ter vocação técnica, não deixa de ser um cargo com indicação política e, justamente por isso, sujeito às mudanças de governo (ou mesmo ao “humor” do governante).

 

8. Considerações finais

A proposta do presente estudo é compreender como ocorre a Administração Estratégica no poder público federal brasileiro diante da combinação entre os preceitos do New Public Management e um mecanismo ou ferramenta de controle estratégico comum ao setor privado, o Balanced Scorecard. Para tanto, foi conduzido um estudo de caso em um dos maiores órgãos formadores do governo federal, a Receita Federal do Brasil.

Conforme demonstrado, o New Public Management produziu grandes efeitos sobre a Administração Pública brasileira, sobretudo na crescente preocupação com eficiência. Por sua vez, esta busca por uma maior eficiência necessariamente leva à necessidade de mensuração do desempenho, e nesse ponto o balanceamento entre indicadores financeiros e não-financeiros do BSC se adequa perfeitamente a esses preceitos.

A despeito do forte engessamento imposto pelo princípio da legalidade, a presença de várias características do New Public Management na Administração Pública brasileira revela como o espaço de discricionariedade existente para a gestão estratégica é bastante amplo, mesmo no poder público. De fato, desde o advento do princípio constitucional da eficiência, não mais basta apenas seguir a lei. É preciso agir eficientemente, e para isso se faz necessário o pensamento estratégico.

Diferentemente das organizações privadas, as públicas não visam ao lucro, de modo que algumas das medidas financeiras normalmente utilizadas pelo setor privado no uso do BSC seriam pouco adequadas para mensurar o desempenho do poder público. Justamente por isso, a importância dada no BSC às medidas não financeiras o elevou à condição de ferramenta de primeira importância para a gestão de organizações públicas em todo mundo. Obviamente que essa migração do setor privado ao público não ocorreria sem algumas adaptações, processo esse que representa um desafio e gera dificuldades.

Uma das mais evidentes no caso estudado se refere ao desafio em se desenvolver um processo dinâmico de ajustes das métricas e indicadores do Mapa do BSC – dificuldade esta representada pela não descentralização e excessiva burocracia em alguns processos da RFB – o que impede que se desenvolva todo o potencial dessa ferramenta de implementação da estratégia. Isso é um fator importante, tendo-se em conta que, dentro da prática da gestão estratégia, os autores têm identificado como elemento essencial para o sucesso na implementação dos objetivos planejados o olhar cuidadoso sobre a fase de implementação, o que pressupõe, entre outras coisas, maior flexibilidade no processo (Vizeu e Gonçalvez, 2010).

Além disso, a implementação exige um maior cuidado com a difusão e o engajamento de todos os membros da organização na realização da estratégia e de seus objetivos derivados. Conforme foi indicado na discussão, esse também foi um problema no caso da RFB, em que se verificou que uma grande parcela dos servidores dessa organização desconheciam importantes diretrizes estratégicas, a despeito de seu envolvimento nas atividades desenvolvidas a partir da adoção do BSC. Esse aspecto pode representar algo problemático, especialmente se considerarmos que a difusão da estratégia tem por finalidade o engajamento dos membros da organização em sua realização, algo que, se não obtido, pode representar o fracasso na implementação da ação.

Ainda assim, os preceitos do New Public Management parecem se adequar quase perfeitamente às características oferecidas pelo BSC enquanto instrumento de gestão. Dentre as características elencadas pela OCDE para essa perspectiva de gestão pública, temos o foco nos resultados, a flexibilidade, o estabelecimento de metas de produtividade para o setor público e o fortalecimento da capacidade estratégica da cúpula estatal, todos objetivos plenamente integrados ao BSC. Características semelhantes são atribuídas ao New Public Management por Hood (1995), novamente ficando evidente a adequação do BSC a tais ideias.

A adoção do BSC pela RFB apresenta ainda outras limitações, mesmo diante das adaptações realizadas, dentre as mais notáveis conta-se a redução do número de perspectivas estratégicas para apenas três.

Algumas dessas limitações podem decorrer da inépcia do órgão em lidar com a ferramenta, o que provavelmente deve ser resolvido com o aumento na experiência de seu uso. É o caso, por exemplo, da definição de indicadores e metas inadequados. A tendência é que, quanto mais a ferramenta seja utilizada, melhores sejam os indicadores e metas produzidos. Outras limitações, entretanto, podem decorrer de incompatibilidades básicas entre a Administração Pública brasileira e algumas características do New Public Management, ainda que secundárias.

Conforme demonstrado na teoria, o New Public Management se utiliza do incentivo pessoal como forma de motivação e incremento de produtividade. Tal incentivo é normalmente associado a esquemas de remuneração variável, associados a medidas de desempenho individual. Embora a preocupação com eficiência esteja bastante clara na gestão estratégica da RFB, ela carece da ferramenta de remuneração variável devido a questões peculiares de seu quadro funcional. Essa é uma das principais diferenças entre organizações privadas e públicas.

Por sua vez, o BSC também se utiliza de sistemas de remuneração variável para motivar pessoas a internalizarem a estratégia organizacional, na medida em que se torna melhor remunerado aquele que mais contribuir para o atingimento dos objetivos organizacionais. Na verdade, a motivação por remuneração variável pode ser encarado como o principal instrumento de alinhamento de pessoas do BSC.

Neste estudo, identificou-se que justamente uma das principais barreiras encontradas ao sucesso do BSC enquanto ferramenta de gestão estratégica da RFB foi o alinhamento deficiente do pessoal, que muitas vezes até sabe da existência de uma estratégia organizacional, mas que frequentemente não sabe de que ela trata. Obviamente isso pode decorrer também de falhas na comunicação da estratégia, mas certamente decorre da falta de um instrumento eficaz de alinhamento, como o é a remuneração variável tal como proposta pelo New Public Management e pelo próprio BSC. Os servidores da carreira auditoria da RFB recebem os mesmos rendimentos, desempenhando o trabalho de maneira produtiva ou medíocre. Esse é o tipo de situação para a qual não há solução fácil e que certamente continuará a prejudicar o alinhamento e comprometimento das pessoas com a estratégia organizacional.

De toda forma, é inegável que a adoção dos princípios do New Public Management alterou a forma de execução da Administração Pública brasileira, influenciando-a a buscar uma atuação mais eficiente, sendo aqui a eficiência entendida como a prestação de um serviço público de maior qualidade. Cabe ao BSC fornecer as ferramentas para que a gestão tire o foco dos processos e o redirecione aos resultados. Afinal, como demonstrado anteriormente, o fim último do Estado é a realização do bem comum, atuando em benefício da sociedade.

Para estudos futuros, sugerimos que se continue investigando a adoção do BSC por outros órgãos públicos, com o objetivo de se identificar se os mesmos problemas que foram identificados no presente estudo da RFB se encontram também em outras organizações do Estado brasileiro, seja na esfera federal ou nas esferas estadual e municipal. Da mesma forma, é preciso que se continue buscando compreender os mecanismos de adaptação necessários para a sua efetiva implantação no contexto do Estado brasileiro. Um caminho interessante para se investigar esse ponto é reconhecer as dificuldades apontadas por alguns estudos – dentre eles, destacando-se a própria perspectiva de Bresser-Pereira (1997; 2009), um importante articulador do NPM no Brasil – no que se refere ao desenvolvimento do modelo gerencial na Administração Pública brasileira, especialmente, frente à ainda presente orientação patrimonialista e burocrática nos órgãos públicos no país.

 

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