Artigos
Corrupção no Setor
Público: Agenda de Pesquisa e Principais Debates a Partir da Literatura
Internacional
Public sector
corruption: Research Agenda and Debates from international literature
Corrupción del sector
público: la agenda de investigación y los principales debates de la literatura
internacional
Fábio Jacinto Barreto de Souza
fabiojjsouza@gmail.com
Universidade de
Brasília, Brasil
Suylan de Almeida Midlej
e Silva suylan@unb.br
Universidade de Brasília, Brasil
Adalmir de Oliveira Gomes
adalmirdeoliveira@gmail.com
Universidade de
Brasília, Brasil
Corrupção no Setor Público: Agenda de Pesquisa e Principais
Debates a Partir da Literatura Internacional
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 3, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 27 Novembro 2017
Aprovação: 15 Julho 2018
Publicado: 01 Julho 2019
Resumo:
Este artigo pretende identificar e
discutir como a agenda de pesquisa sobre a corrupção no setor público vem sendo
abordada pela literatura internacional e quais são as questões sobre o fenômeno
que estão no centro do debate acadêmico. Para isso, foram coletados artigos em
duas bases de indexação de artigos científicos (Scopus e Web of Science). Ao
todo foram analisadas 211 produções internacionais, entre artigos teóricos e
empíricos que tratam da corrupção. Os resultados apontam para um campo de
estudo em crescimento, com uma variedade de métodos e técnicas de pesquisa e
com cinco temas centrais (conceito, causas, consequências, formas de se medir e
de se combater a corrupção) que permeiam todos os artigos estudados. Ao final,
o que se conclui é que ainda existe uma considerável agenda de pesquisa sobre o
tema e sobre os cinco tópicos identificados.
Palavras-chave:
Administração
Pública, Corrupção no Setor Público, Revisão Sistemática.
Abstract: This article aims to identify and discuss a research agenda on
corruption in the public sector has been approached in international literature
and how are these themes being addressed in the academia. For this study, we
collected articles in two databases of scientific articles (Scopus and Web of
Science). 211 international productions were analyzed among articles that deal
with the clinical and empirical cover corruption issues. The results point to a
growing field of study, with a variety of research methods and techniques. In
the end, we concluded that there’s still a considerable research agenda on the
topic.
Keywords: Public
Administration, Corruption in the Public Sector, Systematic Review.
Resumen: Este estudio pretende identificar y discutir cómo la agenda de
investigación sobre la corrupción en el sector público viene siendo abordada
por la literatura internacional y cuáles son las cuestiones sobre el fenómeno
que están en el centro del debate académico. Para esto, se recogieron artículos
en dos bases de identificación de artículos científicos (Scopus y Web of
Science). En total se analizaron 211 producciones internacionales entre
artículos teóricos y empíricos que tratan de la corrupción. Los resultados
apuntan a un campo de estudio en crecimiento, con una variedad de métodos y
técnicas de investigación y con cinco temas centrales (concepto, causas,
consecuencias, formas de medir y de combatir la corrupción), que permean todos
los artículos estudiados . Al final lo que se concluye es todavía existe una
considerable agenda de investigación sobre el tema y sobre los cinco tópicos
identificados.
Palabras clave: Administración
Pública, Corrupción en el Sector Público, Revisión Sistemática.
1. Introdução
A corrupção pode significar diferentes coisas em diferentes
contextos. No caso de uma concepção política, ela pode ser representada por
ganhos ilícitos relacionados ao poder político ou à manutenção desse poder. Já
em um contexto econômico, os ganhos podem estar relacionados a ativos
financeiros. A corrupção também pode ser dividida em corrupção privada, que é
quando um agente privado “compra” outros agentes privados para ter acesso a
recursos escassos ou derrubar concorrentes, ou quando pessoas compram ingressos
de um cambista para não terem de enfrentar uma fila. Já no contexto da
Administração Pública, na maior parte dos casos, a corrupção está relacionada
ao uso de cargos públicos para ganhos privados, em que um agente público se
encarrega de realizar algum tipo de tarefa utilizando de má-fé para
enriquecimento privado. O presente estudo trata especificamente desse segundo
tipo de corrupção, que ocorre na esfera pública.
A corrupção no setor público está presente em todos os países,
desde os países desenvolvidos até os países mais pobres do mundo, como será
evidenciado neste estudo (Erlingsson,
Bergh, & Sjölin, 2008). Embora a literatura aponte para uma
predominância do fenômeno em países pobres, sua incidência pode ser igualmente
danosa em países considerados ricos e em desenvolvimento. A desigualdade
social, a evasão de receita, a desaceleração do crescimento econômico e a
consequente falta de recursos para investimentos estão entre as consequências
mais comuns da corrupção, registradas na literatura relacionada ao tema.
Diversos estudos associam a corrupção à evasão de receitas
vindas de taxas tributárias (Joshi
& Ayee, 2009; Rosenbloom
& Gong, 2013; Harbers,
2015; Gong
& Zhou, 2015). Os sistemas tributários da maioria dos países pobres são
caracterizados por ampla corrupção e consequente evasão de receitas tributárias
(Fjeldstad,
2003). Uma dificuldade para se compreender melhor essa relação é que,
segundo Fjeldstad
(2003, p. 167), informações confiáveis sobre corrupção e taxas de evasão
são “obviamente” difíceis de conseguir. A evasão fiscal na Itália em 2012
chegou à soma de 275 bilhões de euros (Esposito
& Ricci, 2015). Como observado, em países onde a carga tributária é
alta e o retorno social das ações governamentais e políticas públicas é
percebido como baixo, a corrupção tende a prosperar. Na Ucrânia, as altas taxas
de impostos fizeram com que os empregadores acabassem pagando aos fiscais uma
taxa para evitar um montante real de impostos devidos à corrupção (Peacock
& Cordner, 2016).
A Commission on the Causes of Corruption in Tanzania identificou
quatro grandes causas para corrupção fiscal naquele país: A intervenção
política de grupos de pressão e organizações; altas taxas de impostos, como no
caso da Ucrânia; uma complicada política de regulação tributária e baixos
salários dos servidores públicos envolvidos nessas questões (Fjeldstad,
2003). Um caso emblemático no Brasil ocorreu no Conselho de Ações e
Recursos Fiscais (CARF), do Ministério da Fazenda: O conselho opera como um
tribunal responsável por julgar em instância administrativa recursos referentes
a questões fiscais. Em 2015 a Polícia Federal deflagrou a Operação Zelotes, na
qual foram indiciados por corrupção diversos membros do conselho, inclusive um
ex-presidente, sob a acusação de vender decisões reduzindo a alíquota de
impostos para grandes grupos econômicos. O prejuízo estimado é de R$19 bilhões
em evasão de receitas.
Diversos problemas permeiam o campo de estudo da corrupção,
como, por exemplo, tributação, zonas de fronteira, policiais, membros do alto
escalão, licitações e contratos, obras públicas e campanhas eleitorais. Essa
diversidade de temas oferece um amplo campo de pesquisa a respeito do fenômeno.
Trata-se de um problema complexo e de uma literatura que precisa se moldar ao
tempo, uma vez que há evidências de que a corrupção vem se transformando
juntamente com a administração pública e a sociedade (Rose-Ackerman,
2002; Klitgaard, 1994). Temas contemporâneos como a governança
participativa já começam a ser estudados como mecanismos que, se por um lado
ampliam a participação democrática, por outro podem abrir espaço para a
corrupção. As organizações que operam em forma de redes, que antes eram
utilizadas por grupos de tráfico de drogas e terroristas, passaram a ser
utilizadas também para lidar com esquemas intercontinentais de corrupção
(Klitgaard, 1994). Além da complexidade e variedade de temas que permeiam esse
tema, algumas questões parecem ser centrais para o estudo do tema. Uma grande
quantidade de autores está reunindo esforços no sentido de se avançar na
compreensão do fenômeno e, embora exista uma ampla literatura internacional
sobre o tema, muitas questões parecem ainda não estar claras e pacificadas na
literatura especializada, tais como o próprio conceito de corrupção, formas de
medi-la, suas causas e suas consequências. Nesse sentido, este estudo tem como
objetivo central identificar e discutir como vem sendo direcionada a agenda de
pesquisa sobre a corrupção no setor público, na literatura internacional em
inglês, e quais são as questões centrais discutidas nessas pesquisas.
Por uma questão de ordem, o presente artigo foi estruturado em
quatro seções. Além desta introdução, há uma seção tratando dos aspectos
metodológicos da pesquisa, outra seção apresentando os resultados e a discussão
sobre os resultados da pesquisa. A seção que trata dos resultados, além de
apresentar uma análise descritiva da produção pesquisada, apresenta como se
chegou aos tópicos centrais que direcionaram a formulação das questões. As
outras subseções tratam consecutivamente dos resultados sobre cada questão
elaborada. Por fim, há uma seção de conclusão e considerações finais.
2. Metodologia
A pesquisa foi dividida em duas fases, uma primeira fase
exploratória sobre a amostra bibliográfica e outra fase que buscou identificar
quais são os temas centrais e como eles são abordados em cada artigo. A
primeira fase teve como objetivo identificar quem são os autores, universidade
de origem, volume de produção no tempo, qualidade da produção (fator JCR),
países mais citados nessas produções, tipo de estudo (empírico ou teórico),
abordagem (qualitativa ou quantitativa), métodos e instrumentos de pesquisa
utilizados nessa literatura. Já na segunda fase, buscou-se elaborar uma síntese
preliminar do tema por meio da busca exploratória de estudos relacionados com o
objeto de pesquisa, desenvolvimento de uma síntese preliminar do material por
meio de descrição textual, exploração das relações entre os estudos, panorama
da produção a respeito dos temas centrais e reflexão crítica e síntese
narrativa da literatura estudada.
Operacionalmente, a coleta de dados objetivou encontrar artigos
que tratavam de corrupção no setor público. Para a coleta dos dados, foram
utilizadas duas bases de indexação de periódicos: Scopus e Web of Science. Não
foram utilizadas outras bases de dados, uma vez que se observou que a
quantidade de resultados, além de muito inferior, se repetia. Os critérios de
busca foram definidos da seguinte forma: conter no título algum termo com o
prefixo “corrup”, porém com restrição nos campos (subject) de conhecimento do
tema Public Administration. Não houve nenhum critério de exclusão referente à
data de publicação dos periódicos. A busca por títulos retornou 125 artigos na base
Web of Science e 97 artigos na base Scopus. Embora não tenha havido delimitação
de busca quanto ao período de publicação dos artigos, observou-se que o
primeiro artigo data do ano de 1989 e o último, de 2017.
Os artigos foram extraídos em sua íntegra e organizados em um
repositório. Os registros duplicados foram removidos e os dados inconsistentes
e ausentes foram corrigidos por procedimento manual. Após todos os
procedimentos, a amostra final foi composta por 211 artigos. Também se extraiu
dos resultados da busca os metadados dos artigos pesquisados disponíveis para
download na própria base indexadora.
Os dados foram estruturados em duas bases de dados, a primeira
base (B1) está relacionada à primeira fase da pesquisa e foi construída a
partir dos metadados extraídos dos próprios artigos, das bases de dados
pesquisadas (Scopus e WoS – Web of Science). Acrescentou-se a essa base (B1) os
dados do fator JCR (Journal Citation Reports) de cada periódico. A segunda base
de dados foi elaborada com objetivo de dar suporte à segunda fase da pesquisa e
continha os artigos em sua íntegra. Nesse caso, os artigos foram organizados e
estruturados em uma base de dados para uso do software Atlas TI v. 7.5.
A análise qualitativa dos dados foi realizada com suporte do referido
software. O tipo de análise de dados pode ser considerado como
Computer-Assisted Qualitative Data Analysis Software (CAQDAS). Para tanto,
foram criadas famílias de códigos identificadas na leitura exploratória dos
textos, que como produto denominou-se nesse estudo de “temas centrais”. Esses
códigos foram associados aos trechos de texto que continham os assuntos
relacionados ao tópico. O software teve papel importante em marcar os trechos,
associar aos códigos e gerar os relatórios para que fossem feitas as análises.
A partir das análises foram feitas uma reflexão crítica e uma síntese do
material encontrado. Especificamente utilizou-se a técnica CAQDAS proposta por Friese
(2014), denominada NCT (Notice Things, Collecting Things, Trinking about
Things). A técnica parte de uma leitura inicial onde são tomadas notas sobre
achados (no software) e, assim, começa-se a criar códigos semânticos também em
sua plataforma. Com o avanço da pesquisa, os códigos são relacionados a
partes/marcações nos artigos e vão sendo refinados e consolidados. Por exemplo,
se de início são elaborados três códigos a partir da leitura: a. Falta de
Regulamentação, b. Fragilidade Institucional, c. Baixa Remuneração, ao final,
esses códigos podem ser associados a um outro código chamado “Causas da
Corrupção”. No início os códigos não desempenham um papel de análise apenas de
organização mas, com a sequência da pesquisa e marcações, os códigos vão
ganhando significado. Em seguida as “coisas” encontradas são filtradas, e
organizadas a partir dos códigos (Collecting Things), depois inicia-se o
processo de geração de relatórios a partir do software e análise por parte do pesquisador
(Thinking about Things). Segundo a autora, o método pode ser utilizado sempre
que se precisa descobrir padrões, processos, sequências ou tipologias. Ao final
da pesquisa, a estrutura de análise qualitativa foi formada por seis códigos ou
famílias de códigos com os temas centrais.
3. Resultados da Pesquisa
As seções seguintes foram construídas de forma a apresentar um
panorama da literatura pesquisada e, em seguida, abordar os resultados e
discussão de cada tópico direcionador. Como observado anteriormente, foram
identificados cinco grandes tópicos nos quais o tema Corrupção na Administração
Pública é debatido: (a) conceito de corrupção, (b) causas da corrupção, (c)
consequências da corrupção, (d) medidas de corrupção, e (e) prevenção e combate
à corrupção. Nesse sentido, a revisão da literatura observará essa sequência
lógica para se discutir o tema. Obviamente não se busca esgotar o tema ou
cobrir todo o conteúdo, mas sim situar o leitor em relação ao que vem sendo
discutido sobre corrupção na Administração Pública.
3.1.
Análise Descritiva da Literatura
Considerando toda a amostra de pesquisa, ao todo foram
encontrados registros de produção em 63 países. Dos 211 artigos, 35 são de
autores que atuam em instituições americanas, 20 de autores da China, 18 da
Austrália, 16 da Inglaterra e 15 de autores de instituições da Rússia, Canadá e
Escócia. Entre as universidades, foi observada concentração significativa de
estudos apenas na China, onde 50% (10 artigos) da amostra daquele país foi
produzida pela Universidade da Cidade de Hong Kong, sendo seis deles do mesmo
autor (Gong
T. , 2011; Gong
T. , 2009; Gong
& Wu, 2012; Gong
& Wu, 2012; Gong
& Zhou, 2015; Gong,
Wang, & Ren, 2015)
Quanto ao volume de produção, é possível identificar um
crescente aumento ao longo do tempo, sobretudo quando considerados os primeiros
anos, como se observa na Figura
1. É possível notar que a partir de 2008 houve um aumento considerável na
quantidade de publicações, passando de 9 em 2007 para 25 em 2012. Isso indica
que o tema tem atraído cada vez mais a atenção de pesquisadores, do modo que é
possível esperar o aumento dos estudos nos próximos anos.
No que se refere à qualidade acadêmica da produção a respeito da
corrupção na Administração Pública, considerando o fator de impacto (JRC) dos
artigos, a Tabela
1 detalha os resultados encontrados. Grande parte da produção encontrada
possui fator de impacto entre 0,02 e 0,94, sendo que apenas 17 artigos apresentavam
fator equivalente a zero. Quanto aos periódicos, foram encontradas
concentrações em apenas dois: Internacional Journal of Policy Administration
and Institutions (n=12; JCR=3,42), e Public Administration Review (n=10; JCR
=2,64).
Faixa (Fator JCR) |
Média (JCR) |
Desvio (s) |
Quantidade de Artigos |
2,64 – 3,89 |
3,02 |
0,39 |
26 |
1,07 – 1,98 |
1,43 |
0,32 |
32 |
0,02 – 0,94 |
0,68 |
0,24 |
136 |
0 |
- |
- |
17 |
Com base nos aspectos regionais, a análise quantitativa buscou,
ainda, identificar os países que tiveram mais citações dentro da amostra,
considerando para isso a quantidade de incidências por artigo, ou seja, se o
país foi muito citado e se esse número de citações está concentrado em poucos
ou muitos artigos. A
Figura 2 mostra a dispersão entre a quantidade de citações (eixo X) e a
quantidade de incidências (eixo Y). Como se observa, a China (1.148; 63),
embora seja um país muito citado, há uma concentração dessas citações em uma
quantidade relativamente pequena de periódicos, quando observada a amostra
total do estudo (211 artigos). Por outro lado, os Estados Unidos (391; 97) são
citados em diversos artigos. Austrália, Índia, Rússia, Alemanha, Singapura,
Japão, França e Uganda também são países com bastante incidência de relatos.
A análise inicial permite questionar os motivos pelos quais
esses países são tão citados. No caso da China, 14 artigos tratam
especificamente daquele país (Gong
T. , 2009;
Li, Xiao, & Gong, 2015; Deng,
Wang, Zhang, Huang, & Cui, 2014; Ke,
Wang, & Chan, 2013; Rosenbloom
& Gong, 2013; Gong
T. , 2011; Gong
& Zhou, 2015; Chang
& Kerr, 2017) (Chan
& Ma, 2011; Yang,
2009;
Gong, Wang, & Ren, 2015; Tsao
& Worthley, 1996; Cheung,
2012; Lin,
1995; Zhu
& Jiao, 2012). Dentre esses estudos, onze tratam principalmente de
quais mecanismos o país tem adotado para lidar com a corrupção. Estudos de caso
a respeito da situação peculiar de Hong Kong também são incidentes na amostra,
com artigos que tratam, em sua maioria, de experiências de combate à corrupção.
Ao contrário do que foi observado na China, apenas três artigos
tratam especificamente do fenômeno da corrupção nos Estados Unidos. O artigo de
Johnston et. al. (2012) aborda medidas para controlar a corrupção nos
Estados Unidos, enquanto o artigo de Dincer
e Gunalp, (2012) trata dos efeitos da corrupção, sobretudo considerando a
desigualdade. Por sua vez, o artigo de Cordis
e Milyo (2016) traz uma crítica às fontes de dados disponibilizadas pelo
Governo Americano, que dificultam estudos e a transparência no combate à
corrupção.
Quanto ao tipo de pesquisa, há predominância de estudos
empíricos, com 128 ocorrências, enquanto 83 artigos são teóricos. Com relação
aos trabalhos empíricos, foram encontrados 42 com abordagem quantitativa, 55
com abordagem qualitativa e 9 artigos com abordagem quali-quanti. Os estudos
qualitativos, em sua maioria, utilizaram entrevistas (39), grupo focal (17) e
pesquisa documental. As entrevistas foram conduzidas com agentes públicos;
investigadores; burocratas de rua, como policiais, e até com integrantes do
alto escalão dos governos, além de cidadãos e agentes privados, tais como os
empresários (Peacock
& Cordner, 2016;
Zhu & Jiao, 2012; Lin,
1995;
Kopytko, 2016; Chen,
Li, & Wang, 2010; Gong
& Zhou, 2015) O estudo de Jancsics
e Jávór (2012), por exemplo, realizou 45 entrevistas com membros de
diversas organizações de Budapeste, na Hungria, que estiveram envolvidos em
esquemas de corrupção. O estudo de Škrbec
& Dobovšek (2013) envolveu uma série de agentes públicos, sendo que, ao
todo, foram conduzidas 45 entrevistas com diferentes agentes envolvidos com o
tema corrupção na Eslovênia: policiais, juízes, promotores de justiça,
professores e pesquisadores, representantes de agências de combate à corrupção,
jornalistas e membros de órgãos de controle do governo.
Entre os métodos envolvendo análise qualitativa, destaca-se a
técnica de grupo focal, utilizada em pesquisas exploratórias em diversas
localidades, mas sem necessariamente realizar uma análise comparativa (Forgia,
Raha, Shaik, Maheshwari, & Ali, 2015; Grimes
& Wangnerud, 2010; Gong
& Zhou, 2015; Walton,
2013; Grodeland,
Koshechkina, & Miller, 1997). Quando o objetivo era identificar a
percepção dos cidadãos e/ou de determinada comunidade, ou realizar estudos
comparativos, os pesquisadores fizeram opção pelo survey. O recurso foi
utilizado em 75 estudos. Quando o método não foi aplicado empiricamente (survey
methodology), os autores utilizaram dados de outros surveys. Os dados da
Transparência Internacional (Corruption Perceptions Index – CPI), por exemplo,
foram utilizados em 40 artigos (Zhu
& Jiao, 2012; Yeboah-Assiamah,
Asamoah, Bawole, & Musah-Surugu, 2016; Walker,
Brewer, Bozeman, Moon, & Wu, 2013; Gong
T. , 2011; Villoria,
Ryzin, & Lavena, 2013). Os estudos envolvendo surveys apresentam
características de análise quantitativa e o uso de estatística inferencial e
multivariada (Gong,
Wang, & Ren, 2015; Villoria,
Ryzin, & Lavena, 2013; Kim,
2010).
Ainda quanto ao uso do grupo focal, Grodeland,
Koshechkina e Miller (1997), por exemplo, conduziram um estudo com a
realização de 26 grupos focais em quatro países diferentes: Ucrânia, Bulgária,
Eslováquia e República Checa. Os autores buscaram identificar os casos e, na
visão dos membros do grupo, o que pode ser feito para prevenir e combater a
corrupção. A pesquisa envolveu pessoas com alta e baixa educação, minorias
étnicas, moradores de vilas, pequenas cidades e cidades de médio porte. Em
Papua Nova Guiné, no estudo realizado por Walton
(2013), foram conduzidos 16 grupos focais em quatro províncias, sendo que
em cada província foram visitadas duas vilas. O objetivo foi identificar as
consequências da corrupção em nível local e, para isso, o autor selecionou em
cada província uma vila com difícil acesso a serviços públicos e outra com
projetos de desenvolvimento em andamento. Para formação do grupo focal, o autor
selecionou pessoas com diferentes níveis de educação de diferentes idades e de
ambos os sexos.
A pesquisa documental também é um método bastante utilizado, com
a instrumentação de informações provenientes de relatórios de agências,
documentos oficiais do governo, leis e regulamentos, documentos policiais e
reportagens jornalísticas. A pesquisa documental pode ser bastante útil quando
não se tem muito acesso a membros do governo ou dados oficiais. Em estudo no
Paquistão, Islam
(2004) utilizou documentos oficiais de jornais e revistas para relacionar
fenômenos como a corrupção, o nepotismo e a diferença entre sexos na cultura
histórica daquele país.
Os dados secundários mais referenciados nos estudos que
realizaram pesquisa documental, considerando toda amostra da pesquisa, foram os
seguintes: (a) Published Documents, Media Reports; (b) Official Documents,
Newspaper Reports; e (c) Police Documents, unpublished documents (Gong
& Zhou, 2015; Cobarzan,
Dragos, & Neamtu, 2008; Peisakhin
& Pinto, 2010; Peacock
& Cordner, 2016; Tessema,
Soeters, & Ngoma, 2009) .
3.1
Conceitos de corrupção
Esta seção busca apresentar um panorama do conceito de
corrupção, conforme relatado na literatura internacional em estudo. Ou seja, de
que maneira o conceito de corrupção vem sendo definido e suas implicações para
a prática e para a abordagem científica do tema. É importante observar que
práticas como a designação de parentes para exercerem cargos públicos (nepotismo),
a troca de favores com fins de se obter benefícios próprios (clientelismo) e a
confusão entre o patrimônio público e o privado (patrimonialismo), embora
possam gerar fragilidades institucionais que podem favorecer a corrupção, não
podem ser confundidos com corrupção propriamente dita, pois tratam de conceitos
diferentes, como será observado nas próximas linhas.
No que se refere especificamente ao conceito de corrupção,
trata-se de um fenômeno complexo, em relação ao qual qualquer definição será
limitada, passível de ambiguidades e dependerá do contexto social em que se
pretende defini-lo. A corrupção é um fenômeno em constante mudança, seu
conceito é definido de acordo com interesses pessoais, valores culturais e
socioeconômicos de determinada sociedade. Pode haver tipos de corrupção que são
socialmente aceitos e outros inaceitáveis e, portanto, criminalizados (Roman
& Miller, 2014;
Yeboah-Assiamah, Asamoah, Bawole, & Musah-Surugu, 2016; Graycar,
2015).
Uma definição que, apesar de ser bastante ampla, encaixa-se em
diversos casos e, por isso, oferece uma base comparativa, além de ser
independente de definição legal, pode ser representada no seguinte conceito:
abuso de poder público em favor de interesse privado para ganhos ilícitos (Rose-Ackerman,
2002; Mashali,
2012; Andersson,
2017; Dincer
& Guinalp, 2012). Esse conceito tem sido utilizado na literatura
principalmente para tratar de aspectos políticos nos governos, como, por
exemplo, quando ocorrem atos de corrupção para beneficiar partidos políticos.
Nesse conceito, em resumo, o que se observa é que a corrupção pública opera na
interface entre os setores públicos e privados, em favor de ganhos privados em
detrimento do interesse público (Rose-Ackerman,
2002).
As definições que relacionam poder público e ganhos privados
abrem o campo de discussão para diferentes tipos de corrupção e, segundo Anderson
(2017), fazem a ligação entre os diferentes tipos de corrupção e a
definição legal e social da questão. A definição é suficientemente ampla para
incluir suborno e favoritismo como abuso de poder público para favorecimento de
familiares, amigos ou parceiros, desvios e fraudes, como ganhos privados
indevidos de organizações ou de cidadãos por enganar os outros ou desrespeitar
as responsabilidades profissionais e conflito de interesse. Para Anderson
(2017), esse conceito é suficientemente amplo para permitir a comparação
entre diferentes esferas, tais como executivo, legislativo e judiciário,
governo federal e governos locais e entre diferentes países.
3.2
Causas da Corrupção
A corrupção pode assumir diversas formas e, como observado
anteriormente, essas formas também são contextuais. Exemplo disso é o caso do
nepotismo, que não é visto como corrupção em alguns países. Todavia, na maioria
dos casos, as formas mais comuns de corrupção envolvem aceitar dinheiro e
outras recompensas para concessão de benefícios, como, por exemplo, fechamento
de contratos; violação de procedimentos formais para promover interesses
pessoais; recebimento de propina de empresas, atores privados, outros países ou
organismos internacionais; intervenções em processos judiciais com vista a
ganhos pessoais; nepotismo; roubo; superfaturamento; cobrança ou não cobrança
de tributos de forma ilegal, além de diversos tipos de fraude.
Nesse aspecto, chama atenção o estudo realizado por Mashali
(2012), em que a autora debate duas formas de corrupção e suas correlações:
“pequena e grande corrupção”. Em estudo realizado no Irã, essa mesma autora, por
meio da realização de 30 entrevistas e análise quantitativa de dados, observou
que, quanto maior a percepção de corrupção em grande escala, maior é a
corrupção em pequena escala (b = 0.942; t = 134.114; p < .001). De acordo
com a pesquisa, a pequena corrupção envolve a troca de pequenas quantias e
favores entre agentes, geralmente envolvendo agentes públicos que não ocupam
posições no alto escalão dos governos, como, por exemplo, policiais e
burocratas de rua. Por outro lado, a grande corrupção envolve agentes que atuam
no alto escalão do governo (Mashali,
2012). O estudo traz outras questões a serem debatidas, tais como: a partir
do momento em que a cúpula se contamina pela corrupção, os outros escalões vão
se contaminando também? Há um movimento top-down da corrupção? Esse movimento
poderia estar sendo formado por redes que se ligam do topo até ao baixo
escalão? Obviamente, outros estudos empíricos em outros contextos seriam
necessários para responder a essas perguntas.
Já o estudo de Nickson
& Lambert (2002) relata um alto nível de corrupção institucionalizada
no Paraguai, cujas causas remontam às reformas dos anos de 1954 e 1989, nos
quais o governo paraguaio empreendeu um grande processo de abertura econômica
do país. Nesse período, segundo os autores, o governo encorajou e foi tolerante
com a corrupção, pois essa era a forma de ligar elites e funcionários públicos
ao regime político vigente, já que os ganhos dos agentes por meio da corrupção
garantiam a lealdade ao regime, ao mesmo tempo que não representavam impacto financeiro
no orçamento público daquele país.
As reformas vêm sendo um tema bastante debatido na literatura.
As reformas neoliberais têm sido associadas à incidência da corrupção,
sobretudo quando se debate o tema privatização. Nesse sentido, reformas mais
recentes como as ocorridas na Ucrânia, na Geórgia, na China e na Indonésia, são
citadas como ponto de partida para o combate e a prevenção da corrupção (Nickson
& Lambert, 2002; Gong
T. , 2011; Zhu
& Jiao, 2012;
Peacock & Cordner, 2016; Jun,
Wang, & Wang, 2014). As reformas apresentadas nessas publicações são
entendidas de forma ampla e contextual e alguns termos são recorrentes, tais
como: reforma da nova administração pública (New Public Management – NPM),
reformas neoliberais, reforma política e reforma da polícia (Pillay,
2008;
Zhu & Jiao, 2012; Schütte,
2012; Peacock
& Cordner, 2016). Como exemplo de estudo que relaciona reformas e
corrupção, Aziz
(1999) investigou a reforma econômica ocorrida na Malásia em 1969. Essa
reforma criou dezenas de instituições públicas, porém a ausência de um
mecanismo central de coordenação para essas instituições, além de criar amplos
poderes discricionários, fez com que a corrupção se espalhasse no país (Aziz,
1999).
Em grande parte dos estudos revisados o foco dos autores não
necessariamente está relacionado à questão e/ou ao objeto da reforma, mas sim
às mudanças institucionais causadas e seus mecanismos relacionados ao combate,
prevenção ou à tolerância da corrupção, independente de qual seja a reforma e
seus propósitos. A discussão a respeito das mudanças e as maneiras como as
reformas lidaram com a prevenção e o combate à corrupção será novamente
abordada no tópico que trata do combate à corrupção.
3.3
Consequências da corrupção
Além da evasão de receitas tributárias, já mencionada
anteriormente, a corrupção pode trazer diversas consequências negativas para os
países. Em alguns estudos o desenvolvimento econômico e a corrupção estão
relacionados de forma inversamente proporcional (Gong,
Wang, & Ren, 2015; Paolo,
1995; Dincer
& Guinalp, 2012), ou seja, quanto mais corrupção, menos
desenvolvimento. Aparentemente os efeitos da corrupção no desenvolvimento
econômico parecem ser bastante profundos (Villoria,
Ryzin, & Lavena, 2013).
Diversos estudos mencionam ou tratam do paradoxo da corrupção e
o desenvolvimento econômico dos países (Paolo,
1995; Yang,
2009; Andrei,
Matei, Tuşa, & Nedelcu, 2009). Para
Yang (2009), por exemplo, um dos grandes desafios da China em sua transição
para uma economia de mercado é o conflito existente entre o desenvolvimento
econômico e a luta contra a corrupção. No mesmo sentido, um desafio enfrentado
pela Coreia do Sul é responder aos problemas que envolvem o desenvolvimento
econômico sustentável em nível local e o combate à corrupção política (Kim,
2010). Em artigo que trata dos desafios e oportunidades do combate à
corrupção na Nigéria, Idemudia,
Gragg e Best (2010) afirmam que o suborno e a corrupção em larga escala
aumentam os custos e os riscos de se fazer negócios, enfraquecendo as normas
sociais, dificultando a cooperação, minando as instituições e,
consequentemente, gerando um desenvolvimento econômico deficiente. Esses mesmos
autores tratam da região do delta na Nigéria, uma região rica em produção de
petróleo. É importante notar que não foi encontrado nenhum estudo empírico
capaz de identificar quais seriam os mecanismos que levariam ao desequilíbrio
econômico.
Todavia, a discussão a respeito da relação entre o
desenvolvimento econômico e a corrupção vai além do paradoxo aparente. Rose-Ackerman
(2002) afirma que em alguns países, como Indonésia, Tailândia e Coreia do
Sul, a corrupção e o crescimento econômico caminharam lado a lado. Segundo Erlingsson,
Bergh e Sjölin (2008), apesar de estudos mostrarem um efeito negativo da
corrupção no desenvolvimento econômico e uma consequente desaceleração no grau
de modernização dos países, em alguns casos a corrupção pode explicar o aumento
nos níveis de modernização dos países, sobretudo em países pobres. Nesse
sentido, de maneira surpreendente, a corrupção tem sido observada de maneira
positiva. Os argumentos giram em torno da capacidade de a corrupção
‘lubrificar’ as burocracias, pois, considerando que as regras serão
corrompidas, alocar recursos de maneira mais eficiente depende de práticas de
corrupção, uma vez que muitos empreendimentos não sairiam do papel se não fosse
por essa via (Rose-Ackerman,
2002; Gong,
Wang, & Ren, 2015; Walton,
2013).
Por outro lado, se as pessoas passam a ver o lado positivo da
corrupção, podem passar a adotar atitudes mais tolerantes em relação a
determinadas práticas, como, por exemplo, o suborno. Assim, as pessoas podem
entender que essas práticas não são prejudiciais para o interesse público, uma
vez que elas passam a justificar o uso de meios ilícitos como uma forma de
lidar com a arbitrariedade das regras e as regulações governamentais (Gong,
Wang, & Ren, 2015). No estudo de Gong,
Wang e Ren (2015), os autores sustentam a hipótese de que quanto mais as
pessoas veem os benefícios da corrupção, mais tolerantes elas se tornam e,
consequentemente, mais resistentes para lutar contra a corrupção. Tais estudos
podem levantar debates ainda não resolvidos, tais como a avaliação do custo
benefício em se combater a corrupção e se de fato a corrupção pode trazer algum
benefício para governos e sociedades.
Apesar de não se poder comprovar que a corrupção traga algum
tipo de benefício para governos e sociedades, os argumentos contrários parecem
ser significativamente relevantes no que se refere aos efeitos da corrupção.
Mesmo que a corrupção seja benéfica, até determinado ponto a sua tolerância ao
longo do tempo pode levar à captura do Estado e os desvios acabam superando os
supostos benefícios. Todavia, é importante ressaltar que a eficiência econômica
não é a única meta a ser almejada pelos países. A corrupção pode gerar
distorções na distribuição de renda, minar a estabilidade política de um país e
até mesmo afastar investimentos externos e interno. A corrupção também pode
comprometer a alocação de recursos públicos e gerar descrédito da população em
relação à atividade política do país (Rose-Ackerman,
2002; Cordis
& Milyo, 2016; Villoria,
Ryzin, & Lavena, 2013)
3.4
Formas de medir a corrupção
Como já apresentado, os indicadores mais utilizados de corrupção
são o Transparency International’s Corruption Perceptions Index (CPI), da
organização Transparência Internacional e o The World Bank’s Worldwide
Governance Indicators, do Banco Mundial. As medidas comparativas de corrupção,
sobretudo internacionais, enfrentam problemas técnicos já bem conhecidos,
principalmente em relação aos critérios de validade científica. Alguns índices
não consideram, por exemplo, o suborno como manifestação da corrupção. Além
disso, de acordo com o conceito de corrupção adotado, algumas atividades
exercidas por membros do Poder Legislativo podem não ser consideradas ilícitas,
enquanto no Poder Executivo as mesmas atividades podem ser consideradas
corrupção.
Os cidadãos de países diferentes podem ter diferentes visões a
respeito do fenômeno da corrupção (Andersson,
2017). Em estudos qualitativos, o entrevistado pode relacionar a corrupção
aos mais diversos conceitos, distorcendo, assim, os resultados dos estudos, ou
associando o que é ou o que não é corrupção ao contexto de seu país, conforme será
discutido posteriormente. Dessa forma, os resultados se baseiam em julgamentos
subjetivos que retratam a percepção do cidadão a respeito da corrupção em
determinado contexto (Rose-Ackerman,
2002; Andersson,
2017). Em resumo, pode-se dizer que não existem dados muito confiáveis em
relação à amplitude da corrupção em países diferentes.
Em estudo conduzido em duas cidades da China, Gong,
Wang, & Ren (2015) encontraram significativas diferenças na
interpretação do termo corrupção entre os entrevistados de Hong Kong e os
entrevistados da China Continental. Em uma escala de 0-12, em média, os
entrevistados de Hong Kong tiveram mais facilidade em identificar a corrupção
com uma forma de abuso de poder público (x = 10.5; SD = 1.8) do que identificar
a corrupção como um desvio de ética no setor privado (x = 8; SD = 2.1). Já na
China Continental, segundo os autores, os entrevistados apresentaram uma visão
muito mais ampla de corrupção e associaram-na de maneira mais significativa a
abusos de profissionais privados (x = 10.1; SD = 1.9) do que ao abuso de poder
público (x = 9.1, SD = 2.4). Para os autores, essas diferenças podem estar
associadas à interpretação que os moradores de Hong Kong dão ao suborno e ao
abuso de poder público, em decorrência da legislação vigente e do programa de
conscientização contra a corrupção. Por outro lado, a corrupção é menos
definida na China Continental, pois abrange não somente a violação de regras
oficiais, mas também a má conduta moral (Gong,
Wang, & Ren, 2015). Esse estudo mostra a dificuldade de se empreender
estudos comparativos considerando a percepção dos entrevistados.
O nível de análise também é um problema a ser considerado, pois
ele pode variar de acordo com o conceito de corrupção adotado. Por exemplo,
algumas atividades exercidas por membros do Poder Legislativo podem não ser
consideradas ilícitas, enquanto no Poder Executivo de um mesmo país as mesmas
atividades podem ser consideradas ilícitas. Quando se trata dos índices
citados, diversos atores são considerados em nível nacional, como partidos
políticos, parlamentares, atores do setor privado, mídia, educação, religião,
autoridades fiscais e financeiras, polícia, órgãos de registro e permissões e o
Poder Judiciário. Porém, segundo Andersson
(2017), esses índices não consideram a distribuição geográfica em nível
local. Esse mesmo autor mostra que na Suécia os dados a respeito da corrupção
nos governos federal, estadual e local são bem diferentes quando comparados aos
dados globais, pois a maioria dos índices de corrupção não define o que seria e
o que não seria corrupção.
Como se observa, as tentativas de medir a corrupção na
Administração Pública encontram diversos desafios metodológicos, sobretudo
porque é difícil medir algo que não pode ser observado diretamente (Graycar,
2015; Pashev,
2011). Além disso, em muitos países, há dificuldades em se conseguir
relatórios oficiais e dados públicos. Por isso, uma das formas de se realizar
estudos comparativos entre países é criar índices subjetivos (Cordis
& Milyo, 2016).
Outros indicadores tentam, além da percepção, identificar
evidências de corrupção ou de fragilidades institucionais que podem levar à
corrupção. Esses indicadores não estão diretamente ligados a taxas ou índices
de corrupção, mas sim a mecanismos de combate à corrupção. Um deles é o
Governance Matter, do World Bank Institute, que é um indicador agregado que
trata de diversas dimensões de governança, sendo que uma das dimensões
consideradas diz respeito aos mecanismos de controle da corrupção. Outro
indicador é o Anti-corruption Mechanisms, da Organisation for Economic
Co-operation and Development (OECD). O indicador é baseado na busca de
evidências sobre os mecanismos de combate à corrupção (Head,
2012). Em um estudo a respeito da melhoria do processo orçamentário no
Afeganistão, Gunn
e Straussman (2015), apresentam os índices Fragile States Index , do The
Fund for Peace (FFP), e o Open Budget Index, do International Budget
Partnership (IBP). O primeiro é um índice anual baseado em indicadores de
risco, elaborados a partir de diversos relatórios e artigos científicos, e o
segundo é um indicador baseado na transparência orçamentária do país, que
avalia oito documentos-chave para o orçamento público e se eles estão sendo
disponibilizados dentro do prazo e de acordo com as normas internacionais em
115 países do mundo.
Pode-se afirmar que cada índice conta uma história e, dessa
forma, os indicadores simplificam conceitos complexos como corrupção e
governança. Outras formas de se medir a corrupção vêm sendo abordadas pela
literatura, no entanto, esses indicadores alternativos vêm sendo usados com uma
abordagem diferente dos principais indicadores apresentados. Geralmente, os
estudos com os indicadores alternativos não buscam uma ampla comparação entre
países, apenas medir questões pontuais em relação à corrupção. Nesse sentido,
tenta-se medir a incidência de corrupção com base em reportagens e notícias em
jornais e revistas, relatórios e casos reportados por autoridades e
organizações de combate à corrupção e levantamento de campo, inclusive por meio
de observação.
Também tem-se tentado medir a corrupção por meio de dados penais
obtidos junto às organizações de polícia ou do Judiciário (Dincer
& Guinalp, 2012; Guinn
& Straussman, 2016; Bolcha
& Rovný, 2016; Cordis
& Milyo, 2016). Uma consideração igualmente importante é que os
resultados ex-post só mostram os casos em que de fato os corruptos foram presos
e não passam uma medida da amplitude da corrupção. Uma das vantagens é que o
indicador pode mostrar casos atuais de corrupção, que permitem estudar novos
casos e novas formas que a corrupção pode assumir.
Além disso, nem sempre dados oficiais e não publicados estão
disponíveis e o governo de muitos países pode se negar a fornecer os dados
secundários também. Na República Checa, Bolcha
e Rovný (2015) desenvolveram um método para levantamento de dados em campo
voltado para identificar níveis de corrupção nos registros de carros, uma vez
que as autoridades se mostraram relutantes em fornecer os dados oficiais para
os pesquisadores. Como recurso à falta de dados oficiais, os pesquisadores
foram para uma praça movimentada de Praga e anotaram os dados dos veículos que
passavam.
Outro aspecto igualmente relevante é que nem sempre os dados
oficiais são confiáveis. Cordis
e Milyo (2016) mostram que os dados elaborados pela seção de integridade
pública (PIN) do Departamento de Justiça americano, que são amplamente
utilizados pela comunidade acadêmica, apresentam diversas fragilidades quando
utilizados para medir taxas de corrupção. Entre outros problemas, os dados
incluem como corrupção atos de improbidade administrativa que nem sempre são
enquadrados na lei como corrupção. Segundo Cordis
e Milyo (2016), o registro “corrupção oficial” é a designação para qualquer
processo em tribunal federal de funcionários públicos federais, estaduais ou
locais por má conduta oficial ou mau uso do cargo, que não necessariamente se
enquadram em casos de corrupção.
3.5
Prevenção e combate à corrupção
Grade parte dos artigos estudados trata de reformas e combate à corrupção,
enquanto outros salientam o conceito de prevenção da corrupção e não seu
combate. Ao que parece, são abordagens complementares e que fazem bastante
sentido. Esta seção aborda dois dos principais debates a respeito da prevenção
e do combate à corrupção.
Foi observado que as reformas parecem ser a chave para adoção de
modelos de combate e prevenção à corrupção (Kickert,
2011). É importante observar que essa perspectiva leva a uma visão pouco
incremental do processo, o que pode não ser tão realista. Todavia, não se pode
descartar a capacidade de essas reformas gerarem significativas mudanças
institucionais no que se refere ao combate, prevenção e/ou tolerância à
corrupção. O que se tem chamado de reformas nessa literatura diz respeito a uma
série de movimentos que muitas vezes não estão ligados diretamente à corrupção,
tais como as reformas administrativas empreendidas por diversos países na
década de 1980 e 1990, conhecidas como reformas neoliberais ou reformas
gerenciais, como aquelas ocorridas no Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia,
Estados Unidos, Vietnã, Grécia, Itália, Portugal, Espanha e em outros países (Gregory,
1999; Therkildsen,
2000; Painter,
2003; Kickert,
2011).
Outros tipos de reformas também são importantes na prevenção e
combate à corrupção, como as reformas do sistema judicial na Bulgária (Frison-Roche
& Sodev, 2005), a reforma da polícia na Ucrânia (Peacock
& Cordner, 2016) e a reforma no sistema de compras da Turquia (Ayhan
& Üstüner, 2015). Outros tipos de reformas igualmente referenciadas na
literatura dizem respeito ao combate e prevenção da corrupção, denominadas de
Anti-Corruption Reforms (Schütte,
2012; Gong,
Wang, & Ren, 2015; Gillespie,
Girgis, & Mayer, 1996). Especificamente quanto à recente reforma da
Ucrânia (2014), dois mecanismos de pressão podem ser observados para que ações
de combate à corrupção fossem implementadas. Primeiro, a necessidade de
aumentar as parcerias comerciais com os países da Europa e segundo, o
empoderamento dos ativistas para exercer o controle externo das organizações
(watchdogs). As reformas anticorrupção promovidas em Gana, em 1986, também
foram associadas ao aumento de receita e redução da corrupção, com esse aumento
relacionado à redução da evasão tributária, como já discutido anteriormente (Joshi
& Ayee, 2009).
O termo watchdog (“cão de guarda” em inglês) tem sido usado para
denominar diversos atores ligados ao combate à corrupção. Exemplos de watchdogs
são as agências de combate à corrupção, organizações não governamentais (como,
por exemplo, as Audit Initiative, no Vietnã), ouvidorias, ativistas e outros
membros da sociedade, órgãos de controle, judiciário, agências reguladoras, e a
mídia (Gong
T. , 2009; Jiménez
& Quesada, 2012; Jancsics
& Jávor, 2012; Vian,
Brinkerhoff, Feeley, Salomon, & Vien, 2012; Peacock
& Cordner, 2016). Especificamente quanto às agências governamentais de
combate à corrupção, é possível encontrar diversos tipos de agências, com
diversos modelos de autonomia, modo de operar e papéis no combate à corrupção.
Como exemplo de agências que atuam como watchdogs, pode-se citar
os casos da Tanzânia, Austrália e China. Na Tanzânia, foi criada a Commission
on the Causes of Corruption, uma agência que realiza diversos estudos no
sentido de se identificar as prováveis causas da corrupção. Na Austrália, foi
criada a Government Investigations and Compliance, que opera na forma de um
watchdog em nível local (Fjeldstad,
2003; Masters
& Graycar, 2016). No caso da China, especificamente em Hong Kong, foi
criada a Independent Commission against Corruption (ICAC), à qual a literatura
do país credita considerável sucesso no controle da corrupção (Gong,
Wang, & Ren, 2015; Doig,
Watt, & Williams, 2006). Na China Continental, a primeira agência data
de 1980, a Discipline Inspection Committees of the Chinese Communist Party.
Interessante notar que na China a postura das agências de combate à corrupção
têm priorizado a atuação preventiva em vez das ações repressivas. Como
resultado disso, os termos relacionados ao “combate à corrupção” foram mudados
para “prevenção” e “anticorrupção” (GONG,
2011). Como se observa, existem diversos tipos de agências e funções para
essas agências no combate à corrupção.
Além das agências, outro mecanismo significativamente importante
para o combate à corrupção é a transparência. Em estudo a respeito do
Afeganistão, Gunn
e Straussman (2015) descrevem como os investidores/doadores forçam o
governo a adotar medidas de transparência que, consequentemente, contribuem
para lidar com a corrupção. Uma contribuição interessante que esse artigo traz
para o debate é a relação da dependência orçamentária e o grau de
transparência. Segundo esses mesmos autores, embora existam estudos
relacionando inversamente dependência orçamentária e transparência financeira,
acredita-se que, no caso do Afeganistão, a relação observada é diretamente proporcional,
e o que faz com que os indicadores de transparência melhorem é a pressão
imposta por investidores e doadores internacionais.
4. Considerações Finais
Considerando a proposta deste estudo, pode-se afirmar que os
objetivos foram atingidos ao realizar-se o mapeamento da literatura
internacional em língua inglesa sobre o tema, como a agenda de pesquisa está
sendo direcionada dentro dessa literatura e os principais temas abordados
nesses estudos. Nesse sentido, pode-se observar que os resultados encontrados
apontam para uma agenda de pesquisa que gira em torno de alguns tópicos
centrais. Observou-se ainda que a produção sobre corrupção vem crescendo dentro
do campo da Administração Pública. Estudos comparativos e em nível local têm
sido a tendência. Questões como as causas, consequências, formas de se medir e
de se combater e o próprio conceito de corrupção envolvem grande parte das
discussões sobre a temática. Outras questões interessantes ainda estão em
aberto e oferecem uma boa gama de temas de pesquisa, tais como os possíveis
benefícios da corrupção, formas de se identificar e medir a corrupção, os
efeitos das recentes reformas contra a corrupção no mundo e a transparência
como medida adotada nos distintos países.
Vale ainda aprofundar pesquisas sobre corrupção no Brasil, haja
vista a especificidade do fenômeno em cada localidade, independente da produção
científica sobre o tema, mas a partir de pesquisa documental, também porque o
Estado Brasileiro vem adotando medidas de prevenção e combate à corrupção como
signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção desde 2003 e
participado de fóruns internacionais sobre o tema, a exemplo do Seminar on
International Cooperation in Civil and Administrative Proceedings Relating to
Corruption In The G20, realizado em Brasília me abril de 2017.
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