ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

A heterogeneidade da mortalidade da população brasileira e aspectos distributivos na previdência social: uma análise atuarial da proposta de idade mínima de aposentadoria

The mortality heterogeneity of Brazilian population and distributive aspects in social security: an actuarial analysis of the statutory retirement age proposal.

La heterogeneidad de la mortalidad de la población brasileña y los aspectos distributivos de la previsión social: un análisis actuarial de la propuesta de edad mínima de jubilación.

Filipe Costa de Souza

Doutor em Economia pelo PIMES/UFPE

Professor Adjunto 3 do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade Federal de Pernambuco

http://lattes.cnpq.br/6007849131301380

https://orcid.org/0000-0001-9903-5403

filipe.costas@ufpe.br

 


Resumo: Com o objetivo de reformar o sistema previdenciário brasileiro, o Governo Federal enviou para a Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição nº 287/2016, a qual, dentre outras medidas, propõe instituir uma idade mínima progressiva de aposentadoria. Este trabalho avaliou os aspectos distributivos que esta medida pode gerar aos contribuintes, a partir do cálculo das alíquotas atuarialmente justas frente à heterogeneidade da mortalidade da população brasileira. Como principal resultado, constatou-se que haverá uma redistribuição negativa, em que os indivíduos com menor expectativa de vida, que ingressaram no mercado de trabalho mais jovens e que têm baixo crescimento salarial irão financiar as aposentadorias daqueles mais longevos, que ingressaram no mercado de trabalho mais velhos e com maior perspectiva de crescimento salarial.

 

Palavras-chave: reforma da previdência, idade mínima de aposentadoria, heterogeneidade da mortalidade, expectativa de vida, justiça atuarial.

 


Abstract: With the objective of reforming the Brazilian social security system, the Federal Government sent to the House of Representatives the Constitutional Amendment Proposal nº 287/2016, which, among other measures, proposes to establish a progressive statutory retirement age. This paper evaluated the distributive aspects that this measure can generate for the taxpayers, based on the calculation of the actuarially fair contribution rates considering the mortality heterogeneity of the Brazilian population. As a main result, it has been observed that there will be a negative redistribution, in which those with low life expectancy, who entered the labor market still young and with low salary growth, will finance the retirement income of the ones with higher life expectancy, who have entered the labor market at an older age and have greater prospects for wage growth.

 

Keywords: Social security reform, statutory retirement age, mortality heterogeneity, life expectancy, actuarial fairness.


Resumen: Con el fin de reformar el sistema de previsión social de Brasil, el Gobierno Federal envió a la Cámara de Diputados la Propuesta de Enmienda a la Constitución nº 287/2016, que, entre otras medidas, propone el establecimiento de una edad mínima progresiva de jubilación. Este estudio evaluó los aspectos distributivos que esta medida puede conducir a los contribuyentes, a partir del cálculo de las alícuotas de contribución actuarialmente justas frente a la heterogeneidad de la mortalidad de la población brasileña. Como principal resultado, se encontró que habrá una redistribución negativa, en que los individuos con una menor esperanza de vida, que entrarán en el mercado laboral aún joven y tienen um bajo crecimento del salario van a financiar las pensiones de los más longevos, que entrarán en el mercado laboral mayor y que tienen más perspectiva de crescimento de los salários.

 

Palabras clave: reforma de la previsión social, edad mínima de jubilación, heterogeneidad de la mortalidad, expectativa de vida, justicia actuarial.

 


Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br



Introdução

A reforma da previdência apresentada na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 287/2016 em tramitação na Câmara dos Deputados, sobretudo, a adoção de uma idade mínima de aposentadoria, é fundamentada no fato de que o Brasil vem passando por transformações demográficas como a redução da taxa de fecundidade e o aumento da expectativa de vida. Portanto, para evitar um caos nas contas públicas e garantir os recursos necessários para o pagamento dos benefícios previdenciários futuros, argumenta-se que seria necessária a implantação de medidas de controle.

Conforme IBGE (2016b), em 1980, a expectativa de vida de um brasileiro de 65 anos era de 13,1 anos, passando para 18,4 anos em 2015. Assim, os sucessivos aumentos na expectativa de vida são um dos principais pilares de sustentação da ideia de uma idade mínima progressiva de aposentadoria. Contudo, pouco se fala que a população brasileira, em seus diversos estados da federação, tem perfis de longevidade distintos e, em razão dessa heterogeneidade da mortalidade, terão percepções diferentes dessa medida.

De modo geral, modelos atuariais de precificação de anuidades para fins de aposentadoria assumem que as taxas de mortalidade adotadas refletem as características de uma população homogênea. Quando são definidas as taxas de mortalidade para cada idade em uma dada população, tipicamente, aspectos discriminantes como o sexo são levados em consideração de modo a aumentar o nível de homogeneidade da coorte e tornar a tábua de mortalidade adotada representativa.  

Segundo Meyricke e Sherris (2013), no mercado segurador privado, para evitar o problema de seleção, é comum assumir que os compradores de anuidades têm expectativas de vida maiores do que a média populacional; o que, portanto, elevaria o preço destes produtos, tornando-os desinteressantes para pessoas que assumem ter baixa expectativa de vida. Esta prática, mesmo limitando o alcance do mercado, visa evitar prejuízos para as empresas vendedoras de anuidades, fato que ocorreria caso assumissem que a mortalidade dos seus clientes se comporta como a da população em geral.

Todavia, para um sistema público compulsório de previdência que impõe uma idade mínima de aposentadoria elevada, a heterogeneidade na mortalidade pode gerar uma redistribuição negativa, isto é, pessoas com baixa expectativa de vida iriam financiar o benefício de pessoas com vidas mais longevas (Ayuso, Bravo e Holzmann, 2016). Ademais, sendo o sistema de filiação obrigatória, as pessoas que acreditam ter (ou que, por razões diversas, de fato têm) baixa expectativa de vida não podem se recusar a contribuir, gerando um sistema atuarialmente injusto para elas.

Neste estudo, a alíquota de contribuição previdenciária é considerada atuarialmente justa quando, para um dado perfil de trabalhador (considerando sexo e localidade), o valor esperado das contribuições previdenciárias for igual ao valor esperado dos benefícios de aposentadoria. Assim, este artigo pretende contribuir com a discussão sobre a reforma da previdência e a adoção de uma idade mínima de aposentadoria frente a um cenário de heterogeneidade da mortalidade da população brasileira. Para tanto, este artigo tem como objetivo avaliar os efeitos da heterogeneidade da mortalidade da população brasileira na alíquota de contribuição atuarial justa, considerando a proposta de idade mínima, com base no texto original da PEC nº 287/2016. Logo, a partir da comparação das alíquotas justas, aspectos distributivos da previdência social serão debatidos.

A heterogeneidade da mortalidade no Brasil é evidenciada pelos diferentes perfis de sobrevivência de cada sexo e localidade, que são sumarizados pelas expectativas de vida ao nascer (EVN), por exemplo. Nesse espírito, serão utilizadas 84 tábuas de mortalidades projetadas para 2015, representando estratos combinados de sexo (masculino, feminino e ambos os sexos) e localidade geográfica (as 27 unidades da federação e o Brasil como um todo), permitindo o uso da matemática atuarial para o cálculo das alíquotas justas para cada caso. Além disso, para fortalecer a discussão, uma análise de sensibilidade dos principais parâmetros adotados será realizada.

Para alcançar o objetivo proposto, o restante do artigo está organizado da seguinte forma: na seção dois é discutida a evolução e heterogeneidade da longevidade, com foco na população brasileira, bem como as principais características de reforma previdenciária proposta pelo Governo Temer. Na seção três se apresenta o modelo atuarial para o cálculo das alíquotas previdenciárias, ao lado do método para os ajustes das tábuas de mortalidade e as premissas adotadas. Na seção quatro são expostos os principais resultados da pesquisa, sendo ainda realizada a análise de sensibilidade dos parâmetros. Na seção cinco, as conclusões do trabalho são sumarizadas.

 

 

 

Referencial teórico

Evolução e heterogeneidade da longevidade no Brasil

 

Segundo WHO (2016), a partir da década de 1950 foi constatada uma tendência de aumento na EVN em nível global; e na década de 1970, a expectativa de vida feminina já ultrapassava a masculina. Ayuso, Bravo e Holzmann (2016) afirmam que este aumento na longevidade observado mundialmente é um dos principais avanços socioeconômicos recentes. Contudo, deve-se ressaltar que estes não são homogêneos entre os estratos da sociedade. Tal heterogeneidade é reflexo de diversos fatores, como: sexo, grau de escolaridade, localização geográfica, renda, estrutura social, processo de urbanização, acesso às políticas públicas (em especial de saúde, saneamento e segurança) e exposição a riscos variados (Duarte et al., 2002; Ayuso, Bravo e Holzmann, 2016). Para se ter uma ideia, em 2015, estimava-se que uma mulher japonesa vivesse, em média, 86,8 anos, enquanto um homem leonês vivesse 49,3 anos (WHO, 2016).

Conforme o IBGE (2013b), o Brasil vem acompanhando a tendência demográfica mundial, mesmo que ainda se mantenham diferenças regionais. A mortalidade começou a declinar em meados da década de 1940 e a fecundidade acompanhou este comportamento de queda a partir dos anos 1960, gerando transformações na pirâmide etária nacional. 

A Figura 1 apresenta as distribuições das EVN para os anos de 1991 (Figura 1 (a)) e de 2010 (Figura 1 (b)), segregadas por região. Estas expectativas de vida foram obtidas do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil[i] e refletem a EVN, para ambos os sexos, de 5.565 cidades brasileiras nos referidos anos[ii].

Comparando (a) e (b) na Figura 1, é possível observar três tendências importantes: primeiro, tem-se o aumento da expectativa de vida em todas as regiões do país; segundo, constata-se a redução da variabilidade e, por fim, há um maior ganho na expectativa de vida entre 1991 e 2010 para as regiões com menor EVN em 1991. Unidos, esses fatos informam que há uma tendência de crescimento e homogeneização da longevidade. Este comportamento não é recente e já foi destacado por Duarte e colaboradores (2002).

Entretanto, a homogeneidade entre as regiões ainda está longe de ocorrer, uma vez que os estados do Norte e, sobretudo, do Nordeste ainda têm grandes déficits de longevidade, que necessitam ser superados. Com base na Figura 1 (b) e realizando o teste de Kruskal-Wallis (KW-H(4; 5.565)= 3.515.678;  p=0,0000) infere-se que os dados das EVN por região não são provenientes da mesma população, o que ressalta a heterogeneidade ainda existente. Cabe ressaltar que, em 2010, a amplitude nas EVN no Brasil para ambos os sexos era de 13,34 anos, sendo as cidades de Roteiro (em Alagoas) e Cacimba (na Paraíba) aquelas com menor EVN (65,3 anos) e os municípios de Blumenau e Brusque (em Santa Catarina) aqueles com maior EVN (78,64 anos). Ademais, em 2010, o estado de Santa Catarina detinha os doze municípios com população mais longeva do Brasil.

A Tabela 1 apresenta as estimativas e projeções da EVN, por sexo (masculino – m e feminino – f) e unidade da federação, para os anos de 2010, 2015, 2020 e 2030, conforme IBGE (2013b, 2016b). Nela, é possível perceber claramente a heterogeneidade da mortalidade, tanto por questões de sexo, quanto por localidade. Para todos os anos, as mulheres têm uma longevidade média de aproximadamente sete anos a mais do que os homens.

 


 

Figura 1. Distribuições da expectativa de vida ao nascer, para ambos os sexos, nos anos de (a) 1991 e (b) 2010, por Região.

(a)

(b)

Fonte: Elaborado a partir de dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013.

 


Observando as projeções do IBGE (2013b) para o ano de 2030, conforme a Tabela 1, constata-se que a heterogeneidade proveniente da localização geográfica será maior para os homens do que para as mulheres. Para elas haverá uma amplitude de 8,2 anos, enquanto que para eles, esta será de 10,3 anos. Além disso, a amplitude total (comparando ambos os sexos) será de 16,6 anos. Esta amplitude seria ainda maior se fossem considerados dados no nível municipal, pois há variabilidade de mortalidade dentro das próprias unidades da federação. Assim, estes fatos mostram que o processo de homogeneização da mortalidade é longo e pode levar gerações para se concretizar e, enquanto isso, formuladores de políticas públicas devem estar cientes desta realidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

Tabela 1. Expectativa de vida ao nascer, por sexo e unidade da federação, para os anos de 2010, 2015, 2020 e 2030.

Localidade

Expectativa de vida ao nascer

2010

2015

2020

2030

M

f

M

f

M

F

m

f

Acre (AC)

68,5

75,4

70,4

77,2

71,9

78,6

73,9

80,3

Amapá (AP)

69,2

75,4

71,0

76,5

72,4

77,5

74,2

79,1

Amazonas (AM)

67,3

73,8

68,4

75,2

69,5

76,5

71,3

78,4

Pará (PA)

67,5

74,7

68,2

76,0

69,0

77,2

70,4

78,9

Rondônia (RO)

67,0

73,8

68,1

74,8

69,0

75,7

70,7

77,2

Roraima (RR)

66,9

72,5

68,8

74,0

70,4

75,3

72,7

77,5

Tocantins (TO)

68,7

74,9

70,2

76,4

71,4

77,7

73,3

79,5

Alagoas (AL)

64,6

74,0

66,5

76,1

68,3

77,8

71,1

80,1

Bahia (BA)

67,7

76,4

68,8

77,9

69,9

79,1

71,6

80,8

Ceará (CE)

68,5

76,4

69,7

77,6

70,8

78,7

72,5

80,2

Maranhão (MA)

65,1

72,8

66,6

74,2

68,0

75,6

70,4

77,8

Paraíba (PB)

67,4

75,1

69,0

76,8

70,5

78,2

72,7

80,2

Pernambuco (PE)

66,8

75,5

69,5

77,4

71,5

78,9

74,3

80,9

Piauí (PI)

66,1

73,9

66,8

75,5

67,5

76,2

68,8

78,0

Rio Grande do Norte (RN)

70,2

78,1

71,5

79,5

72,6

80,6

74,3

81,8

Sergipe (SE)

66,8

75,2

68,2

76,7

69,4

77,9

71,5

79,8

Distrito Federal (DF)

72,5

79,9

74,1

81,3

75,4

82,4

77,3

83,9

Goiás (GO)

70,1

76,4

70,9

77,3

71,7

78,2

73,1

79,8

Mato Grosso (MT)

69,5

76,3

70,9

77,6

72,1

78,7

74,1

80,6

Mato Grosso do Sul (MS)

70,4

77,6

71,9

79,0

73,1

80,2

75,1

81,9

Espírito Santo (ES)

71,9

80,2

74,0

81,9

75,6

83,2

77,7

84,7

Minas Gerais (MG)

72,5

78,6

74,1

79,9

75,4

81,0

77,3

82,8

Rio de Janeiro (RJ)

70,3

78,0

72,3

79,3

74,0

80,4

76,4

82,2

São Paulo (SP)

72,6

79,5

74,6

80,9

76,1

82,0

78,1

83,5

Paraná (PR)

71,9

78,6

73,4

80,2

74,8

81,7

77,1

83,9

Rio Grande do Sul (RS)

72,4

79,5

74,0

80,9

75,4

82,0

77,7

83,9

Santa Catarina (SC)

73,6

80,4

75,4

82,1

77,0

83,5

79,1

85,4

Brasil (BR)

70,2

77,6

71,9

79,1

73,3

80,3

75,3

82,0

Fonte: IBGE (2013b, 2016b)

 

 

A proposta de reforma da PEC 287

 

Avanços na longevidade, redução da fecundidade, envelhecimento da população e questões migratórias trazem uma preocupação constante para as instituições previdenciárias, sobretudo aquelas financiadas pelo regime de repartição (pay-as-you-go). Conforme Angrisani e colaboradores (2012), os sistemas previdenciários ao redor do mundo enfrentam crises de sustentabilidade financeira crônicas e, para superar este obstáculo, buscam adotar medidas como o aumento das alíquotas de contribuição e/ou redução de benefícios e direitos dos trabalhadores. No contexto nacional, tais ações fomentam discussões sobre as fontes de financiamento do sistema previdenciário, sobre as contas da previdência dentro do contexto da seguridade social e o cumprimento dos preceitos constitucionais, e até mesmo sobre a alocação do orçamento público de forma geral.

Como bem expõem Giambiagi e Tafner (2010), a decisão de se realizar uma reforma previdenciária é uma deliberação política, podendo gerar impopularidade para o gestor público (sobretudo, em períodos de crise econômica ligada a escândalos de corrupção) e, com efeito, é constantemente postergada ou tomada em moldes mais brandos. A consequência disso, segundo indicam os autores, é que quando realizadas, as reformas podem não atender ao objetivo traçado, lançando o cenário de crise para as próximas gerações. Logo, sem planejamento, os sistemas previdenciários se tornam reféns das transformações demográficas.

Além disso, de acordo com Varsano (2003), medidas de elevação das contribuições utilizadas para financiar a previdência social poderiam gerar aumento do custo do trabalhador para a empresa, o que reduziria a competitividade do empregador e a remuneração líquida do empregado. Ainda segundo o autor, um eventual aumento na alíquota de contribuição poderia até mesmo afetar o nível de emprego e, consequentemente, a própria arrecadação dos tributos por parte do Estado entre outros efeitos macroeconômicos. Portanto, tais ações são recomendadas para situações extremas. Logo, por questões políticas e pressões de setores da economia, os Governos costumam optar por medidas de redução de benefícios e de direitos dos trabalhadores como principal mecanismo de reforma.

Neste sentido, Lima e Matias-Pereira (2014) já destacavam que uma das principais medidas vislumbradas pelo Governo Brasileiro para controle dos gastos com a previdência seria a definição de uma idade mínima progressiva de aposentadoria e o aumento do tempo de contribuição dos trabalhadores. Assim, é justificada pelas alterações demográficas e pela existência de um déficit previdenciário crescente, e balizada na redução de direitos, que se apresenta a reforma da previdência brasileira, proposta pelo Governo Temer.

Críticos afirmam que a reforma reduz demasiadamente conquistas dos trabalhadores e que o déficit previdenciário indicado pelo Governo é falacioso, uma vez que as contas da previdência deveriam ser avaliadas no contexto mais amplo da seguridade social, sem citar ainda as ações de desoneração da folha de pagamento das empresas e renúncias fiscais por parte do Governo (Jesus, 2015). Além disso, como destacam Silva e Costa (2016) ao analisarem as nove décadas de história da previdência social no Brasil, as políticas previdenciárias nacionais, em geral, tiveram pouco caráter redistributivo, indo contra o Art. 194 da Constituição Federal de 1988. A maior exceção foi a indexação do piso previdenciário ao salário mínimo (Kerstenetzky, 2016)[iii]

Defensores, por sua vez, argumentam que, mesmo ainda tendo uma população relativamente jovem, o Brasil já gasta mais de 10% do Produto Interno Bruto com despesas previdenciárias, patamar de gastos este comparável com o de nações mais desenvolvidas e envelhecidas, o que, em longo prazo, tornaria o sistema insustentável (Zylberstajn et al., 2017). Maiores discussões podem ser obtidas nos textos indicados e suas respectivas referências. 

Os principais aspectos da reforma proposta no texto original da PEC nº 287/2016 são resumidos nos seguintes pontos (para maiores detalhes consultar Zylerstajn et al., 2017; Costanzi e Ansiliero, 2017):

 

·          Convergência normativa dos regimes de previdência, equiparando as regras de aposentadoria para os servidores públicos e privados.

·          Definição de uma idade mínima progressiva de aposentadoria, condicionada em pelo menos 25 anos de contribuição para homens e mulheres. A progressividade da idade mínima serve para acompanhar os aumentos na longevidade, sendo acrescido um ano à idade mínima de aposentadoria e à idade de aposentadoria compulsória sempre que a expectativa de vida aos 65 anos (para ambos os sexos) aumentar em um ano em comparação com a respectiva expectativa de vida aos 65 anos no ano de promulgação da reforma.

·          Mudança no cálculo dos benefícios de aposentadoria voluntária. Seja B o benefício de aposentadoria a ser recebido mensalmente, SM o salário mínimo vigente, Teto o teto previdenciário, Tc o tempo de contribuição (em anos) e M a média dos salários de contribuição, então, o benefício de aposentadoria será dado por: B=max(min([0,51+0,01Tc]M, M, Teto), SM).

·          Adoção de regras de transição para homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos.

·          Definição de regras mais rígidas para concessão de pensões e benefícios de caráter assistencial, bem como a possibilidade destes serem inferiores a um salário mínimo.

 

Mesmo com defensores (Andersen, 2012), a adoção de uma idade mínima pode não ser uma ação eficaz, como indicam Staubli e Sweimüller (2013). Isso ocorreria por duas razões: i) a realocação do trabalhador em idades mais avançadas poderia provocar aumentos nas aposentadorias por invalidez ou outras formas de benefícios sociais; ii) afetaria trabalhadores em empregos de menor remuneração e maiores exigências físicas que teriam interesse em uma aposentadoria mais precoce, mesmo que acompanhada de redução nos benefícios.

Ademais, Ayuso, Bravo e Holzmann (2016) afirmam que os sistemas previdenciários deveriam ser um dos mecanismos mais poderosos para redistribuição de renda, sendo comparado, em menor escala, apenas aos sistemas de saúde pública e alguns programas assistenciais. Contudo, segundo os autores, estes sistemas tendem a gerar redistribuições negativas devido à heterogeneidade das populações.

Na próxima seção se apresenta o modelo atuarial para avaliar a alíquota atuarialmente justa frente à heterogeneidade da mortalidade na população brasileira e, com efeito, discutir os aspectos distributivos da reforma da previdência, no que tange à adoção de uma idade mínima de aposentadoria.

 

Modelo e Método

Segundo Landes (2015), o conceito de justiça atuarial reside na ideia de que um indivíduo deve pagar prêmios que reflitam os riscos aos quais ele está exposto, de tal modo que o valor presente esperado dos pagamentos seja equivalente ao valor presente esperado dos benefícios. Em modelos de precificação de anuidades, os referidos riscos são expressos pelas probabilidades de mortalidade ao longo de certas idades, extraídas de uma tábua de mortalidade especificada. Daí a importância desta tábua ser representativa da população em análise, de modo a não se comparar, no mesmo modelo, indivíduos com perfis de sobrevivência distintos, o que geraria um ambiente atuarialmente injusto.

Diversos estudos, como os de Giambiagi e Afonso (2009) e Afonso e Lima (2011), se baseiam neste princípio de justiça para avaliar as alíquotas de contribuição previdenciária adotadas no Brasil e debater aspectos distributivos na previdência. Contudo, estes trabalhos desprezam o fato de que o Brasil tem uma população heterogênea, no que diz respeito à exposição ao risco de morte. Este estudo se destaca dos já existentes justamente por discutir a atual proposta de reforma de previdência considerando essa heterogeneidade da mortalidade da população brasileira.

O modelo desenvolvido nesta seção segue, em sua essência, a anotação atuarial padrão (Bowers et al., 1997). No entanto, além dos símbolos principais, são adotados símbolos acessórios para indicar o sexo e a localidade geográfica do indivíduo em questão. É assumida a seguinte regra para notação acessória: são acrescidos os sobrescritos  e  ao símbolo principal, de modo a ressaltar que se trata de uma pessoa do sexo , que reside na localidade . O símbolo  poderá assumir os valores  ou  ou , no caso do sexo ser masculino ou feminino ou ambos os sexos (sem distinção de sexo), respectivamente; e o símbolo  assumirá a sigla da respectiva localidade analisada. Por exemplo, ao analisar o caso de uma mulher residente no Acre (AC), então  e ; e se não houver distinção de sexo nem da unidade federativa, a notação acessória será  e . Textualmente, será indicado que o indivíduo pertence à coorte/população  e, para os modelos gerais, as notações acessórias serão omitidas.

 

O cálculo das alíquotas

 

Inicialmente, deve-se destacar que o modelo desenvolvido busca avaliar o efeito da regra de idade mínima proposta pela PEC nº 287 e, por esta razão, as regras de transição não serão analisadas por serem temporárias.

A Figura 1 ilustra o fluxo de contribuições e benefícios de uma pessoa que entrou no mercado de trabalho com idade  anos, recebendo uma remuneração anual inicial de  reais, e pretende se aposentar aos  anos. Como, além da idade mínima de  anos, é exigido pelo menos  anos de contribuição para que o trabalhador se torne elegível para aposentadoria, então, assume-se que . Ademais, por simplicidade, os arranjos atuariais modelados nesta seção são antecipados e têm periodicidade anual.

No tocante ao fluxo das contribuições, é assumido que os salários crescem a uma taxa real  a.a., isto é, sendo  o salário anual de entrada no mercado de trabalho, o salário após  anos será . Além disso, é suposto, por simplicidade, que os salários ao longo da vida laboral estão dentro dos limites da previdência. O empregado e o empregador contribuem, somados, com um percentual fixo, , do salário daquele, e o mercado opera a uma taxa real de juros de  a.a., sendo  o fator de descapitalização financeira. Seja ainda  a probabilidade de um indivíduo de idade , do sexo  e residente em , alcançar com vida a idade . Tal probabilidade é obtida de uma tábua de mortalidade representativa de população . Por fim, define-se  como a idade limite da tábua, ou seja, nenhum indivíduo alcança com vida esta idade. A partir destas definições, é possível calcular o valor presente esperado das contribuições de um indivíduo que ingressou no mercado de trabalho com idade  e pertencente à população  como:

Fazendo , e sendo  o valor presente esperado de uma anuidade antecipada e temporária por  anos, subscrita por uma pessoa de idade  pertencente a coorte , que adota  como fator de descapitalização financeira, a expressão de  pode ser reescrita como:


Figura 1: Fluxo atuarial das contribuições e benefícios de aposentadoria.

Fonte: elaboração própria


 

Com relação aos benefícios se considera que o indivíduo, ao se aposentar aos  anos, irá receber um benefício anual vitalício de valor . Este é calculado como  da média de todos os salários de contribuição, respeitando-se o piso e o teto da previdência. Note que como é assumido que , então, o percentual indicado nunca será maior do que 100%, respeitando a regra de cálculo de benefício proposta na reforma. Portanto,

 

 

Nesse espírito, o valor presente esperado dos benefícios é:

 

 

Com efeito, a alíquota de contribuição atuarialmente justa, ou seja, aquela que torna  é dada por:

 

 

Modelos atuariais partem do pressuposto de que existe à disposição do pesquisador uma tábua de mortalidade completa e representativa da população em análise. A próxima subseção explica o procedimento utilizado para obtenção das tábuas de mortalidade, para o ano de 2015 e para as diferentes populações  consideradas neste estudo.  

 

Ajuste das tábuas de mortalidade

 

Segundo o Decreto Presidencial nº 3.266/99, compete ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicar, todos os anos, a tábua de mortalidade da população brasileira referente ao ano anterior. Além de uma tábua geral (para ambos os sexos), o IBGE também divulga tábuas segregadas por sexo. Estas tábuas são de grande relevância, pois são utilizadas como base para cálculos previdenciários, além de fornecerem informações sobre o perfil de mortalidade da população brasileira.

Para fins de modelagem atuarial em um ambiente de heterogeneidade da mortalidade, as tábuas completas do IBGE têm duas grandes limitações, a saber: primeiro, elas são apresentadas de forma agregada para idades maiores do que ou iguais aos 80 anos; segundo, o IBGE não divulga anualmente tábuas de mortalidade específicas para cada unidade da federação. Isso demanda meios de se obter tábuas que expressem a probabilidade de morte de forma individual para idades maiores do que 80 anos, e que também sejam representativas da população brasileira em seus respectivos estratos .

Em 2013, o IBGE (2013a) publicou tábuas abreviadas de mortalidade estratificadas por sexo e unidades da federação referentes ao ano de 2010. Estas tábuas, como o próprio nome indica, apresentam valores agregados para as seguintes idades: 0, 1, 5, 10, 15, ..., 85 e 90 ou mais. Assim, o procedimento adotado para obtenção de tábuas completas para o ano de 2015 partiu das tábuas oficiais de 2010 e seguiu as seguintes etapas:

 

Etapa 1: Para cada par , obter a respectiva tábua abreviada de 2010.

Etapa 2: Utilizando uma adaptação do método descrito em IBGE (2016a), transformar as tábuas abreviadas obtidas na Etapa 1 em tábuas completas até a idade de 115 anos.

Etapa 3: A partir das tábuas completas para o ano de 2010 obtidas na Etapa 2, projetar as tábuas completas para o ano de 2015, tendo como base a EVN no ano de 2015, divulgada pelo IBGE (2016b).

 

A seguir, são detalhadas as três etapas propostas. A Etapa 1 consiste em obter 84 tábuas abreviadas de 2010. Isso ocorre, pois existem três formas de segregar as tábuas por sexo (masculino, feminino e ambos os sexos) e existem 28 formas de segregar as tábuas por localidade (as 27 unidades da federação e o Brasil como um todo). Assim, todas estas 84 tábuas foram obtidas de IBGE (2013a).

Na Etapa 2 se fez necessário obter o valor  (quantidade de pessoas vivas na idade ) para todas as idades inteiras do intervalo . Neste caso, com base em Dong, Milholland e Vijg (2016), a idade limite da tábua foi definida como 116 anos, ou seja, não é admitido que qualquer indivíduo alcance com vida os 116 anos de idade. Logo, são definidos os valores de  (com  inteiro) para todas as idades do intervalo .

Seguindo a abordagem do IBGE (2016a), a obtenção dos valores de  foi dividida em duas etapas: para as idades menores do que ou iguais a 5 anos; e para idades maiores do que 5 anos.

Para calcular os sobreviventes nas idades de 1 até 4 anos é realizado um ajuste hiperbólico (IBGE, 2016a), passando pelos pontos conhecidos ,  e , seguindo a expressão:

 

 

em que os parâmetros ,  e  são encontrados do seguinte modo:

 

 

 

 

Estas três expressões implicam, conforme IBGE (2016a) que:

 

 

 

 

Conhecidos os parâmetros, obtêm-se facilmente os valores de  para as idades 1, 2, 3 e 4, como desejado.

Agora, resta realizar a abertura da mortalidade a partir dos 5 anos até os 115 anos. Para tanto, é assumido, ainda conforme IBGE (2016a), que a função sobrevivência segue uma curva de Gompertz definida por:

 

 

em que  é a função sobrevivência, ,  e  são os parâmetros e  faz referência ao tempo. A ideia para calcular os parâmetros é, novamente, utilizar três pontos de apoio, a saber: ,  e   Por estes três pontos se tem que:

 

 

 

 

Daí segue-se, conforme o IBGE (2016a) que:

 

 

 

 

Como para idades maiores do que ou iguais a 5 anos as tábuas abreviadas fornecem informações sobre grupos etários quinquenais, os parâmetros do modelo serão estimados para grupos de idades com intervalo de 10 anos. Por exemplo, para o grupo de 5 até 15 anos, são conhecidos os valores ,  e , fornecendo os três pontos de apoio necessário para calcular os parâmetros. Portanto as idades restantes são agrupadas como: de 5 até 15 anos; de 15 até 25 anos, de 25 até 35 anos, de 35 até 45, de 45 até 55 anos, de 55 até 65 anos, de 65 até 75 anos, de 75 até 85 anos. E para cada desses grupos, os parâmetros ,  e  são calculados. Ademais, para idades maiores do que 85 anos, os parâmetros do último intervalo (75 até 85 anos) são utilizados para calcular os valores de  até os 115 anos, uma vez que não existem mais três pontos de apoio para utilizar o método indicado. Está é uma das principais diferenças da abordagem empregada nesse artigo com relação a do IBGE (2016a), pois neste há a preocupação de extrapolar a tábua até os 80 anos, uma vez que as tábuas completas do IBGE são agrupadas para idades de 80 anos ou mais.

A Tabela 2 ilustra para o intervalo de 5 até 15 anos o cálculo do . A intuição do processo é associar  com ,  com  e  com . Nesse espírito, cada variação de um ano em  (por exemplo, de  para ) equivaleria a uma variação de 0,2 em  (ou seja, de  para ). Então, por exemplo,  seria igual a  e  seria igual a .

Para idades a partir dos 85 anos, como dito, os parâmetros calculados para o intervalo de 75 até 85 anos são adotados para as idades , ou seja, , repetindo essa ideia até .

 

Tabela 2. Abertura dos valores de  para  inteiro e pertencente ao intervalo .

Idade ()

5

0

6

0,2

7

0,4

8

0,6

9

0,8

10

1

11

1,2

12

1,4

13

1,6

14

1,8

15

2

Fonte: Adaptado de IBGE (2016a).

 

Este procedimento foi replicado para todas as tábuas da Etapa 1, fornecendo 84 tábuas completas para o ano de 2010. Por fim, na Etapa 3, restou atualizar estas tábuas para valores de 2015. Isso foi realizado utilizando, para cada tábua, um fator de redução  tal que:

 

 

em que  é a taxa de mortalidade na idade  projetada para o ano de 2015, para população  e  é a taxa de mortalidade na idade  estimada para o ano de 2010, para mesma população . Tem-se ainda que , de modo a preservar a idade limite das tábuas.

A ideia do fator de redução é projetar uma tábua completa de 2010 para valores de 2015. Nesta etapa, o valor de  é escolhido de tal modo que, para cada estrato, o módulo da diferença entre as EVN[iv] obtida a partir das tábuas projetadas e as EVN divulgadas pelo IBGE (2016b) sejam menores do que 0,01 anos. Para permitir replicabilidade dos resultados, os fatores de redução utilizados neste estudo estão expostos na Tabela A.1 do Apêndice.  

 

Premissas

Para o cálculo das alíquotas atuarialmente justas, , foram escolhidas algumas premissas e hipóteses com base em estudos anteriores (ver, Rodrigues e Afonso, 2015; Penafieri e Afonso, 2013), a saber:

·          Taxa real de juros: 3% a.a.;

·          Taxa real de crescimento salarial: 2% a.a.;

·          Idade de entrada no mercado de trabalho: 20 anos;

·          Densidade de contribuição de 100%.

Resultados e Discussões

 

Partindo-se dos modelos e premissas expostas na Seção 3, são calculadas as alíquotas atuarialmente justas para cada população  como apresentado na Tabela 3. Nela, é possível perceber que, para uma dada localidade , como esperado, os homens têm custos de aposentadoria menores do que as mulheres. Contudo, devido à heterogeneidade da mortalidade entre as regiões, constata-se que em estados como Santa Catarina e Espírito Santo, os homens têm custos de aposentadoria maiores do que o de mulheres em Roraima e Rondônia.

As menores alíquotas são encontradas para homens nos estados Piauí e Maranhão – 9,76% e 9,85%, respectivamente – enquanto as maiores são as de mulheres no Espírito Santo e Santa Catarina – 16,01% e 15,90%, respectivamente. Esta amplitude de 6,25 pontos percentuais mostra claramente as disparidades regionais e de sexo. Comparando a diferença entre sexo em uma mesma unidade da federação, contata-se que, em média, as mulheres teriam um custo de aposentadoria (alíquota justa) de 2,83 pontos percentuais maior do que o dos homens, sendo na Bahia a maior diferença (3,46) e em Roraima a menor (1,60).

Percebe-se ainda que, em todos os casos, as alíquotas calculadas estão bem abaixo daquelas atualmente cobradas (de 28% até 31%) o que daria grande folga para o custeio das aposentadorias por invalidez, pensões e outros benefícios previdenciários.

Tabela 3. Alíquotas atuarialmente justas.

Localidade

Alíquota atuarialmente justa - %

AC

11,30

14,05

12,58

AP

11,81

13,75

12,77

AM

10,50

13,07

11,75

PA

10,53

13,30

11,84

RO

10,20

12,62

11,24

RR

10,48

12,08

11,22

TO

11,46

13,69

12,49

AL

10,20

13,51

11,85

BA

10,93

14,39

12,63

CE

11,26

14,03

12,66

MA

9,85

12,87

11,32

PB

11,01

13,82

12,46

PE

10,85

13,73

12,37

PI

9,76

13,07

11,41

RN

11,77

15,04

13,45

SE

10,38

13,63

12,03

DF

12,54

15,65

14,17

GO

11,42

13,74

12,55

MT

11,43

14,02

12,61

MS

11,70

14,68

13,13

ES

12,89

16,01

14,45

MG

12,59

15,00

13,82

RJ

11,46

14,59

13,13

SP

12,32

15,29

13,86

PR

12,16

14,89

13,55

RS

12,05

15,30

13,73

SC

12,67

15,90

14,29

BR

11,69

14,68

13,22

 Fonte: elaboração própria.

 

Ao se considerar que, no Brasil, os trabalhadores (sem distinção de sexo e localidade) com uma mesma faixa de renda pagam a mesma alíquota previdenciária, então, aqueles que têm menor expectativa de vida e, com efeito, deveriam pagar alíquotas menores, acabam por financiar a aposentadoria daqueles mais longevos. Nota-se que, em geral, os estados com menor expectativa de vida são aqueles situados nas Regiões Norte e Nordeste, enquanto os com população mais longeva estão nos estados do Sudeste e do Sul. Assim, o sistema previdenciário brasileiro perpetuaria uma distribuição de renda perversa, corroborando os achados de Ayuso, Bravo e Holzmann (2016).

 

Análise de sensibilidade

 

Nesta seção se discutem os efeitos que mudanças nos parâmetros do modelo têm no valor das alíquotas atuarialmente justas. Os parâmetros a serem analisados são: idade de entrada no mercado de trabalho; taxa real de juros; taxa de crescimento salarial e tábuas de mortalidade adotadas. Sem perda de generalidade, tais discussões serão realizadas considerando apenas o caso de ambos os sexos.

Inicialmente, foi assumido que o trabalhador ingressava no mercado aos 20 anos de idade. Agora, ceteris paribus, tal idade será acrescida e reduzida em dois anos e os efeitos nas alíquotas justas serão observados. Os resultados são sumarizados na Tabela 4. Nela é possível perceber que trabalhadores que ingressaram no mercado de trabalho mais jovens, por terem mais tempo para financiarem suas aposentadorias, teriam alíquotas de contribuição justa menores. Nesse sentido, estes tenderiam a auxiliar no financiamento dos benefícios daqueles que começaram a trabalhar mais tarde.

Com base na Tabela 4, percebe-se que uma redução em dois anos provoca uma redução média de 0,66 pontos percentuais na alíquota atuarialmente justa, enquanto um aumento em dois anos na idade de entrada no mercado de trabalho provocaria um aumento médio de 0,72 pontos percentuais na alíquota atuarialmente justa. Assim, se for considerado que empregos de maior remuneração e de menor desgaste físico exigem trabalhadores mais qualificados, então, os trabalhadores jovens em profissões mais vulneráveis seriam os mais prejudicados.

 

Tabela 4. Efeito da idade de entrada na alíquota atuarialmente justa.

Localidade

Alíquota atuarialmente justa - %

AC

11,92

12,58

13,30

AP

12,10

12,77

13,49

AM

11,13

11,75

12,42

PA

11,22

11,84

12,53

RO

10,65

11,24

11,89

RR

10,62

11,22

11,87

TO

11,83

12,49

13,21

AL

11,22

11,85

12,53

BA

11,97

12,63

13,35

CE

12,00

12,66

13,39

MA

10,72

11,32

11,99

PB

11,80

12,46

13,17

PE

11,72

12,37

13,08

PI

10,80

11,41

12,07

RN

12,75

13,45

14,21

SE

11,40

12,03

12,72

DF

13,45

14,17

14,96

GO

11,90

12,55

13,26

MT

11,95

12,61

13,33

MS

12,45

13,13

13,87

ES

13,71

14,45

15,26

MG

13,10

13,82

14,59

RJ

12,45

13,13

13,86

SP

13,15

13,86

14,63

PR

12,85

13,55

14,31

RS

13,03

13,73

14,49

SC

13,57

14,29

15,08

BR

12,54

13,22

13,96

Fonte: elaboração própria.

 

Em fevereiro de 2017, o Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) divulgou um pronunciamento[v] se posicionando com relação à atual proposta de reforma da previdência. Dentre as medidas propostas pela instituição se destacam dois pontos: a sugestão de se construírem tábuas de mortalidade para diversas categorias de previdência social; e a possibilidade de estabelecer uma idade mínima (ou normal) de aposentadoria com possibilidade de antecipação, sendo, nestes casos, aplicado um fator de redução atuarial. Entende-se que tais medidas se alinham com a discussão presente neste estudo, pois permitiriam uma proteção maior das classes trabalhadoras mais vulneráveis e pessoas de idade mais avançada frente às incertezas e inseguranças do mercado de trabalho. 

Passando para a análise da taxa real de juros, esta será acrescida e reduzida em um ponto percentual, como resume a Tabela 5. Nela, percebe-se que quanto menor for a taxa de juros, maior é a diferença entre a maior e a menor alíquota justa (ou seja, maior a amplitude das alíquotas). No caso em que a taxa real de juros é de 2% a.a., a diferença entre a maior e menor alíquota é de 4,73 pontos percentuais, enquanto que para uma taxa real de juros de 4% a.a, essa diferença cai para 2,21. Logo, em cenários econômicos de menor rentabilidade dos investimentos, os trabalhadores menos longevos estariam ajudando a financiar a aposentadoria dos mais longevos, o que geraria um ambiente de injustiça atuarial. 

 

Tabela 5. Efeito da taxa de juros na alíquota atuarialmente justa.

Localidade

Alíquota atuarialmente justa - %

AC

17,55

12,58

8,95

AP

17,79

12,77

9,10

AM

16,32

11,75

8,39

PA

16,45

11,84

8,47

RO

15,52

11,24

8,08

RR

15,52

11,22

8,04

TO

17,40

12,49

8,90

AL

16,47

11,85

8,46

BA

17,61

12,63

9,00

CE

17,69

12,66

9,03

MA

15,78

11,32

8,07

PB

17,32

12,46

8,89

PE

17,21

12,37

8,83

PI

15,81

11,41

8,17

RN

18,75

13,45

9,58

SE

16,74

12,03

8,58

DF

19,79

14,17

10,10

GO

17,45

12,55

8,97

MT

17,56

12,61

8,99

MS

18,31

13,13

9,35

ES

20,25

14,45

10,25

MG

19,31

13,82

9,82

RJ

18,33

13,13

9,34

SP

19,36

13,86

9,85

PR

18,90

13,55

9,65

RS

19,16

13,73

9,77

SC

19,95

14,29

10,17

BR

18,44

13,22

9,41

Fonte: elaboração própria.

 

À semelhança da taxa de juros, a taxa de crescimento salarial será acrescida e decrescida em um ponto percentual, como sumariza a Tabela 6. Por esta tabela se observa que quanto menor for a taxa de crescimento salarial, menor será a alíquota de contribuição justa. Portanto, trabalhadores com maior crescimento profissional teriam seus benefícios previdenciários subsidiados por aqueles com menor perspectiva de crescimento. Essa questão é mitigada uma vez que trabalhadores com faixas salariais maiores pagam alíquotas de contribuição previdenciária maiores, dentro do limite legal de 8% até 11%. Ademais, as variações nas alíquotas justas devido às alterações na taxa de crescimento salarial são menos expressivas do que aquelas provocadas por mudanças na taxa de juros.

 

Tabela 6. Efeito da taxa crescimento salarial na alíquota atuarialmente justa.

Localidade

Alíquota atuarialmente justa - %

AC

11,90

12,58

13,29

AP

12,10

12,77

13,48

AM

11,10

11,75

12,42

PA

11,20

11,84

12,52

RO

10,63

11,24

11,88

RR

10,60

11,22

11,87

TO

11,81

12,49

13,20

AL

11,19

11,85

12,53

BA

11,94

12,63

13,35

CE

11,98

12,66

13,38

MA

10,69

11,32

11,99

PB

11,78

12,46

13,16

PE

11,70

12,37

13,07

PI

10,78

11,41

12,07

RN

12,74

13,45

14,19

SE

11,37

12,03

12,72

DF

13,44

14,17

14,93

GO

11,88

12,55

13,25

MT

11,93

12,61

13,32

MS

12,43

13,13

13,85

ES

13,70

14,45

15,24

MG

13,09

13,82

14,57

RJ

12,43

13,13

13,85

SP

13,14

13,86

14,61

PR

12,84

13,55

14,29

RS

13,01

13,73

14,47

SC

13,56

14,29

15,06

BR

12,52

13,22

13,95

Fonte: elaboração própria.

 

Por fim, serão analisados os efeitos das mudanças demográficas nas alíquotas de contribuição atuarialmente justas. Para tanto, as tábuas de 2010 foram projetadas para valores de 2020 e 2030. Então, como feito na Etapa 3 da seção 3.2., serão definidos os fatores de redução  tais que:

 

e

 

em que  e  são as taxas de mortalidade na idade  projetadas para os anos de 2020 e 2030, respectivamente, para uma população  e  é a taxa de mortalidade na idade  estimada para o ano de 2010, para mesma população . Tem-se ainda que .

Novamente, os valores de (2020) e (2030) são escolhidos de modo a garantir que, para cada estrato, o módulo da diferença entre as EVN obtidas a partir das tábuas projetadas e a EVN divulgadas pelo IBGE (2013b), para os respectivos anos, sejam menores do que 0,01 anos. Os fatores de redução utilizados nesta análise estão na Tabela A.2 do Apêndice.

Pelas tábuas projetadas, a expectativa de vida de um brasileiro de 65 anos em 2020 seria de 19,2 anos e em 2030 seria de aproximadamente 20,4 anos. Como em 2015 a expectativa de vida de um brasileiro de 65 anos era de 18,4 anos, então, pela proposta de progressividade da idade mínima, em 2020, esta permaneceria imutável, mas passaria para 67 anos em 2030.  

A Tabela 7 ilustra o resultado dessas projeções. Inicialmente se percebe que, em 2020, há um ligeiro aumento nas alíquotas de contribuição justas. Isso é reflexo do aumento da expectativa de vida sem uma contrapartida no aumento da idade mínima de aposentadoria. Contudo, em 2030, as alíquotas sofreriam uma redução devido ao aumento (em dois anos) da idade mínima de aposentadoria. Assim, o mecanismo de aumento da idade legal de elegibilidade para aposentadoria permite certo grau de estabilidade no custo de aposentadoria programada. Além disso, as diferenças entre a menor e a maior alíquota, em cada ano, permaneceriam bastante próximas, ou seja, para o mesmo patamar de renda, a heterogeneidade da mortalidade ainda existente perpetuaria um ambiente de injustiça atuarial.

 

Tabela 7. Projeções da alíquota atuarialmente justa para os anos de 2020 e 2030.

Localidade

Alíquota atuarialmente justa - %

2015

AC

12,58

13,26

12,44

AP

12,77

13,31

12,34

AM

11,75

12,24

11,43

PA

11,84

12,25

11,30

RO

11,24

11,74

10,79

RR

11,22

11,90

11,31

TO

12,49

13,07

12,18

AL

11,85

12,63

12,13

BA

12,63

13,16

12,23

CE

12,66

13,16

12,23

MA

11,32

11,94

11,33

PB

12,46

13,12

12,35

PE

12,37

13,20

12,59

PI

11,41

11,81

10,87

RN

13,45

13,95

12,85

SE

12,03

12,58

11,80

DF

14,17

14,79

13,79

GO

12,55

12,92

11,90

MT

12,61

13,17

12,37

MS

13,13

13,69

12,88

ES

14,45

15,10

14,19

MG

13,82

14,39

13,48

RJ

13,13

13,80

13,07

SP

13,86

14,50

13,60

PR

13,55

14,23

13,56

RS

13,73

14,38

13,57

SC

14,29

15,03

14,25

BR

13,22

13,78

12,92

Fonte: elaboração própria.

 

Considerações Finais

 

Devido às mudanças demográficas que o Brasil vivencia, o Governo Federal vem discutindo medidas de sustentabilidade do sistema previdenciário. Dentre as principais propostas apresentadas está a definição de uma idade mínima progressiva de aposentadoria.

Neste âmbito, este artigo avaliou os aspectos distributivos que a adoção de uma idade mínima de aposentadoria, nos moldes do texto original da PEC nº 287/2016, pode gerar para a previdência, a partir do cálculo das alíquotas atuarialmente justas frente à heterogeneidade da mortalidade da população brasileira. A partir da definição de um modelo atuarial para o cálculo das alíquotas e projeções de tábuas de mortalidade específicas para cada unidade da federação se constatou que: haveria uma redistribuição negativa, em que os indivíduos com menor expectativa de vida, que ingressaram no mercado de trabalho mais jovens e que têm baixo crescimento salarial irão auxiliar no financiamento das pensões daqueles mais longevos, que ingressaram no mercado de trabalho mais velhos e com maior perspectiva de crescimento salarial. Ademais, o fato de a idade mínima ser progressiva fará com que as alíquotas justas se mantenham em um patamar de pouca variabilidade, mesmo com aumentos da longevidade, o que, devido à heterogeneidade da mortalidade ainda existente na população brasileira, perpetuará um ambiente de injustiça atuarial e redistribuição negativa.

Frente a estes resultados, poder-se-ia pensar em alíquotas específicas por estados da federação e sexo, mas estas poderiam ser de difícil implementação, além de possibilitar a ocorrência de ações oportunistas, e/ou gerar preconceitos e pressões regionais. Assim, prudentemente, são sugeridas as seguintes medidas: i) ampliação das políticas públicas de educação, saúde, saneamento básico e emprego, que auxiliem a combater as desigualdades regionais, tendo consciência de que existem desigualdades dentro de uma mesma região; ii) corroborar algumas das propostas do IBA, em particular, a criação de tábuas de mortalidade específicas para categorias funcionais, de modo a diferenciar e proteger trabalhadores em profissões de maior exigência física (que, em geral, recebem remunerações menores, têm menor escolaridade e estão mais vulneráveis às mudanças no cenário econômico e mercado de trabalho). Inclusive, essa medida poderia ser alinhada com regras de controle e a definição de uma idade mínima menor para as classes de trabalhadores definidas como mais vulneráveis; iii) por fim, ainda em consonância com a proposta do IBA, estabelecer regras específicas que permitam, sob certas condições, a aposentadoria antes da idade normal de aposentadoria, aplicando-se para estes casos um fator atuarial de redução dos benefícios. Esta medida visaria dar suporte aos trabalhadores que, em idade já avançada (mas menor do que a idade mínima), tivessem dificuldade de serem realocados no mercado de trabalho.     

 

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Apêndice

Tabela A.1. Fatores de redução – de 2010 para 2015.

Localidade

Fator de redução -

AC

0,897

0,848

0,879

AP

0,903

0,868

0,888

AM

0,933

0,893

0,913

PA

0,950

0,895

0,926

RO

0,931

0,887

0,920

RR

0,867

0,927

0,882

TO

0,910

0,927

0,913

AL

0,894

0,841

0,875

BA

0,936

0,884

0,917

CE

0,928

0,912

0,923

MA

0,906

0,896

0,895

PB

0,905

0,863

0,888

PE

0,850

0,856

0,853

PI

0,955

0,926

0,936

RN

0,914

0,874

0,896

SE

0,929

0,930

0,929

DF

0,903

0,889

0,901

GO

0,947

0,919

0,936

MT

0,922

0,895

0,911

MS

0,915

0,874

0,901

ES

0,868

0,786

0,838

MG

0,890

0,866

0,882

RJ

0,878

0,878

0,884

SP

0,869

0,861

0,871

PR

0,904

0,872

0,890

RS

0,897

0,858

0,885

SC

0,871

0,794

0,845

BR

0,894

0,868

0,884

Fonte: elaboração própria.

Tabela A.2. Fatores de redução de 2010 para 2020 e de 2010 para 2030 – Ambos os sexos

Localidade

Fator de redução –

AC

0,796

0,702

AP

0,820

0,732

AM

0,849

0,749

PA

0,872

0,783

RO

0,851

0,759

RR

0,794

0,672

TO

0,837

0,742

AL

0,779

0,652

BA

0,847

0,756

CE

0,855

0,759

MA

0,821

0,712

PB

0,802

0,692

PE

0,753

0,636

PI

0,882

0,792

RN

0,827

0,746

SE

0,858

0,752

DF

0,816

0,717

GO

0,885

0,795

MT

0,839

0,732

MS

0,828

0,719

ES

0,756

0,656

MG

0,807

0,706

RJ

0,800

0,688

SP

0,788

0,686

PR

0,801

0,673

RS

0,800

0,686

SC

0,749

0,630

BR

0,812

0,708

Fonte: elaboração própria.



[i] Segundo o PNDU (2013), o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil é uma ferramenta de consulta ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de 5.565 cidades brasileiras, com dados provenientes dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010, e encontra-se disponível pelo site http://www.atlasbrasil.org.br/2013/.

[ii] Atualmente, o Brasil conta com 5.570 municípios, porém esses cinco novos municípios só foram emancipados em 2013 e, portanto, como ainda eram distritos em 2010, não aparecem de forma individual nesta análise.

[iii] A vinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo é um tema de bastante debate. Autores como Giambiagi e Tafner (2010) argumentam que medidas de indexação do piso previdenciário ao salário mínimo trazem grande pressão aos gastos previdenciários devido às políticas de elevação do salário mínimo. Por outro lado, Jesus (2015) afirma que a desvinculação dos demais benefícios do salário mínimo faz com que os beneficiários que ganham mais do que um salário mínimo recebam reajustes dos seus benefícios em um nível inferior aos daquele e, consequentemente, vejam seus benefícios perderem o poder de compra.

[iv] Para calcular a EVN para a tábua projetada é assumida a tradicional hipótese de distribuição uniforme das mortes ao longo do ano (Promislow, 2011).

[v] Disponível em http://www.atuarios.org.br/noticia/89reforma-previdenciaria, acesso em 29/08/2017.