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Retrato da
inadimplência dos beneficiários da Faixa 1 do “Minha Casa, Minha Vida”: análise
da associação da inadimplência com variáveis socioeconômicas e de gerenciamento
financeiro
Default situation
of range-1 "Minha Casa, Minha Vida" beneficiaries: analysis of the
association of default with socioeconomic and financial management variables.
Retrato del incumplimiento
de los beneficiarios de la franja 1 de “Minha Casa, Minha Vida”: análisis de la
asociación de mora con variables socioeconómicas y de gerencia financiera.
Luana dos Santos Fraga
luana.fraga92@gmail.com
Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
Kelmara Mendes Vieira kelmara@terra.com.br
Universidade Federal
de Santa Maria, Brasil
Retrato da inadimplência dos beneficiários da Faixa 1 do “Minha
Casa, Minha Vida”: análise da associação da inadimplência com variáveis
socioeconômicas e de gerenciamento financeiro
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 3, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 14 Março 2017
Aprovação: 02 Março 2018
Publicado: 01 Julho 2019
Resumo:
O estudo tem como objetivo apresentar
um retrato da situação de inadimplência de beneficiários da Faixa I do Programa
Minha Casa Minha Vida. Investiga-se também as práticas de gerenciamento
financeiro e a associação deste e de variáveis socioeconômicas com a
inadimplência. Para tanto, foram realizadas entrevistas com 155 beneficiários
de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e utilizada estatística descritiva, teste
de diferença de média, análise de confiabilidade e teste de hipótese de
associação entre variáveis. Verificou-se que os principais motivos da
inadimplência são o uso do dinheiro em despesas inesperadas e atraso no envio
dos boletos pela Caixa Econômica Federal. Os inadimplentes apresentam comportamento
menos adequado em relação aos gastos, dívida e poupança e atitudes ao
endividamento, principalmente ao acharem que é normal as pessoas ficarem
endividadas para pagarem suas contas e comprar parceladamente.
Palavras-chave:
Habitação,
Inadimplência, Gerenciamento Financeiro.
Abstract: The study aims to present the default situation of Range 1 from
Minha Casa Minha Vida Program beneficiaries. It also investigates the financial
management practices and the association of this and socioeconomic variables
with the default. In order to achieve this information, we interviewed 155
beneficiaries from Santa Maria, in Rio Grande do Sul, Brazil, using a
descriptive statistics, mean difference test, reliability analysis and
hypothesis test association between variables. It was found that the main
reasons for defaults are the use of money in unexpected expenses and ticket
delivery delays. Defaulters have less appropriate behavior in what comes to
debt and savings, and attitudes to indebtedness.
Keywords: Habitation, Default,
Financial Management.
Resumen: El estudio tiene como objetivo presentar un retrato de la
situación de incumplimiento de beneficiarios de la Faja 1 del Programa “Minha
Casa Minha Vida”. Se investiga también las prácticas de gestión financiera y la
asociación de esta y de variables socioeconómicas. Para tanto fueron realizadas
entrevistas con 155 beneficiarios de Santa Maria, en Rio Grande do Sul, Brasil,
y utilizada la estadística descriptiva, prueba de diferencia media, análisis de
confiabilidad y prueba de hipótesis de asociación entre variables. Se verificó
que los principales motivos del incumplimiento son los gastos inesperados y
atrasos de facturas. Los morosos presentan comportamiento menos adecuado en
relación con gastos, deudas y ahorros y actitudes al endeudamiento.
Palabras clave: Habitación, Mora, Gerencia
Financiera .
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos tem sido reconhecido o fato de que moradia é
uma necessidade básica de todo ser humano e faz de cada família, independente
de sua renda, uma demandante em potencial do bem habitação. Diante disso,
esquemas de financiamento habitacionais de longo prazo ajudam a diminuir o
déficit de habitação e melhoram a vida da população (Ramos
& Noia, 2016). Nesse sentido, em 2009, foi implantado o Programa Minha
Casa Minha Vida (PMCMV), com os objetivos de atender às necessidades de moradia
da população com diferentes níveis de renda, gerar empregos através de novos
investimentos na construção civil, combater o déficit habitacional, impulsionar
a economia e proporcionar oportunidades de desenvolvimento para o país (Caixa
Econômica Federal – CEF, 2015a).
Contudo, apesar dos altos subsídios do governo para as famílias
com menor renda, é necessário o pagamento das prestações da casa adquirida por
um longo período de tempo, correndo o risco de perder o imóvel caso não sejam
pagas as prestações em dia. Para as famílias pertencentes à Faixa 1 do Programa
(renda mensal de até R$1.600,00 por família), a parcela do financiamento é de
apenas 5% da renda mensal, porém, devido à restrição orçamentária, pode se
tornar alta quando acrescentada a outras despesas.
Acrescenta-se a isso o fato de que os cenários econômico e
político sofreram mudanças ao longo dos últimos anos, tornando-se menos
favoráveis a investimentos e aumentando os níveis de endividamento e
inadimplência, incluindo de financiamento habitacional. De acordo com estudos da
Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC, 2016), o percentual
de famílias brasileiras endividadas com financiamento de casa em janeiro de
2010 era de 3,1%, passando, em dezembro de 2016, para 7,2%. Observa-se que esse
percentual indica apenas que mais famílias estão pagando financiamento da casa,
entretanto, o percentual de inadimplência no PMCMV evidencia uma situação
preocupante. Em relação aos níveis de inadimplência no PMCMV (atraso de mais de
90 dias no pagamento das parcelas) na Faixa 1, o atraso verificado no pagamento
das mensalidades, em nível brasileiro, encontrava-se, em junho de 2015, em 23%
(Controladoria-Geral
da União - CGU, 2016). Dessa forma, muitas famílias de baixa renda que
tiveram acesso ao financiamento da casa própria, encontram grandes dificuldades
para o pagamento das prestações. Explicando esse aumento do endividamento,
ressalta-se a falta de planejamento e controle dos gastos (Santos
& Silva, 2014), como também o desemprego e a inexistência de uma
reserva para incidentes e imprevistos, fazendo com que as famílias, na hora de
pagarem suas dívidas, não tenham os recursos necessários para quitá-las (Zerrenner,
2007).
Diante dessa situação, este artigo tem como objetivo geral
apresentar um retrato da situação de inadimplência de beneficiários da Faixa I
do Programa Minha Casa, Minha Vida. Como objetivos específicos têm-se: i)
identificar o perfil dos entrevistados e as principais razões da inadimplência;
ii) analisar as práticas de gerenciamento financeiro utilizadas e a percepção
da atitude ao endividamento; iii) verificar as diferenças entre os
inadimplentes e adimplentes do PMCMV, segundo as variáveis relativas à atitude
ao endividamento e iv) analisar o grau de associação entre as variáveis
socioeconômicas e de gerenciamento financeiro com a inadimplência na Faixa I do
PMCMV. Para cumprimento desses objetivos, realizou-se um estudo no município de
Santa Maria, no Rio Grande do Sul (RS), o qual conta atualmente com 1860
unidades habitacionais, distribuídas em quatro condomínios, financiadas pelo Programa
Minha Casa Minha Vida (Faixa 1).
A pesquisa se insere, assim, no âmbito dos estudos a respeito de
finanças comportamentais, mais especificamente gerenciamento financeiro e
aspectos inerentes à inadimplência num programa social, com política de subsídio
e financiamento habitacional a famílias de diferentes faixas de renda. Podem
ser citadas pesquisas que tratam da inadimplência em políticas habitacionais
anteriores ao PMCMV, como as realizadas por Sehn
e Carlini Junior (2007), Merigo
e Rockenbach (2004) e Lobler
et al (2000). Portanto, como contribuição e inovação ao campo de estudos
relacionados ao Programa Minha Casa Minha Vida, tem-se a discussão a respeito
de um tema ainda pouco explorado no âmbito das análises sobre essa política
pública: a inadimplência do público de interesse social.
Todavia, cabe registrar que existem pesquisas a respeito de
questões relacionadas aos problemas estruturais de moradia, urbanização e
agentes envolvidos (Krause,
Balbim & Neto, 2013; Moura,
2014; D’Amico,
2011; Rizek,
Amore & Camargo, 2014); evolução dos programas habitacionais
brasileiros e os aspectos positivos e negativos do PMCMV (Ramos
& Noia, 2016; Cunha,
2012; Andrade,
2012); impactos econômicos e financeiros (Shimizu,
2010;Souza
& Mello, 2017); fundo garantidor de habitação popular (Guilhen
& Meireles, 2017); satisfação dos beneficiários (Moreira
& Silveira, 2015; Brasil,
2014; Cunha,
2012) e ainda, uma pesquisa sobre inadimplência habitacional direcionada à
classe média emergente brasileira (Locatelli
et al, 2015), a qual utilizou base de dados secundária, diferentemente da
presente pesquisa.
A pesquisa justifica-se pelo fato de que muitas famílias estão
encontrando dificuldades para quitar suas parcelas do financiamento
habitacional e, assim, pretendemos investigar quais fatores causam o alto nível
de inadimplência que pode contribuir para que os problemas encontrados possam
ser discutidos e melhorados, visto que o programa não tem previsão de término e
o prazo de financiamento é longo. Ainda, a importância de estudar a atitude ao
endividamento se dá pelo fato de que pessoas em situações difusas, com contas
atrasadas e indisponibilidade de caixa são mais propensas a problemas, tanto de
ordem financeira, quanto psicossocial (Keese
& Schmitz, 2011; Plagnol,
2011).
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 Gerenciamento
Financeiro
A administração das finanças familiares é fundamental, já que
envolve a definição de quais métodos de controle devem ser utilizados, quem é
responsável pelos pagamentos e negociações dos gastos pessoais (Burgoyne & Morison,
1997). Atentar-se para que seja realizada uma eficiente administração
financeira torna-se ainda mais importante entre famílias mais pobres, uma vez
que pela escassez de recursos são necessárias melhores habilidades no uso do
dinheiro (Budescu & Taylor, 2013).
Essas habilidades referem-se ao planejamento financeiro,
elaboração de orçamentos, planos de poupança e investimentos estratégicos.
Necessita-se equidade entre receitas e despesas, evitando gastos supérfluos em
detrimento de despesas básicas (Campara,
2016). Tratando-se das dificuldades no gerenciamento da renda familiar,
têm-se os altos reajustes nos preços em oposição ao reajuste salarial e os
gastos desnecessários, que contribuem de forma significativa no final do mês
(Silva et al, 2014). Considera-se ainda a dificuldade dos indivíduos,
principalmente de baixa renda, em guardar montantes financeiros, o que é
maximizado pelo fato de a renda dessas famílias ser sazonal, fruto da
informalidade (Rêgo
& Pinzani, 2013).
Entre as ações para um melhor uso monetário, tem-se a gestão de
caixa, uma importante ferramenta que possibilita o controle das entradas e
saídas de dinheiro, facilitando a visualização das condições financeiras e
estimulando a vivência dentro de suas condições, administrando seu dinheiro de
forma eficiente e eficaz (Leal
& Nascimento, 2012). Gerir os recursos disponíveis de forma consciente
propicia uma relação favorável com o cumprimento financeiro das necessidades (Plagnol,
2011), a qualidade das decisões financeiras particulares e o planejamento
delas, que podem influenciar toda a economia e estão intimamente ligados a
problemas como inadimplência, endividamento familiar e falta de capacidade de
planejamento de longo prazo (Cenci,
Pereira & Barichello, 2015).
2.2
Atitude ao Endividamento
O consumo satisfaz necessidades básicas ou supérfluas, no
entanto, devido à busca incessante pela satisfação, além da facilidade de acesso
ao crédito, muitos indivíduos gastam mais que seus recursos, resultando em
endividamento, sobre-endividamento e inadimplência (Frade
et al, 2008; Gathergood,
2012).
Conceituando endividamento, Marques
e Frade (2004) relatam que é um saldo devedor assumido, que deve ser
quitado em um período fixado, tornando-se uma responsabilidade financeira. Nem
sempre o endividamento é ruim, uma vez que pode ser também encarado como
estratégia do consumidor num contexto de crescimento econômico (Marques
et al, 2000). Ele se torna um problema quando o indivíduo compromete sua
renda mais que o disponível. Essa condição é denominada sobre-endividamento, a
incapacidade de quitar dívidas contraídas (Frade
et al, 2008; Marques
e Frade, 2004).
O caso mais grave de dívida é a inadimplência, quando o
indivíduo contrai um montante elevado e ultrapassa suas condições de pagamento,
consequentemente, os prazos não são cumpridos (Olivato
& Souza, 2007). Quanto às causas do sobre-endividamento e
inadimplência, evidencia-se a perda de emprego e renda, doença própria e/ou de
familiares, morte do responsável pela maior parte da renda familiar, gravidez
não programada, separação conjugal, fatos considerados inesperados. Há também a
falta de planejamento financeiro, compras por impulso, excesso de parcelamento,
uso descontrolado de crédito, além de empréstimo do nome, onde um amigo ou
familiar retira empréstimo e/ou financiamento em seu nome para terceiros (Banco
Central do Brasil - BACEN, 2014).
Destacam-se nas famílias brasileiras o uso do cartão de crédito,
cheque especial ou pré-datado, crédito consignado ou crédito pessoal, carnês,
financiamento de carro e financiamento de imóvel (Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC, 2015). Fatores
macroeconômicos que afetam a economia de modo geral também influenciam, entre eles
a taxa de juros, desemprego, rendimento médio do pessoal ocupado, inflação,
volume de vendas do comércio e o índice geral de preços ao consumidor amplo (Linardi,
2008; Silva et al, 2012).
A literatura existente sobre endividamento traz diversas
relações com variáveis socioeconômicas. Em relação ao gênero, têm-se duas
concepções distintas: mulheres como mais propensas ao endividamento (Trindade,
Righi & Vieira, 2012; Carvalho & Alves, 2010; Vieira
et al, 2014) e outros os homens (Wang,
Lu & Malhotra, 2011; Muller,
2010). Justificando essas relações, Trindade,
Righi e Vieira (2012) salientam que as mulheres são mais propensas ao
endividamento pela predisposição à aquisição de carnês e compras com maior
frequência. Já os homens costumam utilizar o crédito rotativo frequentemente (Wang,
Lu & Malhotra, 2011), cartão de crédito, empréstimo pessoal, empréstimo
consignado, limite de cheque e limite da conta (Muller,
2010).
No que tange à faixa etária, Ponchio
(2006) e Vieira, Flores e Campara
(2015) observaram a existência de uma relação negativa entre idade e
endividamento. Ratificando essas evidências, Worthy,
Jonkman e Blinn-Pike (2010) destacam que jovens de 18 a 25 anos são mais
predispostos a assumir riscos maiores e apresentar menor estabilidade
financeira, explicando sua maior vulnerabilidade à dívida.
Ao avaliar a relação entre estado civil e endividamento, Gathergood
(2012) e
Vieira, Flores e Campara (2015) observaram que os indivíduos solteiros
possuem maior propensão ao endividamento e possuem maiores níveis de
sobre-endividamento. De encontro a esta perspectiva, Mendes-Da-Silva,
Nakamura e Moraes (2012) destacam as pessoas casadas como as mais
vulneráveis a estourar o limite do cartão de crédito e a pagar somente uma
parcela da fatura, elevando o nível da dívida. Vieira
et al (2014), ao investigar o endividamento na mesorregião central do
Estado do Rio Grande do Sul, indicou que mulheres separadas ou viúvas são mais
propensas a contrair dívidas, pelas despesas da casa e cuidados com filhos.
Quanto à variável referente ao número de dependentes, Keese
(2012) evidencia que famílias com maior número de filhos e dependentes,
principalmente crianças, contraem maiores dívidas. Da mesma forma, Silva
(2011), Godwin
(1990) e Lea,
Webley e Walker (1995) destacam que um grande impulsionador dos problemas
de altos níveis de endividamento nas famílias é o aumento de gastos com
situações imprevisíveis, como doenças.
Em relação à escolaridade, Vieira,
Flores e Campara (2015) verificaram que indivíduos com menores níveis de
escolaridade possuem maior propensão ao endividamento. Por outro lado, quanto
maior a instrução, maior a possibilidade de se endividar, dado o conhecimento
das opções de crédito (Miotto,
2013). Outro fator diretamente relacionado a níveis de endividamento é a
renda. Zerrenner
(2007), Vieira
et al (2014) e
Vieira, Flores e Campara (2015) constatam que indivíduos de baixa renda
(que recebem até 3 salários mínimos) apresentam níveis significativos de
endividamento.
3 PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA E SUA RELAÇÃO COM A INADIMPLÊNCIA
Em 25 de março de 2009 foi emitida a Medida Provisória nº 459/09,
convertida na Lei nº 11.977, implantando o PMCMV, tornando este um marco da
política habitacional, que estabelece parcerias entre Governo Federal, estados,
municípios e iniciativa privada. Sua criação parte do pressuposto que o acesso
à moradia regular é condição básica para todos indivíduos, podendo superar
vulnerabilidades sociais e alcançar a efetiva inclusão social. Todavia, para
que isso seja possível, torna-se essencial o acesso ao financiamento
habitacional para estas famílias, que muitas vezes não têm capacidade de
poupança, exigindo condições especiais e subsídios governamentais (Shimizu,
2010).
Assim, com o intuito de facilitar o acesso à aquisição da casa
própria para indivíduos de diferentes classes de renda, foram criadas três
faixas de financiamento com base em valores da renda mensal familiar. A Faixa
1, que conta com elevados subsídios para a aquisição de moradia para famílias
com renda mensal de até R$ 1.600,00; a Faixa 2, a qual facilitou o
financiamento por meio de subsídios diretos à demanda e através da redução de
taxas de juros para famílias com renda mensal de até R$ 3.275,00, e a Faixa 3,
que criou condições favoráveis de acesso ao imóvel para famílias com renda
mensal de até R$ 5.000,00 (Brasil,
2014).
Para a Faixa 1, a indicação e a seleção das famílias são
realizadas pelo município/governo do estado e não podem possuir imóvel e nem
ter recebido anteriormente benefícios de natureza habitacional do Governo
Federal. Devem estar cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal. O prazo de amortização da dívida são 120 meses, onde o valor
bruto da prestação corresponde ao valor do financiamento dividido por 120 e o
valor líquido corresponde a 5% da renda bruta familiar mensal ou R$25,00, o que
for maior, o restante é subsidiado pelo Programa (CEF,
2015a).
Salienta-se que em março de 2016 iniciou-se uma nova fase do
PMCMV, com alterações referentes às faixas de renda, juros, subsídios e valores
das prestações. Criou-se uma nova faixa de renda, a Faixa 1,5, e o valor limite
de renda da Faixa 1 passou de R$1.600,00 para R$1.800,00 por família. As
prestações da Faixa 1 continuarão a ser pagas em 10 anos, sendo que, para as
famílias que recebem até R$800, a parcela será de R$80; entre R$800 e R$ 1.200,
o valor corresponderá a 10% da renda; de R$1.200 a R$1.600 pagará 15%; e de
R$1.600 a R$1.800, 20% (Portal Brasil, 2015). Contudo, devido ao fato de a
mudança ser relativamente recente, optou-se por utilizar as faixas de
financiamento anteriores.
Sobre a seleção dos candidatos, o Manual do PMCMV indica que o
parâmetro para a seleção deve observar os seguintes critérios: famílias
residentes em áreas de risco ou insalubres ou desabrigadas; famílias com
mulheres responsáveis pela unidade familiar e famílias das quais façam parte
pessoas com deficiência. É permitido às mulheres chefes de família firmar
contrato de financiamento independente do cônjuge, além da participação de pessoas
com restrição cadastral no Serviço de Proteção ao Crédito SPC e/ou SERASA (CEF,
2015a).
Quanto ao atraso no pagamento, a Caixa Econômica Federal realiza
a cobrança das parcelas e, antes de qualquer ação definitiva, como a retomada
do imóvel, esgotam-se as providências de orientação e cobranças
administrativas. O objetivo do Governo Federal não é retomar os imóveis
inadimplentes, mas sim ajudar os beneficiários a superar dificuldades
(Santiago, 2015). Reiterando essa afirmação, tem-se que uma das diretrizes do
PMCMV é a execução de trabalho social “entendido como um conjunto de ações
inclusivas, de caráter socioeducativo, voltadas para o fortalecimento da
autonomia das famílias, sua inclusão produtiva e a participação cidadã,
contribuindo para a sustentabilidade dos empreendimentos habitacionais”.
Menciona-se ainda, no eixo “Planejamento e Gestão do Orçamento Familiar”, a
prática de “divulgação de informações sobre organização e planejamento do
orçamento familiar, e sobre a racionalização dos gastos com moradia; e
orientação às famílias sobre as tarifas sociais dos serviços públicos” (Portaria
n° 168, de 12 de abril de 2013).
Tratando-se do endividamento e inadimplência no PMCMV (Faixa 1),
de acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério da Transparência e
Controladoria Geral da União (CGU,
2016), o atraso no pagamento (mais de 90 dias) do financiamento habitacional
encontrava-se, em primeiro de julho de 2015, em 22% (CGU,
2016). Observa-se, assim, que quase um em cada cinco beneficiários da Faixa
1 possuía pelo menos uma prestação vencida há mais de três meses.
Avaliando os motivos que levariam à inadimplência na Faixa 1, o
estudo encontrado com maior similaridade com a presente pesquisa foi realizado
por Locatelli
et al (2015), o qual teve por objetivo identificar os determinantes de
inadimplência em operações de crédito habitacional com o emprego do modelo de
regressão logística. Para tanto, os autores utilizaram dados cadastrais de
mutuários de operações de crédito habitacional de uma grande instituição
financeira brasileira, tendo a pesquisa contemplado 37.521 mutuários com faixa
salarial entre R$300,00 e R$1.000,00 mensais. Foi verificado que a
probabilidade de inadimplência aumenta com a idade do tomador de empréstimo,
sendo maior para os mutuários masculinos, casados e para os de maior
escolaridade.
Estudos anteriores à implantação do PMCMV, realizados com
devedores dos contratos de financiamento habitacional, foram desenvolvidos por Lobler
et al (2000), Sehn
e Carlini Junior (2007) e Merigo
e Rockenbach (2004). Lobler
et al (2000) utilizaram como objeto de pesquisa a Caixa Econômica Federal
(CEF) por ser órgão de referência em termos de fomento a financiamentos
habitacionais. A população foram todos os mutuários inadimplentes com atraso
nas prestações superior a 60 dias, em Santa Maria (RS). Evidenciou-se que a
falta de conhecimento por parte do mutuário de algumas cláusulas básicas
relativas ao financiamento, a falta de eficiência de cobrança por parte da CEF
e a diminuição na renda foram os fatores causadores da inadimplência.
Sehn
e Carlini Junior (2007), com o objetivo compreender o grau de importância
dado pelos mutuários da CEF no que se refere à inadimplência habitacional,
aplicaram questionários a mutuários inadimplentes em Pernambuco. Os resultados
indicaram a perda de renda, descontrole financeiro, doença na família e
desemprego como fatores que mais causaram inadimplência. Muitos mutuários
tiveram perda de renda ou comprometeram um porcentual muito grande de sua
renda, dificultando os pagamentos atuais e futuros. Outra questão evidenciada
foi que, para os entrevistados, a saúde está em primeiro lugar nas suas
prioridades, em seguida vêm habitação e educação, assim, a habitação não está
entre as prioridades quando o orçamento diminui.
Contextualizando a política habitacional, também anterior ao
PMCMV, Merigo
e Rockenbach (2004) verificaram o motivo da inadimplência das famílias que
adquirem habitações por meio do poder público no município de Restinga Sêca
(RS). A partir das entrevistas realizadas, concluiu-se que os fatores
relevantes para a inadimplência foram baixa renda familiar, falta de
conscientização em relação ao Programa e desconhecimento da política habitacional
adotada pelo município.
Retomando a inadimplência no PMCMV, cita-se Brandão
(2014), vice-presidente de Habitação Econômica do Sindicato das Empresas de
Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de
São Paulo, o qual relata que o valor pago pelas famílias é baixo, tendo uma
relação de propriedade menos efetiva, o que pode tornar-se um motivo para uma menor
preocupação com o pagamento da habitação. No mesmo sentido, Lauro Gonzales,
coordenador do centro de estudos em micro finanças e inclusão financeira da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), em reportagem de
Cucolo (2015), relata que em um financiamento, quando é cobrada uma
prestação de valor muito inferior à capacidade de pagamento, ela acaba tendo
menor importância. Além disso, Gonzales afirma que o cenário econômico também
favorece a inadimplência, devido à perda de renda, em função do aumento do
desemprego e inflação.
Outro fator relevante é que ainda não foram retomados imóveis na
Faixa 1 pela inadimplência. Nas Faixas 2 e 3 já foram retomadas mais de cinco
mil moradias (Cucolo,
2015). Brandão
(2014) afirma que as condições acabam sendo demasiadamente favoráveis para
o não pagamento do parcelamento do imóvel e que seria importante uma
investigação mais precisa das condições financeiras das famílias. A Caixa
estuda maneiras de atuar para diminuir a inadimplência no programa e sugere que
possíveis mudanças incluam maior rigidez na seleção dos beneficiários, exigindo
pagamento de entrada e ações educacionais (Associação
Brasileira de Cohabs e Agentes Públicos de Habitação, 2016).
4 MÉTODO
4.1
Local de estudo e instrumento de pesquisa
Considerando a população de 1860 beneficiários da Faixa 1 do
MCMV na cidade de Santa Maria (RS), residentes nos condomínios Videiras, Dom
Ivo e Zilda Arns (segundo dados do Portal
Brasileiro de Dados Abertos, 2015), foi adotado o processo de amostragem,
que permite selecionar um número adequado de indivíduos de modo que se possam
fazer generalizações de forma confiável (Mattar,
2005).
Martins (2011) apresenta uma alternativa para a estimação de amostras, a
qual é apresentada na Equação 1.
Assim, considerando um nível de confiança de 95% e um erro
amostral de 8,0%, obteve-se uma amostra mínima de 148 casos. No entanto, a
amostra final foi ligeiramente superior a esse número e compreendeu 155
beneficiários. A amostra foi estratificada pelos condomínios existentes e em
cada condomínio foram escolhidas aleatoriamente as moradias a serem
entrevistados os responsáveis pelo financiamento através do programa. Como
instrumento de coleta, utilizou-se um questionário com 4 blocos de questões. No
primeiro bloco, foi investigado se o beneficiário tem/já teve ou não o
pagamento de prestações do financiamento habitacional atrasadas. No caso de
estar com prestações atrasadas ou já ter atrasado em algum momento, foi
perguntando o principal motivo.
O segundo bloco, denominado gerenciamento financeiro, refere-se
à gestão, decisões, práticas e experiências financeiras dos indivíduos. O
intuito desses questionamentos foi identificar como é a relação dos
beneficiários do PMCMV com os recursos monetários. Para tanto, elencou-se 10
questões: se os beneficiários possuem dívidas, dívidas em atraso, cartão de
crédito, carnês de lojas; se estão dentro do orçamento mensal; qual a situação
financeira que se encontram; se conseguem fazer controle dos gastos e conseguem
economizar. Questionou-se também se o indivíduo já teve o nome vinculado a
algum cadastro negativo de dívida e se empresta ou já emprestou o nome para
alguém realizar uma compra. A estruturação dessas questões se deu a partir da
adaptação de modelos já aplicados por Shockey
(2002), pelo Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Secretaria de Avaliação e Gestão da
Informação (2014) e por Flores
(2012).
O terceiro bloco buscou avaliar o nível de atitude ao
endividamento dos beneficiários, através da escala desenvolvida originalmente
por Lea,
Webley e Walker (1995), e validada no Brasil por Moura (2005), composta por
nove questões, as quais buscam identificar como os indivíduos se comportam com
o uso do dinheiro, como planejam suas aquisições, suas opiniões sobre o consumo
a prazo e a probabilidade de executarem tarefas que possam torná-los mais
propensos ao consumo, sendo a escala utilizada do tipo likert de cinco pontos.
Nesse sentido, se a pessoa respondesse um, representava ser menos propensa ao
endividamento; se marcasse cinco teria uma tendência maior de acumular níveis
elevados de dívida. Ressalta-se a existência de questões invertidas, as quais
passaram por uma reversão da escala para que ficassem com o mesmo processo
interpretativo que as demais alternativas.
Por fim, foram elencadas questões referentes ao perfil dos
respondentes, as quais visam caracterizar os indivíduos entrevistados. As
variáveis inerentes a esse bloco são: idade, gênero, estado civil, número de
dependentes, nível de escolaridade e qual o total da renda mensal familiar.
Para a realização da coleta de dados, foram capacitados 5 pesquisadores que
aplicaram o instrumento ao longo dos meses de abril e maio de 2016. Os
questionários foram aplicados face a face com os entrevistados, através de visitas
domiciliares.
4.2 Procedimentos Analíticos
Para a análise dos dados utilizou-se estatísticas descritivas,
teste de diferença de média, análise de confiabilidade e testes de hipóteses de
associação entre variáveis. Para as análises, foi criada uma variável binária
com valor zero (0) para indivíduos classificados como adimplentes no PMCMV e
valor um (1) para indivíduos inadimplentes no mesmo programa. As variáveis
socioeconômicas selecionadas com base no referencial teórico são apresentadas
no Quadro
01.
Bloco |
Variável |
Dummy ou Rótulo |
Socioeconômico |
Gênero |
Masculino (0); Feminino (1). |
Estado Civil |
Casado (0); Solteiro/viúvo/separado (1). |
|
Dependentes |
Não possui dependente (0); Possui dependente (1). |
|
Idade |
Até 31 anos (1); De 32 a 41 anos (2); De 42 a 55 anos (3); Acima
de 55 anos (4). |
|
Escolaridade |
Nunca estudei, Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, Ensino
Fundamental de 5ª a 9ª série e Ensino Médio (1); Curso Técnico, Faculdade
(Ensino Superior), Especialização ou MBA e mestrado/doutorado/ pós-doutorado
(2); |
|
Renda mensal familiar |
Até R$ 980,00 (1); Entre R$ 980,01 e R$ 1.400,00 (2); Entre R$
1.400,01 e R$ 2.000,00 (3); Acima de R$ 2.000,00 (4). |
|
Gerenciamento Financeiro |
Dívidas |
Não possui dívidas (0); Possui dívidas (1). |
Dívidas em atraso |
Não possui dívidas em atraso (0); Possui dívidas em atraso
(1). |
|
Possuir Cartão de Crédito |
Não possui cartão de crédito (0); Possui cartão de crédito
(1). |
|
Possuir Carnê de Crediário |
Não possui carnê de crediário (0); Possui carnê de crediário
(1). |
|
Gastos |
Gasta menos ou igual ao que ganha (0); Gasta mais que ganha
(1). |
|
Situação do Dinheiro |
Pagam todas as contas mensais (0); Geralmente não conseguem
pagar todas as contas mensais (1). |
|
Controle dos Gastos |
Mantém algum controle sobre os gastos (0); Não controla os
gastos(1). |
|
Poupança |
Já fez no passado ou está fazendo(0); Nunca fez (1). |
|
Nome ligado ao Cadastro Negativo |
Nunca teve o nome ligado ao cadastro negativo (0); Já teve ou
está com o nome ligado ao cadastro negativo (1). |
|
Empréstimo do nome |
Nunca emprestou o nome para alguém realizar alguma compra (0);
Já emprestou ou está emprestando (1). |
Fonte: Elaborada pelas
autoras.
Inicialmente realizou-se uma análise descritiva do percentual de
adimplentes e inadimplentes do Programa e, descrito o perfil, o gerenciamento
financeiro e a atitude ao endividamento dos entrevistados segundo os dois
grupos. Apresentou-se ainda a média em cada variável pertencente à atitude ao
endividamento para ambos os grupos e, a fim de verificar se existem diferenças
de atitude ao endividamento entre os adimplentes e inadimplentes, foi realizado
o teste de diferença de média, Teste t de Student, o qual compara a média de
uma variável em um grupo com a média da mesma variável em outro grupo.
Ressalta-se que, para avaliar o nível de confiabilidade da atitude ao
endividamento , utilizou-se o Alfa de Cronbach, o qual verifica a consistência
interna de uma escala agregada com base na correlação média entre os pares de
indicadores. Índices de confiabilidade superiores a 0,7 têm sido considerados satisfatórios
para pesquisas em geral. Já para pesquisas de natureza exploratória, valores
superiores a 0,6 têm sido considerados aceitáveis (HAIR et al, 2010).
Posteriormente, foi analisada a associação entre as variáveis
socioeconômicas e de gerenciamento financeiro com a adimplência e inadimplência
no PMCMV. Para tanto, foi construída uma tabela de contingência das variáveis
adimplência e inadimplência no PMCMV para cada valor das variáveis explicativas
com escala nominal ou ordinal. Além disso, calculou-se a medida de associação
Qui-Quadrado de Pearson entre cada par: variável explicativa x adimplência e
inadimplência no PMCMV. A hipótese nula do teste é de que as variáveis são
independentes e a hipótese alternativa é que existe relação entre as variáveis.
Se as diferenças entre os valores observados não são estatisticamente
diferentes (sig > 0,05), as variáveis são independentes, caso contrário,
rejeita-se a hipótese nula de independência. Contudo, o teste do Qui-Quadrado
apenas informa sobre a independência entre as variáveis, mas nada diz sobre o
grau de associação existente (Pestana
& Gageiro, 2008).
A fim de medir o grau de associação entre as variáveis, foram
apresentadas medidas de associação baseadas nas estatísticas do Qui-Quadrado,
sendo estas Fi e o V de Cramer, medidas do grau de associação entre duas
variáveis categóricas. O Fi é utilizado com tabelas de contigência 2x2 (tabelas
que possuem variáveis categóricas e cada variável tem somente duas categorias).
O V de Cramer é mais adequado se uma das duas variáveis categóricas apresenta
mais de duas categorias (Field, 2009). As medidas de associação normalmente
variam entre zero e um, isto é, desde ausência da relação até a relação
perfeita entre as variáveis. Os valores baixos indicam uma pequena associação
entre variáveis, enquanto que os valores elevados indicam uma grande associação
entre as variáveis (Pestana
& Gageiro, 2008).
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
5.1
Perfil dos entrevistados e principais razões da inadimplência
Em relação ao perfil dos entrevistados, segundo as variáveis
socioeconômicas, verificou-se que, entre os adimplentes no PMCMV, 78,57% são
mulheres, com 42 anos ou mais (68,57%), casadas (51,43%), que possuem
dependentes (62,86%), com escolaridade entre Ensino Fundamental e Ensino Médio
(86,76%) e rendas heterogêneas, sendo que 80% possui renda familiar de até
R$2.000,00 mensais. Quanto aos inadimplentes, observou-se que a maioria é
mulher (88,24%), com até 41 anos (68,24%), casadas (51,76%) ou solteiras (31,76%),
que possuem dependentes (79,01%), com escolaridade entre Ensino Fundamental e
Ensino Médio (96,43%), sendo a maioria (51,76%) com renda familiar mensal de
até R$1.400,00. Na Tabela 1 é apresentada a estatística descritiva dos
adimplentes e inadimplentes no PMCMV, e referente aos inadimplentes, o
principal motivo que os levou a atrasar o pagamento das parcelas.
Variável |
Alternativas |
Percentual |
Percentual Acumulado |
Você teve ou tem prestações da casa atrasadas? |
Não, nunca teve. |
45,16 |
45,16 |
Não tem no momento, mas já teve no passado. |
34,84 |
80,00 |
|
Sim, está com prestações em atraso. |
20,00 |
100,00 |
|
Se você já teve ou tem prestações do PMCMV em atraso, qual foi
(é) o motivo principal? |
Usou o dinheiro em despesas inesperadas (exemplo: doença,
desemprego). |
38,37 |
38,37 |
Outro. |
25,58 |
63,95 |
|
Optou por pagar outras contas maiores e mais urgentes. |
17,44 |
81,39 |
|
Não sobrou dinheiro. |
13,96 |
95,35 |
|
Não se preocupou em pagar, pois acredita que não vai perder a
casa se não quitar a prestação. |
4,65 |
100,00 |
A maioria dos entrevistados (54,84%) já teve no passado ou está
com prestações da casa atrasadas. O percentual de indivíduos com prestações em
atraso no momento da pesquisa foi de 20%. Ao serem questionados sobre o
principal motivo para o não pagamento das prestações, 38,37% dos entrevistados
afirmaram que o dinheiro foi utilizado em despesas inesperadas, em função de
doença ou desemprego e 25,58%, que o motivo foi outro, onde foi destacado o
atraso no envio do boleto de pagamento, esquecimento e ainda falecimento de
algum familiar. Esses resultados ratificam o que foi encontrado por Lobler
et al (2000) e Sehn
e Carlini Junior (2007) ao pesquisarem a inadimplência em financiamentos
habitacionais anteriores ao PMCMV, em Santa Maria (RS) e em cidades do estado
de Pernambuco (PE), respectivamente, o que evidencia a falta de eficiência de
cobrança por parte da CEF, a diminuição na renda, descontrole financeiro,
doença na família e desemprego como fatores que causam a inadimplência.
Salienta-se também que o agravamento da crise se tornou um fator
relevante para o não pagamento das prestações, dado que aumentou o nível de
desemprego e diminuiu a renda de muitas famílias brasileiras. Esses resultados
vão ao encontro do que é descrito por Lauro Gonzales, que afirma que o cenário
econômico também favorece a inadimplência no PMCMV, devido à perda de renda, em
função do aumento do desemprego e inflação.
Linardi (2008) e Silva
et al (2012) também elencam como algumas das causas do endividamento e
inadimplência em diferentes setores da economia o desemprego e inflação. Quanto
ao atraso por acreditar que não perderá a casa se não quitar a prestação, o
qual foi destacado por
Cucolo (2015) e a Associação
Brasileira de Cohabs e Agentes Públicos de Habitação (2016) como um dos
motivos pelo alto percentual de inadimplentes na Faixa 1, o percentual foi
pequeno (4,65%), demonstrando que este não é um dos principais motivos pelo
atraso no pagamento, na perspectiva dos respondentes desta pesquisa.
5.2
Práticas de gerenciamento financeiro utilizadas e a percepção da atitude ao
endividamento
Analisando características pertinentes ao gerenciamento
financeiro dos indivíduos adimplentes no PMCMV, tem-se que menos da metade não
possui dívidas (42,86%) e entre os que possuem, 45,71% afirmaram que devem em
lojas de crediário próprio e 27,14%, em algum banco ou financeira. Contudo, a
maioria relatou que não possui dívidas em atraso (78,57%). Referente a possuir
ou não cartão de crédito e carnê de crediário, 44,29% relatou não possuir
nenhum. Com relação aos gastos, 75,72% dos adimplentes gastam menos ou igual ao
que ganham e 24,29% gastam mais do que ganham. Tratando-se da situação do
dinheiro que a família ganha a cada mês, 90% afirmaram conseguir pagar as
despesas mensais, contudo, 31,43% salientam que periodicamente sobra pouco para
comprar coisas extras e 38,57%, que não conseguem comprar coisas extras.
Quanto ao controle dos gastos, 91,43% dos adimplentes afirmam
manter pelo menos um pequeno controle sobre os gastos, contudo, apenas 20%
utilizam anotações por escrito. Referente à poupança, 47,14% relatam nunca ter
feito poupança e 31,43% tem poupança em dinheiro no banco. Perguntados se têm
ou tiveram seu nome ligado ao cadastro negativo, 34,29% afirmam nunca ter tido
o nome “sujo na praça” e 41,43% já teve no passado. Ainda, 50% nunca emprestou
o nome para outra pessoa realizar compras, enquanto 42,86% estão emprestando.
Consegue-se verificar assim uma relação entre esses resultados e
o que já foi evidenciado na literatura, como ações positivas para um bom
gerenciamento financeiro. Foi visto que a maioria dos indivíduos adimplentes
não possuem dívidas em atraso e gastam menos ou igual ao que ganham,
ratificando o estudo de Campara
(2016) que observou que é necessário equidade entre receitas e despesas,
tendo as famílias que analisar quais suas fontes de renda e suas prioridades.
Em relação ao controle financeiro,
Braido (2014) destaca que este é um grande aliado na busca por uma gestão
coerente dos recursos e foi visto que, entre os adimplentes, 91,43% afirmam
manter pelo menos um pequeno controle sobre os gastos. Quanto ao ato de poupar,
destacado por Canova,
Rattazzi e Webley (2005) como muito importante no gerenciamento financeiro,
a maioria dos adimplentes já fez ou está fazendo poupança.
Traçando o perfil dos inadimplentes no PMCMV, apenas 27,06% não
têm outras dívidas além do financiamento da casa e 42,35% não têm dívidas em
atraso, sendo que, quanto às dívidas em atraso, 32,94% as possuem com lojas de
crediário próprio e 24,71%, com banco ou financeira. A maioria não possui
cartão de crédito (58,82%), já quanto a carnês de crediário, 52,43% afirmou que
ele mesmo e/ou outra pessoa moradora da casa possui. Quanto aos gastos, 53,57%
dos inadimplentes gasta menos ou igual ao que ganha e 46,43% gasta mais que
ganha. Tratando-se da situação do dinheiro que a família ganha a cada mês,
38,10% afirmaram não conseguir pagar todas as despesas mensais e 29,76% pagam
as despesas, mas não conseguem comprar coisas extras. Menos de 10% geralmente
tem mais do que precisam e conseguem economizar ou comprar coisas extras.
Em relação ao controle dos gastos, 87,05% afirmam manter pelo
menos um pequeno controle sobre os gastos e 32,94% utilizam anotações por
escrito. Referente à poupança, 58,82% nunca fizeram poupança, e 22,35% não
estão fazendo, mas já fizeram algum dia. Apenas 8,24% nunca tiveram seu nome
ligado ao cadastro negativo e 60,00% estão com o “nome sujo” atualmente. A
maioria (58,82%) já emprestou ou está emprestando o nome para outra pessoa
realizar alguma compra. Dentre esses resultados, destacam-se alguns fatos, como
os inadimplentes possuírem bem mais dívidas e dívidas em atraso que os
adimplentes, sendo a maioria dessas dívidas com lojas ou bancos, ou de ordem
financeira. Mostrou-se ainda que um maior percentual de inadimplentes em
relação aos adimplentes não possui cartão de crédito e carnê de loja e ainda, o
percentual de inadimplentes que gasta mais do que ganha é 22,14% maior do que o
de adimplentes e os que não conseguem pagar todas as despesas mensais é 28, 10%
maior.
Observou-se ainda que o percentual de inadimplentes que nunca
fez poupança é 11,68% maior que os adimplentes. Outro destaque é que apenas
8,24% dos inadimplentes nunca tiveram o nome ligado ao cadastro negativo,
percentual 26,05% menor que o de adimplentes. Ademais, o percentual de
inadimplentes com “nome sujo” atualmente é mais que o dobro do de adimplentes.
Verifica-se com esses resultados que os indivíduos inadimplentes no PMCMV atrasam
não só o pagamento das prestações da casa, mas também outras dívidas, e muitos
deles têm o nome ligado ao Cadastro Negativo, o que explica o fato de não terem
cartão de crédito e carnê de loja. Evidenciou-se que os beneficiários
inadimplentes tendem a ter comportamentos financeiros mais inadequados que os
adimplentes, como o hábito de terem mais dívidas, gastarem mais do que ganham,
controlar menos os gastos e poupar menos, além de emprestar o nome para outras
pessoas realizarem compras.
Essas características de gerenciamento financeiro corroboram com
o que foi descrito pelo Banco Central do Brasil (2014) como principais causas
do endividamento excessivo e inadimplência. Destacando a falta de planejamento
financeiro, levando a ocorrências de excesso de parcelamento de compras e uso
de linhas de crédito impulsivamente, além de empréstimo do nome. Torna-se claro
que a situação financeira dos inadimplentes passa por mais problemas do que a
dos adimplentes, seja pela falta de recursos, por desemprego, pela falta de
organização e, como foi visto, por práticas de gerenciamento financeiro menos
adequadas. Com o intuito de se aprofundar nas questões relativas ao
comportamento dos beneficiários foi analisada a atitude ao endividamento dos
respondentes (Tabelas
2 e
3). Constata-se que as nove questões apresentadas na Tabela 02 compõem o
construto Atitude ao Endividamento, o qual apresentou Alfa de Cronbach de 0,6,
o que demonstra sua confiabilidade.
Variáveis |
Percentuais |
|||||||||
Discordo totalmente |
Discordo |
Indiferente |
Concordo |
Concordo Totalmente |
||||||
Adim |
Inad |
Adim |
Inad |
Adim |
Inad |
Adim |
Inad |
Adim |
Inad |
|
Para você, é normal as pessoas ficarem endividadas para pagar
suas contas. |
34,78 |
19,28 |
34,78 |
27,71 |
1,45 |
1,20 |
24,64 |
31,33 |
4,35 |
20,48 |
Não é certo gastar mais do que você ganha. |
5,97 |
2,47 |
1,49 |
1,23 |
0,00 |
0,00 |
26,87 |
22,22 |
65,67 |
74,07 |
As pessoas ficariam desapontadas contigo se soubessem que você
tem dívida. |
5,80 |
21,43 |
17,39 |
15,48 |
27,54 |
21,43 |
23,19 |
23,81 |
26,09 |
17,86 |
Você prefere comprar parcelado do que esperar ter dinheiro
para comprar à vista. |
39,13 |
26,19 |
26,09 |
27,38 |
1,45 |
1,19 |
27,54 |
34,52 |
5,80 |
10,71 |
Você prefere pagar parcelado mesmo que no total saia mais
caro. |
43,48 |
33,33 |
36,23 |
29,76 |
2,90 |
1,19 |
15,94 |
27,38 |
1,45 |
8,33 |
É melhor primeiro juntar dinheiro e só depois gastar. |
4,35 |
12,20 |
7,25 |
12,20 |
2,90 |
2,44 |
43,48 |
34,15 |
42,03 |
39,02 |
Não tem problema ter dívida se você sabe que pode pagar. |
2,90 |
9,52 |
14,49 |
13,10 |
0,00 |
1,19 |
65,22 |
46,43 |
17,39 |
29,76 |
Você sabe exatamente quanto deve em lojas, cartão de crédito
ou banco. |
4,35 |
16,67 |
17,39 |
15,48 |
4,35 |
2,38 |
33,33 |
29,76 |
40,58 |
35,71 |
É importante saber controlar os gastos da sua casa. |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
35,71 |
29,27 |
64,29 |
70,73 |
Variáveis |
Média |
Teste T |
|||
Adimplentes |
Inadimplentes |
Valor |
Sig. |
Diferença de Média |
|
Para você, é normal as pessoas ficarem endividadas para pagar
suas contas. |
2,29 |
3,06 |
-3,42 |
0,00*** |
0,77 |
Não é certo gastar mais do que você ganha. * |
1,55 |
1,36 |
1,30 |
0,20 |
0,19 (NS) |
As pessoas ficariam desapontadas contigo se soubessem que você
tem dívida.* |
2,54 |
2,99 |
-2,10 |
0,04** |
0,45 |
Você prefere comprar parcelado do que esperar ter dinheiro
para comprar à vista. |
2,35 |
2,76 |
-1,80 |
0,07* |
0,41 |
Você prefere pagar parcelado mesmo que no total saia mais
caro. |
1,96 |
2,48 |
-2,54 |
0,01*** |
0,52 |
É melhor primeiro juntar dinheiro e só depois gastar.* |
1,88 |
2,24 |
-1,79 |
0,08* |
0,36 |
Não tem problema ter dívida se você sabe que pode pagar. |
3,80 |
3,74 |
0,32 |
0,75 |
0,06(NS) |
Você sabe exatamente quanto deve em lojas, cartão de crédito
ou banco.* |
2,12 |
2,48 |
-1,62 |
0,11 |
0,36(NS) |
É importante saber controlar os gastos da sua casa.* |
1,36 |
1,29 |
0,84 |
0,40 |
0,06(NS) |
Média Atitude ao Endividamento |
2,21 |
2,50 |
-3,22 |
0,00*** |
0,29 |
I Variável invertida. ***Significância ao nível de 1%.
**Significância ao nível de 5%. *Significância ao nível de 10%. (NS) Não
significativa
Para análise da média de cada dimensão e média geral, as
variáveis invertidas passaram pela reversão da escala para que ficassem com o
mesmo processo interpretativo que as demais alternativas, que indica que,
quanto mais próximo de 5, maior atitude ao endividamento.
Verificou-se que a média das variáveis de atitude ao
endividamento foi de 2,21 e 2,50 para o adimplentes e inadimplentes,
respectivamente, mostrando que a amostra não tem uma elevada probabilidade de
endividar-se, mas que deve atentar-se para elevados níveis de desembolso que
possam comprometer sua vida financeira. Em relação aos inadimplentes, estes
obtiveram médias estatisticamente significantes superiores de atitude ao
endividamento, o que destaca que os beneficiários inadimplentes possuem maior
atitude ao endividamento que os adimplentes.
Ressalta-se que as maiores diferenças de média de atitude ao
endividamento ocorreram nas variáveis “para você é normal as pessoas ficarem
endividadas para pagar suas contas”, “você prefere comprar parcelado mesmo que
no total saia mais caro” e “as pessoas ficariam desapontadas contigo se
soubessem que você tem dívida”. Observa-se que as duas primeiras se referem a
parcelamentos, que em muitos casos são realizados com grande facilidade, em
momentos de impulso, sem serem contabilizados a todas as outras despesas
mensais e acabam levando, assim, a situações de endividamento excessivo. A
terceira questão, referente ao desapontamento das pessoas, principalmente
familiares, em situações de dívidas, acaba sendo uma consequência das duas
primeiras, e é um sinal de que há preocupação com a situação financeira
familiar.
As questões que também apresentaram diferenças de média
significativas entre os adimplentes e inadimplentes, sendo que os inadimplentes
apresentaram maior atitude ao endividamento, porém em menor magnitude, foram
“você prefere comprar parcelado do que esperar ter dinheiro para comprar à
vista” e “é melhor primeiro juntar dinheiro e só depois gastar”. Ressalta-se
que essas questões envolvem preferências no tempo, e aquelas pessoas que têm
maior pressa para obter determinado bem acabam optando por fazer a compra e, em
seguida, realizar os pagamentos, através de cartão de crédito, financiamentos
ou carnês mensais. Essas questões tornam-se não prejudiciais ao orçamento
quando os parcelamentos são pagos sem atrasos e contabilizados adequadamente
nas despesas mensais. Diante disso, podem não apresentar grande diferença de
médias entre os adimplentes e inadimplentes.
As afirmações “não é certo gastar mais do que você ganha”, “não
tem problema ter dívida se você sabe que pode pagar”, “você sabe exatamente
quanto deve em lojas, cartão de crédito ou banco” e “é importante saber
controlar os gastos da sua casa” não apresentaram diferença de média
significativa entre os adimplentes e inadimplentes. A grande maioria concorda
com as questões “não é certo gastar mais do que você ganha” e “é importante
saber controlar os gastos da sua casa”. Quanto ao saber exatamente quanto deve
em lojas, cartão de crédito ou banco, a maioria dos entrevistados concordaram
ou concordaram totalmente, porém o percentual foi menor. Entende-se assim que
eles têm noção da importância da equidade entre receitas e despesas e do
controle financeiro, porém a dificuldade é colocar isso em prática no dia-a-dia,
com pensamento no futuro e imprevistos que podem surgir.
De maneira geral, percebe-se que os inadimplentes tendem a
apresentar atitudes ao endividamento mais inadequadas, principalmente ao
acharem que é normal as pessoas ficarem endividadas para pagarem suas contas,
comprar parcelado, mesmo que no total saia mais caro, e acreditarem menos que é
melhor primeiro juntar dinheiro e só depois gastar. Esses resultados salientam
o que já foi comentado por Frade
et al (2008) e Gathergood
(2012), que a busca incessante para satisfazer necessidades e desejos, além
da facilidade de acesso ao crédito, faz com que os indivíduos acabem gastando
além dos seus recursos, fazendo com que se tornem mais propensos ao
endividamento e inadimplência. Outros fatores foram elencados pela Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC (2015) como
causadores de dívidas das famílias: o uso do cartão de crédito, cheque especial
ou pré-datado, crédito consignado ou crédito pessoal, carnês e financiamento de
carro. As prestações acumulam e ultrapassam a capacidade de pagamento.
Referente a não ter problema em contrair uma dívida se o
beneficiário sabe que pode pagar, para ambos os grupos, a média foi maior que
3,7, demonstrando que os usuários não se atentam para o fato de que podem
ocorrer despesas inesperadas, evidenciando maior atitude ao endividamento nessa
questão. O Banco Central do Brasil (2014) adverte que as principais causas do
endividamento excessivo e inadimplência são a perda de emprego e renda, doença
própria e/ou de familiares, morte do responsável pela maior parte da renda
familiar, gravidez não programada, separação conjugal, fatos considerados
inesperados, demonstrando que deve-se pensar em tais situações e precaver-se.
Ambos os grupos investigados têm noção de que não é certo gastar mais do que se
ganha e que é importante saber controlar os gastos da casa, demonstrando uma
boa atitude ao endividamento nessas questões.
5.3
Associação entre as variáveis socioeconômicas e de gerenciamento financeiro com
a inadimplência no PMCMV
Para uma análise preliminar da associação entre as variáveis
socioeconômicas e de gerenciamento financeiro com a inadimplência no PMCMV,
apresenta-se, na Tabela
4, a distribuição do percentual de frequência da variável inadimplência no
PMCMV para cada valor das variáveis explicativas com escala nominal ou ordinal.
Além disso, na última coluna dessa tabela, reporta-se a medida de associação
qui-quadrado de Pearson (valor p entre colchetes) entre cada par: variável
explicativa x adimplência e inadimplência no PMCMV. É importante mencionar que
se trata de uma análise bivariada e que, portanto, a medida de associação entre
cada par de variáveis não leva em conta as variações nas demais variáveis
explicativas.
Tabela 4- Adimplência
e inadimplência no PMCMV x variáveis explicativas
Variável |
Valores |
Adimplente |
Inadimplente |
Qui2Pearson |
% |
% |
[Valor p] |
||
Gênero |
Homem |
60,00 |
40,00 |
2,650 [0,104] |
Mulher |
42,30 |
57,76 |
||
Idade |
Até 31 anos |
22,000 |
78,00 |
24,79 [0,000] |
De 32 a 41 anos |
33,30 |
66,70 |
||
De 42 a 55 anos |
54,10 |
45,90 |
||
Acima de 55 anos |
73,70 |
26,30 |
||
Estado Civil |
Casado(a) |
45,00 |
55,00 |
9,07 [0,028] |
Solteiro(a) |
34,10 |
65,90 |
||
Viúvo(a) |
83,30 |
16,70 |
||
Separado(a) |
45,50 |
54,50 |
||
Possui dependentes |
Não |
60,50 |
39,50 |
4,81 [0,028] |
Sim |
40,70 |
59,30 |
||
Renda |
Até R$980,00 |
51,30 |
48,70 |
2,07 [0,557] |
De R$1.980,01 a R$1.400,00 |
35,90 |
64,10 |
||
De R$1.400,01 a R$2.000,00 |
47,80 |
52,20 |
||
Acima de R$2.000,00 |
45,20 |
54,80 |
||
Dívidas. |
Não possui dívidas. |
56,60 |
43,40 |
4,26 |
Possui dívidas |
39,20 |
60,80 |
[0,039] |
|
Dívidas em atraso. |
Não possui dívidas em atraso. |
60,40 |
39,60 |
20,77 [0,000] |
Possui dívidas em atraso |
23,40 |
76,60 |
||
Possuir cartão de crédito. |
Não. |
38,30 |
61,70 |
3,25 [0,071] |
Sim. |
52,70 |
47,30 |
||
Possui carnê de crediário. |
Não |
42,50 |
57,50 |
0,41 [0,525] |
Sim. |
47,60 |
52,40 |
||
Gastos. |
Gasta menos ou igual ao que ganha. |
54,10 |
45,90 |
8,09 [0,004] |
Gasta mais que ganha. |
30,40 |
69,60 |
||
Situação do dinheiro. |
Geralmente, pagam todas as contas mensais. |
54,80 |
45,20 |
15,94 [0,000] |
Geralmente, não conseguem pagar todas as contas mensais. |
17,90 |
82,10 |
||
Controla dos gastos. |
Mantém controle sobre seus gastos. |
46,40 |
53,60 |
0,75 [0,386] |
Não costuma controlar seus gastos. |
35,30 |
64,70 |
||
Poupança. |
Já fez ou está fazendo. |
51,40 |
48,60 |
2,11 [0,147] |
Não, nunca fez. |
39,80 |
60,20 |
||
Nome ligado ao cadastro negativo. |
Não. |
77,40 |
22,60 |
16,28 [0,000] |
Sim. |
37,10 |
62,90 |
||
Empréstimo do nome. |
Não. |
50,00 |
50,00 |
1,21 [0,272] |
Sim. |
41,20 |
58,80 |
A partir da medida de associação apresentada, pode-se observar
que há uma relação de dependência estatisticamente significativa ao nível de 5%
entre a inadimplência no PMCMV e as seguintes variáveis: idade, estado civil,
possui dependentes, dívidas, dívidas em atraso, gastos e nome ligado ao
cadastro negativo. Entre os indivíduos solteiros, há uma maior proporção de
indivíduos inadimplentes no PMCMV (65,9%) do que entre os casados (55%),
separados (54,5%) e viúvos (16,7%). Esses resultados contrariam a pesquisa de Locatelli
et al (2015), o qual identificou que a inadimplência no PMCMV é maior para
os mutuários casados.
Todavia, corroboram com os resultados de Gathergood
(2012) e Vieira, Flores e Campara
(2015), os quais observaram que os indivíduos solteiros possuem maior
propensão ao endividamento e possuem maiores níveis de sobre-endividamento.
Entre os indivíduos com até 31 anos e de 32 a 41 anos, há uma proporção
maior de indivíduos inadimplentes (78% e 66,7%, respectivamente) do que entre
os indivíduos de 42 a 55 anos e acima de 55 anos (45,9% e 26,30%,
respectivamente), ou seja, a proporção de indivíduos com alto nível de
inadimplência no PMCMV decresce com o aumento da idade, indo de encontro aos
resultados de Locatelli et al. (2015) e ratificando estudos anteriores, como os
de Ponchio
(2006) e
Vieira, Flores e Campara (2015), os quais observaram que os indivíduos mais
velhos tendem a possuir menores níveis de endividamento. No mesmo sentido, Worthy,
Jonkman e Blinn-Pike (2010) destacam que jovens de 18 a 25 anos são mais
predispostos a assumir riscos maiores e apresentar menor estabilidade
financeira, o que pode explicar a maior vulnerabilidade à dívida.
Entre os indivíduos com dependentes há uma proporção maior com a
inadimplência (59,3%) do que entre os indivíduos sem dependentes (39,5%),
resultado em linha com estudos de Keese
(2012), Silva
(2011),
Godwin (1990) e Lea,
Webley e Walker (1995), os quais evidenciam que as famílias com maior
número de filhos e dependentes, principalmente crianças, contraem maiores
níveis de endividamento, em decorrência do aumento de gastos com situações
imprevisíveis como doenças. Entre os indivíduos que possuem dívidas há uma
proporção maior com alto nível de inadimplência (60,8%) do que entre os
indivíduos que não possuem dívidas (43,4%). Entre os indivíduos que possuem
dívidas em atraso há uma proporção maior com alto nível de inadimplência
(76,6%) do que entre os indivíduos que não possuem dívidas em atraso (39,6%).
Esses resultados são consistes com os estudos de Frade
et al (2008) e Marques
eFrade
(2004).
Entre os indivíduos que gastam mais do que ganham há uma
proporção maior com alto nível de inadimplência (69,6%) do que entre os
indivíduos que gastam menos ou igual ao que ganham (45,9%), em função de que,
ao possuírem mais despesas do que receitas, consequentemente não iriam
conseguir arcar com o pagamento de todas as dívidas, inclusive a da prestação
da casa. Entre os indivíduos que geralmente não conseguem pagar todas as
despesas mensais há uma proporção maior com alto nível de inadimplência (82,1%)
do que entre os indivíduos que geralmente pagam todas as despesas mensais
(45,2%). Entre os indivíduos que tem ou já tiveram o nome ligado ao cadastro
negativo, há uma proporção maior com alto nível de inadimplência (62,9%) do que
entre os indivíduos que nunca tiveram (22,6%). Esses achados vão ao encontro do
que Sehn
e Carlini Junior (2007) observaram em sua pesquisa sobre inadimplência em
financiamento habitacional, que muitos mutuários comprometem um percentual
muito grande de sua renda com o parcelamento da residência, dificultando os
pagamentos atuais e futuros, além de a habitação não estar entre as prioridades
de quitação quando o orçamento diminui.
Por fim, com o intuito de verificar o grau dessas associações,
foram realizados os testes estatísticos Fi, V de Cramer e Coeficiente de
Contigência (Tabela
5), onde, para variáveis com mais de duas categorias, deve-se analisar o V
de Cramer e, quando tem apenas duas, o Fi. Para os casos de variáveis com mais
de duas categorias e que o Fi seja maior que um, usa-se o Coeficiente de
Contigência.
Variáveis |
Fi |
V de Cramer |
||
Valor |
Sig. |
Valor |
Sig. |
|
Idade |
0,400 |
0,000 |
0,400 |
0,000 |
Estado Civil |
0,242 |
0,028 |
0,242 |
0,028 |
Possui dependentes |
0,179 |
0,028 |
0,179 |
0,028 |
Dívidas |
0,166 |
0,039 |
0,166 |
0,039 |
Dívidas em atraso |
0,366 |
0,000 |
0,366 |
0,000 |
Gastos |
0,229 |
0,004 |
0,229 |
0,004 |
Situação do dinheiro |
0,322 |
0,000 |
0,322 |
0,000 |
Nome ligado ao cadastro negativo |
0,324 |
0,000 |
0,324 |
0,000 |
Para as variáveis idade e estado civil, por possuírem mais de
duas categorias, analisou-se o V de Cramer, o qual mostrou-se significativo ao
nível de 5% para ambas, com relação positiva em relação à inadimplência no
PMCMV. Para as variáveis referentes a presença de dependentes, dívidas, dívidas
em atraso, gastos, situação do dinheiro e nome ligado ao cadastro negativo,
utilizou-se a estatística Fi, dado que possuem apenas duas categorias. Todas
elas mostraram-se também significativas ao nível de 5% e com relação positiva
com a inadimplência no PMCMV.
As variáveis que apresentaram maior grau de associação,
considerada média, foram as relativas a idade, onde quanto mais novos os
indivíduos, maior a inadimplência no PMCMV (0,400), dívidas em atraso (0,366),
nome ligado ao cadastro negativo (0,324), situação do dinheiro, em que
geralmente não são pagas todas as despesas mensais (0,322) e estado civil, em
que os solteiros são mais propensos a maiores níveis de inadimplência no PMCMV
(0,242). Já as que apresentaram menor grau de associação foram as variáveis
ligadas à contração de dívidas (0,166), à presença de dependentes (0,179) e à
presença de gastos, quando os indivíduos gastam mais do que ganham (0,229).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A moradia é uma necessidade básica de todos os indivíduos e o
PMCMV tem colaborado nessa questão, tornando possível que pessoas com pouca ou
nenhuma possibilidade tenham acesso a esse bem tão importante. Contudo, o
problema da inadimplência vem aumentando na Faixa 1, dado que os percentuais de
inadimplência nos anos de 2014, 2015 e 2016, tendo o mês de maio como
referência, estavam em 16,8%, 22,2% e 26,55% respectivamente (CGU,
2016). Assim, verificar as razões para o aumento da inadimplência, analisar
as práticas de gerenciamento financeiro e identificar o grau de associação
entre a inadimplência no PMCMV e variáveis socioeconômicas e de gerenciamento
financeiro, auxiliou no cumprimento do objetivo do estudo que foi fazer um
retrato dos inadimplentes do PMCMV.
Verificou-se que o percentual de inadimplência na Faixa 1,
divulgado pelo Ministério das Cidades, é muito parecido com o que foi
encontrado na pesquisa para a cidade de Santa Maria (RS). Quanto aos motivos
que levam ao atraso das prestações, destacou-se o uso do dinheiro que seria
para o pagamento da prestação em despesas inesperadas, devido a problemas com
doenças e/ou desemprego e motivos como o atraso do envio dos boletos, em que
diversos entrevistados relataram que os mesmos não chegam até a data do
vencimento em suas residências e que eles têm que se deslocar até uma agência
da CEF para pegá-lo. Em relação ao perfil dos inadimplentes, observou-se que a
maioria é mulher, com até 41 anos, casadas ou solteiras, que possuem
dependentes, com escolaridade entre Ensino Fundamental e Ensino Médio, sendo a
maioria com renda familiar mensal de até R$1.400,00.
Quanto às características de gerenciamento financeiro dos inadimplentes,
a maioria possui outras dívidas além do financiamento do PMCMV e dívidas em
atraso, gasta menos ou igual ao que ganha, contudo, muitos gastam mais que do
ganham. Referente à poupança, a maior parte dos entrevistados nunca conseguiu
fazer e o percentual de indivíduos que têm o nome ligado ao cadastro negativo
mostrou-se bastante expressivo. Percebe-se que os inadimplentes no PMCMV tendem
a ter piores atitudes ao endividamento, principalmente ao acharem que é normal
as pessoas ficarem endividadas para pagarem suas contas, comprar parcelado,
mesmo que no total saia mais caro, e acreditarem menos que é melhor primeiro
juntar dinheiro e só depois gastar.
A partir da medida de associação apresentada, pode-se observar
que os indivíduos solteiros, com até 41 anos, que possuem dependentes, com
dívidas e com dívidas em atraso, que gastam mais do que ganham, que geralmente
não conseguem pagar todas as despesas mensais e que têm ou já tiveram o nome
ligado ao cadastro negativo apresentam maior tendência a tornarem-se
inadimplentes no PMCMV (Faixa 1).
Tais conclusões sugerem a urgência e a necessidade de serem
desenvolvidas ações efetivas e direcionadas para minimizar o problema de
inadimplência no PMCMV, dado que o país passa por uma crise financeira que não
permite ao governo ser passível, já que até 95% do valor do imóvel é bancado
pelo dinheiro público e a escassez de recursos públicos vem afetando fortemente
o país. Uma das possíveis medidas a serem tomadas refere-se a um maior
comprometimento dos responsáveis pela implantação do PMCMV nas cidades, com as
ações de incentivo para uma melhora no Planejamento e Gestão do Orçamento
Familiar, as quais estão previstas no desenho normativo do Programa.
Essas ações referem-se à divulgação de informações sobre organização
e planejamento do orçamento familiar, racionalização dos gastos com moradia e
orientação às famílias sobre as tarifas sociais dos serviços públicos. Ainda
devem ser abordados temas sobre geração de trabalho e renda, como ações de
mapeamento de vocações dos beneficiários e atividades produtivas do entorno do
empreendimento e região, encaminhamento aos serviços de intermediação de mão de
obra por meio dos sistemas de emprego e promoção de projetos de capacitação
para o trabalho.
Resumidamente, sugere-se a articulação entre diversos programas
sociais, aproximando as famílias atendidas pelo PMCMV dos Sistemas Nacionais de
Emprego (SINEs), do Programa Bolsa Família, das Farmácias Populares, entre
outros que auxiliem na manutenção da empregabilidade e renda, auxiliando o
cumprimento das obrigações financeiras, como a prestação da casa própria.
Ressalta-se que, para indivíduos de baixa renda, torna-se essencial que seja
oferecido suporte para que as famílias possuam uma vida digna, já que um
importante passo foi dado, o acesso à moradia.
Como principal contribuição da pesquisa, destaca-se que este
estudo é pioneiro em identificar os motivos da inadimplência no PMCMV e ao
propor variáveis socioeconômicas e de gerenciamento financeiro que influenciam
nos elevados níveis de inadimplência no PMCMV. Com isso, entre outras
iniciativas, podem-se desenvolver ações para diminuir o percentual de
inadimplentes da Faixa 1 do PMCMV, trabalhando sobre o perfil que apresenta
maiores chances de inadimplência. Todavia, como limitação tem-se o fato de as
informações da pesquisa proverem da percepção do indivíduo, que podem sofrer
vieses dadas as interpretações do respondente.
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