Artigos
Produção
Científica e Rede de Pesquisadores em Administração Pública no Brasil: uma
investigação sobre a primeira década dos anos 2000
Scientific Production
and Network of Researchers in Public Administration in Brazil: an investigation
about the first decade of the 2000s.
Producción
Científica y Red de Investigadores en Administración Pública en Brasil: una
investigación sobre la primera década de los años 2000.
Victor Corrêa prof.victorcorrea@gmail.com
Universidade de São
Paulo, Brasil
Fernando de Souza Coelho
fernandocoelho@usp.br
Universidade de São
Paulo, Brasil
Paula Trottmann trottmannpaula@gmail.com
Universidade Federal
de São Carlos, Brasil
Flavia Mori Sarti flamori@usp.br
Universidade de São
Paulo, Brasil
Produção Científica e Rede de Pesquisadores em Administração
Pública no Brasil: uma investigação sobre a primeira década dos anos 2000
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 3, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 24 Março 2018
Aprovação: 16 Março 2019
Publicado: 01 Julho 2019
Resumo:
Este artigo descreve e analisa os
resultados de uma pesquisa sobre a rede de produção científica em Administração
Pública no Brasil no período de 2000 a 2010. Metodologicamente, foram coletados
os dados dos principais eventos e periódicos nacionais que ampararam o campo do
saber na última década. Como resultado, verificou-se o crescimento do volume da
produção científica e do número de pesquisadores, o padrão de colaboração e a
categorização do perfil dos autores, a identificação dos mais prolíficos, além
da ilustração da rede de pesquisa e das medidas de propriedade. Esses índices
permitiram tanto rediscutir alguns problemas históricos do campo, já levados a
cabo por outros autores, como desvelar algumas características dessa comunidade
acadêmica no presente, tais como: a persistência da falta de identidade e
insuficiente delimitação do campo do saber, a hodierna dispersão, 'vale tudo'
temático na produção científica e a existência de um rol de autores
continuantes bastante reduzido.
Palavras-chave:
Administração
Pública, Produção Científica, Comunidade Acadêmica, Brasil.
Abstract: This article describes and analyzes the results of a research on
the network of scientific production in Public Administration in Brazil from
2000 to 2010. Data were collected from the main national events and periodicals
that supported the field of knowledge in the 2000s. As a result, the amaount of
scientific production and the number of researchers, the pattern of
collaboration and the profile categorization of the authors, the identification
of the most prolific, as well as the illustration of the research network and
property measures were verified. These indexes allowed this paper to re-discuss
some of the historical problems of the field, already carried out by other
authors, and to reveal some characteristics of this academic community in the
present, such as: the persistence of the lack of identity and insufficient
delimitation of the field of knowledge, the lack of a thematic definition in
the scientific production and the existence of a very reduced number of authors
that address the theme.
Keywords: Public
Administration, Scientific Production, Academic Community, Brazil.
Resumen: Este artículo describe y analiza los resultados de una
investigación sobre la red de producción científica en Administración Pública
en Brasil en el período de 2000 a 2010. Metodológicamente, se recolectaran los
datos de los principales eventos y periódicos nacionales que ampararon este
campo del saber en la última década. Como resultado, se verificó el crecimiento
del volumen de la producción científica y del número de investigadores, el
stándar de colaboración y la categorización del perfil de los autores, la
identificación de los más prolíficos, además de la ilustración de la red de
investigación y de las medidas de propiedad. Estos índices permitieron tanto
rediscutir algunos problemas históricos del campo, ya llevados a cabo por otros
autores, como desvelar algunas características de esa comunidad académica en el
presente, tales como: la persistencia de la falta de identidad e insuficiente
delimitación del campo del saber, la actual dispersión, la falta de definición
temática en la producción científica y la existencia de un reducido número de
autores continuantes.
Palabras clave: Administración
Pública, Producción Científica, Comunidad Académica, Brasil.
1. Introdução
Este artigo é um dos subprodutos de um projeto de pesquisa,
realizado no quinquênio 2012-2016, sobre a produção científica em Administração
Pública no Brasil na primeira década de 2000, e apresenta os resultados
inéditos dessa investigação. A ideia de desvelar as características de subáreas
da Ciência Administrativa nacional remete, por exemplo, aos trabalhos realizados
por Rossoni
et al (2008), Hocayen-da-Silva
et al (2008), Rossoni
et al (2009) e Martins
et al (2010) para os campos do saber de Administração da Informação,
Administração Pública e Gestão Social, Administração de Ciência e Tecnologia
(C&T) e Gestão de Operações, respectivamente. Todos utilizam,
pioneiramente, a análise de redes sociais justaposta à análise bibliométrica
para caracterizar a produção científica e evidenciar a organização da
comunidade acadêmica dessas áreas funcionais da Administração no país na última
década.
O objetivo de levar a cabo e bom termo uma análise longitudinal
da produção científica em Administração Pública (AP) no Brasil no período de
2000 a 2010, a partir da análise de redes, é levantar dados e informações que permitam
aprofundar as discussões sobre as características desse campo do saber no país.
Os estudos que se utilizam de métodos, ferramentas e técnicas de modelagem de
sistemas complexos[i],
em conjunto com a análise bibliométrica, oferecem um upgrade analítico em
relação à bibliometria meramente descritiva, bem como amparam quantitativamente
algumas intepretações de ensaios teóricos e/ou pesquisas teórico-empíricas qualitativas.
A pesquisa da qual deriva esse artigo justifica-se pela
continuidade de investigações que analisam criticamente o campo do saber de AP
a partir da sua rede de produção científica no país, atualizando o horizonte
temporal. Machado-da-Silva
et al (1990) foram os precursores de trabalhos sobre a produção científica
brasileira em Administração (ADM) – no caso, de organizações. Esse trabalho
inaugurou tal análise na comunidade acadêmica de ADM, demonstrando a
importância de se refletir qualitativa e quantitativamente sobre a produção
científica dessa área de conhecimento. Decorridos 20 anos, trabalhos como o de Rossoni,
Guarido Filho e Machado-da-Silva (2010) recolocaram em pauta essa agenda de
pesquisa com a abordagem de redes, instigando o uso de ferramentas e técnicas
de redes sociais na análise de comunidades acadêmicas de ADM.
Especificamente sobre a subárea de Administração Pública no
Brasil, destacam-se os estudos de: Souza
(1998), que aponta algumas fragilidades da agenda de pesquisa de AP na
década de 1990, como a não cumulatividade do conhecimento; Keinert
(2000), que investiga, a partir da análise dos artigos publicados nos
periódicos Revista de Administração Pública (RAP) e Revista do Serviço Público
(RSP) no período de 1937 a 1997, a crise e mudança de paradigmas da AP
brasileira no século XX – de estadocêntrica para sociocêntrica; Pacheco
(2003), que discute algumas limitações da produção científica em
Administração Pública no país entre meados de 1990 e o limiar dos anos 2000,
como a dispersão da produção científica; Hocayen-da-Silva
et al (2008), que apresentam um balanço sobre a produção científica em AP e
Gestão Social, analisando os artigos publicados nos anais dos Encontros da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, realizados
anualmente, entre 2000 e 2005, destacando o aumento do volume de artigos e da
colaboração científica;
Fadul et al (2010), que refletem sobre o campo do saber em AP, mostrando
seus entraves (ausência ou insuficiência de delimitação, por exemplo) e
ensaiando explicações para tais; Peci
et al (2011), que avaliam a produção científica em Administração Pública no
país a partir dos paradigmas de pesquisa; Fadul
et al (2011), que realizam uma análise bibliométrica sobre a produção
científica dos Encontros da Divisão Acadêmica de Administração Pública da ANPAD
– o EnAPG – nos anos 2000; Fadul
e Coelho et al (2014), que discorrem sobre a evolução do campo de saber em
AP no Brasil, evidenciando o crescimento do número de cursos de graduação, de
pós-graduação, de eventos e revistas nacionais, e da produção científica nos
anos pós-2000; e Smolski
et al (2017), que realizam uma análise bibliométrica da produção científica
na RAP entre os anos de 2003 e 2016, principal periódico de AP do país.
A tabela
1 abaixo dispõe essas contribuições anteriores – título, autor/autores e
ano –, indicando a abordagem metodológica de cada investigação, se qualitativa
ou quantitativa. Cabe frisar que a abordagem indicada não representa,
necessariamente, a metodologia integral de cada trabalho, mas aponta o viés da
pesquisa. Em suma, os trabalhos elencados são fulcrais para a compreensão do
campo do saber em AP no Brasil, e seus resultados, a priori, são pressupostos
deste artigo.
Título |
Autores |
Ano |
Abordagem |
Pesquisa em Administração Pública no Brasil: uma agenda para
debate. |
Souza, C. |
1998 |
Qualitativa |
A administração pública no Brasil: crises e mudanças de
paradigmas. |
Keinert, T. M. M. |
2000 |
Qualitativa |
Administração Pública nas Revistas Especializadas – Brasil,
1995-2002. |
Pacheco, R. S. |
2003 |
Qualitativa |
Administração pública e gestão social: a produção científica
brasileira entre 2000 e 2005. |
Hocayen-da-Silva, A.J.; Rossoni, L; Ferreira Junior, I. |
2008 |
Quantitativa |
Ensaiando Explicações e Explorando Caminhos para o Campo da
Administração Pública. |
Fadul, E.; Silva, M. M.A.; Silva, L. P. |
2010 |
Qualitativa |
Paradigmas Orientadores da Pesquisa em Administração Pública
no Contexto Brasileiro. |
Peci, A.; Ribeiro, A.J.G.; Rodrigues, F.B.S.; Forzanin, M. |
2011 |
Qualitativa |
Uma Análise do Campo da Administração Pública através da
Produção Científica Publicada nos Anais dos EnAPGs. |
Fadul, E.; Silva, L. P.; Cerqueira, L. S. |
2011 |
Qualitativa |
Administração pública no Brasil: reflexões sobre o campo de saber
a partir da Divisão Acadêmica da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Administração (2009-2013). |
Fadul, E.; Coelho, F.S.; Costa, F.J.L.; Gomes, R.C. |
2014 |
Qualitativa |
Análise do perfil da produção científica da Revista de
Administração Pública (RAP) no período 2003-2016. |
Smolscki, F. M.; Dalcin, D.; Visentini, M.; Bamberg, J.; kern,
J. S. |
2017 |
Quantitativa |
Fonte: elaborado pelos
autores.
Pela tabela
1, observa-se que a abordagem qualitativa é predominante na investigação sobre
a comunidade acadêmica e a produção científica em AP no país nos últimos 30
anos. São análises baseadas em percepções de pesquisadores que, muitas vezes, lideraram
a área de AP nos Encontros Nacionais da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa
em Administração (EnANPADs) e EnAPGs, como Fadul, Peci, Pacheco e Souza, nesse
período, ou que realizaram tese em tal tema, utilizando-se da análise de
conteúdo, como Keinert
(2000). Por sua vez, os trabalhos quantitativos não interpretaram de
maneira plena a relação entre os dados e informações obtidos com a
institucionalidade (trajetória, organização e atributos) do campo brasileiro do
saber em AP. Considerando essa lacuna, este artigo realiza, adicionalmente, uma
triangulação quali-quanti para descrever e analisar alguns resultados de uma
investigação sobre a produção científica em AP no Brasil na primeira década dos
anos 2000. A complementariedade das abordagens ocorre na intersecção entre as
métricas advindas da análise bibliométrica e de redes, aproximando-se da
contribuição quantitativa de Hocayen-da-Silva
et al (2008) e ampliando o período para toda a década, com as apreciações
qualitativas (e opiniões de observadores-participantes da comunidade acadêmica
de AP nacional) de Souza
(1998), Pacheco
(2003) e
Fadul et al (2010).
1.2 Justificativa
do trabalho, premissas da investigação e o objetivo deste artigo
É com o pano de fundo descrito na introdução e considerando a
problemática recorrente do campo do saber em AP no Brasil desde os anos 1990
que os autores deste trabalho elaboraram um projeto de pesquisa no quadriênio
2012-2016, baseado na modelagem de redes complexas, para mapear a produção
científica e jogar luz na configuração da comunidade acadêmica de AP na
primeira década dos anos 2000, um período profícuo de (re)fortalecimento da
Administração Pública como subárea (ou subdisciplina) da Administração no
Brasil, conforme atestam
Fadul e Coelho et al (2014). A ampliação do papel do Estado, a
diversificação das políticas públicas e os arranjos com o terceiro setor
(Estado-Rede) desdobraram a agenda governamental e, por conseguinte, o rol de
pesquisas e a audiência dessas investigações em nível nacional.
Uma radiografia da última década, marcada pela explosão de
cursos de graduação em AP (assim como de Gestão Pública, Gestão de Políticas
Públicas e Gestão Social), pelo surgimento de alguns programas de pós-graduação
nesse campo do saber e pela ampliação dos eventos acadêmicos (EnAPGs, por
exemplo), permite não apenas descrever a evolução da produção científica em AP
no país, mas também refletir sobre o seu desenvolvimento nesse período.
O estudo intenta oferecer dados e informações que dialoguem
especificamente com algumas das premissas intuitivas dos trabalhos anteriores,
citados na tabela
1, que identificaram elementos estruturantes do campo do saber em AP no
Brasil. Em linhas gerais, interpenetrando as leituras de Souza
(1998),
Pacheco (2003) e Fadul
et al (2010), pode-se classificar a produção científica em Administração
Pública no país como:
§ Saturada e exaustiva quando se arraiga a determinadas
temáticas, enquanto existem outras ainda inexploradas;
§ Seguidora de modismos, realizando pesquisas conforme as ondas
da pauta governamental e
§ Carente de questões de pesquisa claras e próprias do campo do
saber, isto é, sem autonomia.
Partindo desse diagnóstico preliminar, é possível conjecturar
que uma investigação sobre a produção científica em AP na última década,
abarcando os principais eventos e periódicos nacionais, possa fornecer
subsídios para (re)analisar essas características da comunidade acadêmica e da
rede de pesquisadores existente no Brasil.
Assim, no âmbito do projeto de pesquisa realizado, o papel deste
artigo é o de apresentar alguns resultados sobre a rede de produção científica
em AP no Brasil no período de 2000 a 2010, quais sejam:
· A evolução do número de pesquisadores;
· A apresentação dos índices de autoria, colaboração e
produtividade;
· A categorização do perfil dos autores;
· O apontamento da relação dos pesquisadores “continuantes” e da
lista dos mais prolíficos e
· A ilustração da rede de pesquisadores e o cálculo das medidas
de propriedade estrutural, a saber: centralidade de grau, centralidade de
intermediação e autovetor.
Para tanto, a seguir é exposta a revisão da literatura (seção 2)
e elucidada a metodologia de pesquisa (seção 3). Na seção 4 são descritos e
analisados os resultados e, encerrando o artigo, a seção 5 apresenta as
considerações finais.
2. Revisão da Literatura: fundamentos sobre o Campo do Saber em
AP no Brasil[ii]
Resgatando as características intrínsecas à formação da área de
conhecimento em AP no Brasil, Keinert
(1994) analisa os paradigmas da Administração Pública no século XX, desde a
República Velha ao processo de redemocratização na década de 1980. Nessa
análise, a autora demonstra que múltiplas influências intelectuais, de
distintas disciplinas, ocorreram, caracterizando a AP como um campo do saber multidisciplinar
(em vez de uma área de conhecimento ou disciplina, na acepção tradicional).
Cabe ressaltar que essa trajetória não é exclusivamente brasileira, mas uma
realidade da conformação da AP em diversas nações, considerando que:
(...) de la ciencia politica hereda la importancia del poder, la
política e las políticas publicas; de la administración, elementos sobre las
funciones administrativas, la toma de decisiones y los sistemas de información;
de la sociología, hereda elementos del enfoque de sistemas, la importancia de
la teoria organizacional y la teoria de la burocracia; la historia, la economia
y la psicologia, introducen el análisis histórico sobre decisiones
administrativas; herramientas económicas sobre finanzas públicas, presupuesto y
política fiscal; y luces sobre el comportamento de los actores y grupos que
forman las organizaciones públicas (Stillmann,
1991 apud Ospina Bozzi, 1998, p.4).
A face multidisciplinar da AP cria empecilhos para a autonomia
do campo científico, haja vista a indefinição de quais são suas teorias e
doutrinas específicas dentro de seu espaço de ação. Ou seja, esse microcosmo,
para utilizar os termos de Bourdieu
(2004), ainda não tem a delimitação de sua própria concepção. Fato é que,
se a Administração Públicaesteve ligada à administração de empresas e às
ciências jurídicas na primeira metade do século XX, não permitindo a sua
caracterização explícita como tal, no pós-guerras congregou novas ascendências
advindas da Ciência Política, da Sociologia e da Economia, dando continuidade
ao conceito de que a Administração Pública é subalterna a diversas disciplinas,
dificultando a sua demarcação (e independência) científica (Pacheco,
2003; Fadul
& Silva, 2009).
Análise análoga pode se obtida a partir do trecho de Fadul
et al. (2010), segundo o qual “a área tem sido tratada como um conjunto
inespecífico de temas que perpassam o campo do Direito, da Ciência Política, da
Sociologia, da Economia e que, algumas vezes, podem ser colocadas dentro do
campo da Administração”. Este posicionamento revela per si a falta de
identidade do campo do saber em AP. Souza
(1998), ainda nos anos 1990, destacava as dificuldades da AP como sendo as
suas limitações de conceitos e metodologias. Tais dificuldades, resultado da
imbricação de várias disciplinas que conformam a Administração Pública como
campo do saber, provocam, segundo a autora, ausência de uniformidade conceitual
e insuficiência da tradição de linhas de pesquisa. E completa:
O campo [do saber de AP] é suficientemente eclético para
comportar teorias e conceitos vindos de outras áreas das ciências sociais. Mas
o que é importante é que os pesquisadores têm de ser explícitos sobre a bagagem
intelectual que eles estão usando para a análise do problema a ser pesquisado.
(Souza,
1998, p.54).
Ocorre que, a partir da análise das publicações do EnAPG, Fadul
et al (2011) constatam que as pesquisas sobre AP no Brasil consideram,
sobremaneira, a Administração Pública como o locus de pesquisa e não como focus
teórico. Logo, o campo do saber torna-se acolhedor de qualquer assunto ou tema
que verse sobre a área pública (uma organização pública, uma política pública,
etc), ainda que a questão de pesquisa não seja, epistemologicamente, de
Administração Pública. Tal fato é revelado a partir da evidenciação da
“variedade de assuntos abordados”. (Fadul
et al. ,2011, p.13).
Machado-da-Silva
et al (1990) ainda destacam que as metodologias de pesquisa empregadas são,
muitas vezes, inadequadas à investigação em Administração Pública. Segundo os
autores, as pesquisas caracterizam-se por serem demasiadamente normativas,
reforçando a insuficiência de método científico em suas elaborações. Tal
interpretação é referendada por Pacheco
(2003), que detecta a falta de rigor metodológico como um dos problemas do
campo do saber em AP no Brasil. Ademais, a pesquisadora aponta que a comunidade
acadêmica de Administração Pública é diminuta, o que dificulta a sua autonomia.
Fadul
et al (2010) ponderam que a produção científica em Administração Pública,
apesar de não chegar ao ponto de se tornar subordinada, influenciada por
qualquer demanda, conforme conceitua Bourdieu (2004), como “ciência escrava”, é
influenciada fortemente pelo contexto sociopolítico, ou seja, responde às
demandas do Estado e da sociedade. A preponderância desse contexto pode ser
observada, no decorrer dos tempos, a partir dos rumos do ensino e da pesquisa
em Administração Pública, conforme as mudanças de paradigmas no Estado
brasileiro. O período pós-reforma do aparelho do Estado de 1995, a chamada
Reforma Gerencial, ilustra tal fato, com relações entre a agenda governamental
e a agenda de pesquisa, como demonstram Pacheco
(2003) e Fadul
et al (2011).
Ocorre que os pesquisadores, ao privilegiarem os temas da
atualidade nas suas pesquisas, provocam a falta de continuidade, pois seguem
frequentemente as tendências da época (ou os temas da moda). Em adição,
observa-se que a Administração Pública, como locus profissional, não se
caracteriza como um campo do saber estritamente científico, fortalecendo o
interesse por temáticas em voga na pauta público-estatal. Nesse sentido, a AP
“se apresenta aos estudiosos como teoria, como ideologia, como técnica e como prática.”
(Fadul,
et al., 2012, ).
Para além das interrelações da pesquisa com a agenda
governamental, ao analisar a produção científica em AP em revistas e eventos, Pacheco
(2003) verificou a dispersão temática como um problema, com os artigos
tratando de temas variados, sem conexão entre si, sem profundidade e sem
cumulatividade das temáticas, no “calor do momento”. O grande problema em
abordar os modismos é que os autores-atores (professores e gestores públicos,
simultaneamente), às vezes, não têm o distanciamento necessário para análises
mais criteriosas e independentes.
Fadul
et al (2010), por sua vez, classificam a produção científica em
Administração Pública como “um conjunto inespecífico de temas”. Para tanto,
destacam que as submissões de artigos sobre o assunto cresceram nos anos 2000,
quando analisados os anais dos Encontros da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (EnANPADs). Entretanto, os autores
afirmam que o crescimento da produção se deve, sobretudo, ao interesse
momentâneo de pesquisadores de diversas divisões acadêmicas da ANPAD em
estudarem organizações públicas a partir de referenciais teóricos de áreas
funcionais da Administração (de Empresas). Isto é, a AP tornou-se um objeto de
estudo chamariz na última década pelo incremento do papel do Estado no Brasil.
Vale dizer que o crescimento da produção científica em AP levou
à criação, em 2004, de um evento da área, o EnAPG. Todavia, apesar desse
alento, o trabalho que analisa as quatro primeiras edições do evento, realizado
por Fadul
et al (2011), permite constatar, ainda, a fragilidade e indefinição da
Administração Pública como focus. A letra G do EnAPG, que significa Governança,
atraiu, por exemplo, uma variedade de artigos sobre Governança Corporativa nos
eventos, enquanto a Governança Pública não é explorada.
Um dos caminhos para se estabelecer uma produção científica
realmente condizente com a natureza do campo do saber, e não uma simples
abordagem pelo locus (objeto empírico), é tratado por Behn (1995), que defende
que a AP deve ser norteada por big questions que impulsionem as pesquisas, tal
como um ponto de partida. A falta de questões – e de problemas claramente
identificados e compartilhados na comunidade acadêmica de AP – resulta em
fragmentação temática. Consequentemente, sem questões comuns, sem aprofundamento
e continuidade de estudos, a acumulação do conhecimento é prejudicada, com a
escassez de pesquisas perenes e consolidadas sobre determinadas questões.
Ademais, alguns autores, como Fadul
et al (2011), afirmam que muitos pesquisadores (comumente os mais ligados
ao mundo prático) não se preocupam em verificar o que já foi produzido sobre
suas temáticas em termos de uma revisão sistemática da literatura, ignorando os
avanços já realizados sobre o assunto a ser abordado. Portanto, o resultado
acaba sendo a profusão de artigos com referencial bibliográfico defasado e com
análises simples e superficiais.
Sucessivo ao problema de identificação e delimitação, provocando
variadas e diferentes abordagens, com temas que muitas vezes não deveriam estar
relacionados ao campo do saber, volta-se à velha problemática já abordada,
relacionada à lente teórica e ao aporte metodológico adotado pelos pesquisadores.
É nesse sentido que
Pacheco (2003) define a Administração Pública no Brasil como “uma área
dispersa, sem acumulação de conhecimento (...) e com análises a priori sem
comprovações”. A multiplicidade de maneiras de se analisar os problemas,
combinados com a diversidade de temáticas e a falta de rigor metodológico,
produzem muitos estudos que não contribuem efetivamente para construção de
conhecimento no campo da AP.
Percebe-se, então, um campo do saber frágil devido a sua
indefinição, sem limites estabelecidos que direcionem a produção científica
para questões próprias (Fadul
et al, 2010). Necessita-se, portanto, de uma delimitação, direcionando os
estudos para que contemplem os interesses centrais da Administração Pública
como campo científico, evitando a produção acadêmica sem foco (Pacheco,
2003). Tentativas de delimitação na última década podem ser observadas a
partir da estruturação de uma divisão acadêmica exclusiva de Administração
Pública (APB) na ANPAD, a partir de 2009. Fadul
& Coelho et al (2014) descrevem o processo de reconstrução dos temas de
AP nessa Associação no quadriênio 2009-2013.
Por fim, pode-se conjecturar que a falta de apoio institucional
próprio para a subárea de Administração Pública no Brasil também pode ser
apontada como um senão para o desenvolvimento institucional do campo do saber
na primeira década dos anos 2000[iii].
Nesse caso, destaca-se a escassez de revistas próprias de AP, de programas
estritamente ligados à AP no sistema de pós-graduação nacional e a não
diferenciação simbólica entre Administração Pública (na tradição de Public
Administration) e Administração de Empresas (na acepção de Management).
Outrossim, a pressão do Sistema CAPES por publicação a partir do final dos anos
2000, principalmente em termos quantitativos, acabou por retroalimentar as
problemáticas relacionadas à “escolha de abordagens que apresentem menores
exigências científicas e metodológicas”. É um processo de simplificação e
comodismo, segundo Fadul
et al (2011).
A partir dos autores consultados e da bibliografia revisada,
pode-se compreender o campo do saber em AP no Brasil, na última década, como
frágil e fragmentado, destacando os principais problemas, que se sobrepõem e se
complementam:
· A falta de identidade é reforçada pela falta de delimitação,
já que não existem limites sobre o que é o campo do saber em AP e tampouco uma
definição de quais são questões de pesquisa;
· Nesse aspecto encontram-se também os problemas relacionados à
falta de rigor metodológico nas pesquisas realizadas, acentuada pela
normatividade do campo do saber e pela característica de autores-gestores sem
tradição em projetos de pesquisas perenes e de fôlego;
· Consequentemente, observa-se a ocorrência do vale-tudo
temático, com abordagens irrestritas sobre temas – muitas vezes não
relacionados à Administração Pública – e, com isso, a perpetuação da não
cumulatividade e fragmentação das pesquisas;
· A falta desses elementos provoca o modismo por parte dos
pesquisadores que, sem um norteamento sobre o campo e seu objeto de estudo,
desenvolvem pesquisas seguindo a agenda governamental, o que não ajuda na
verticalização das investigações e na formação de especialistas temáticos.
· A comunidade científica de Administração Pública no país ainda
é restrita e pequena, pecando pela autorreferência nos artigos e pela baixa
internacionalização;
· A falta de apoio institucional próprio cria barreiras para o
desenvolvimento do campo do saber, considerando que o incentivo para o ensino e
a pesquisa em Administração Pública ainda carecem de especificidade no âmbito
da comunidade acadêmica de Administração e do Sistema de C&T no Brasil.
Portanto, considerando os estudos realizados até então, por
conta de todos os problemas destacados acima, o campo do saber em AP permanece
frágil e fragmentado no Brasil, apesar de um crescimento observável de sua
produção científica na última década. A figura
1 ilustra, tentativamente, essa problemática como um círculo vicioso.
Fonte:
elaborada pelos autores com base nos achados de Souza
(1998); Pacheco,
(2003); Hocayen-da-Silva
et al (2008); Fadul
& Silva (2010); Fadul
et al (2011); Fadul
& Coelho et al (2014).
3. A Pesquisa: período e procedimentos de coleta, tratamento e
análise dos dados.
O mapeamento da rede de produção científica em AP no Brasil, a
partir do ano de 2000 até o ano de 2010, compreende a década analisada pelos
autores – mencionados na seção 2 –, que evidencia um aumento do volume de
artigos e do número de pesquisadores, mas que aparentemente não contribui para
atenuar os problemas da AP como campo do saber.
Considerando a impossibilidade de selecionar toda a produção
científica nacional relacionada ao campo do saber em AP no período, optou-se
por uma triagem dos principais eventos e periódicos, considerando-os como uma
amostra representativa do universo das pesquisas dessa comunidade acadêmica no
país. Logo, foram selecionados: (i) o Encontro Nacional da Associação de
Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD), no que se refere à divisão
acadêmica de APB; (ii) o Encontro da Divisão de Administração Pública da ANPAD
(EnAPG); (iii) a Revista de Administração Contemporânea (RAC); (iv) a Revista
de Administração Pública (RAP); (v) a Revista do Serviço Público (RSP); e (vi)
a Revista Organizações & Sociedade (O&S), que, em suma, são os
principais eventos e os periódicos tipicamente de AP e/ou de ADM considerados como
referência na última década.
Nos casos em que houve a necessidade de pré-seleção dos artigos
devido à abrangência da linha editorial do periódico (RAP[iv], RAC e O&S),
foi realizada a seleção de artigos adotando o critério de enquadramento de
acordo com os temas de interesse apresentado pelo EnAPG na edição 2012,
considerando que esse evento, por ser um congresso do campo do saber de AP,
congrega as diretrizes/orientações que permitem tal classificação. Apesar de os
artigos selecionados compreenderem o período até 2010, a edição do EnAPG de
2012 foi considerada devido ao fato de que os oito temas[v] são resultados da
análise da produção científica de AP na última década, conforme afirmam Fadul
& Coelho et al (2014). Nesses casos, o enquadramento dos artigos foi
realizado com base no título e no resumo.
A coleta dos dados foi realizada a partir do website dos eventos
e periódicos, que disponibilizam suas edições em formato eletrônico para acesso
irrestrito (como nos casos dos periódicos, nos quais era possível ter acesso ao
trabalho completo), ou acesso restrito (como os eventos, que possibilitam o
acesso completo apenas a associados, permitindo aos visitantes apenas a
visualização dos títulos, resumos e autores dos trabalhos publicados).
Para sistematização dos dados coletados foi utilizado o programa
Microsoft Office Excel 2010 e, posteriormente, o Programa Node XL, que
possibilitou a criação de gráficos e imagens de redes sociais a partir das
planilhas eletrônicas, permitindo a obtenção de índices bibliométricos e a
análise da rede de pesquisadores. Inicialmente, realizou-se os cálculos sobre o
volume da produção científica do campo do saber em AP, tanto em termos da
quantidade de artigos quanto em relação ao número de pesquisadores. Na
sequência, procedeu-se à análise do grau de colaboração e produtividade da rede
de pesquisadores, utilizando, para tanto, a análise dos graus de artigo, autores,
autoria, colaboração e produtividade. Tal processo foi realizado,
anteriormente, no trabalho de Martins
(2009), com base em Hocayen-da-Silva
et al. (2008), seguindo os elementos apresentados no quadro 1.
Elementos |
Significado |
Artigos |
Número de cada um dos artigos publicados |
Autores |
Número de pesquisadores em cada evento/periódico |
Autorias |
Soma do número total de autores em cada artigo |
Colaboração |
Divisão de autorias pelos artigos |
Produtividade |
Divisão do número total de artigos pelo número total de
autores |
Fonte: Elaborado pelos
autores, com base em Hocayen-da-Silva
et al (2008) e Martins
(2009).
Em adição, com base no trabalho de Rossoni
et al (2010), foi realizada a análise de categorização do perfil dos
autores que compõem a rede de pesquisadores de AP no Brasil, definindo qual o
enquadramento de cada um deles a partir dos critérios descritos no quadro 2.
Categoria |
Definição Operacional |
Continuantes |
Autores com mais de uma publicação em 5 ou mais anos
diferentes e ao menos uma nos últimos 3. |
Transientes |
Autores com mais de uma publicação ao longo do período
analisado em não mais do que 4 anos diferentes, sendo ao menos uma nos
últimos 3 anos e ao menos uma em anos anteriores. |
One-timers |
Auotres com apenas uma única publicação em todo o período
analisado. |
Entrantes |
Autores com mais de uma publicação em um ou mais anos
diferentes nos últimos três anos (exclusivamente). |
Retirantes |
Autores com mais de uma publicação em um ou mais anos
diferentes, mas sem publicações nos últimos 3 anos. |
Fonte: Elaborado pelos
autores, com base Rossoni
et al (2010).
Na sequência, identificaram-se os pesquisadores continuantes e
os mais prolíficos no campo do saber em AP, interpretando os resultados a
partir de informações da plataforma Lattes do CNPq. Ao fim, obteve-se a
ilustração da rede de pesquisadores e calculou-se as medidas de propriedade
estrutural, nomeando os autores que se destacaram na centralidade de grau,
centralidade de intermediação e na medida de autovetor.
4. Descrição e Análise dos Resultados
O levantamento da produção científica em Administração Pública
nos eventos e periódicos, no período de 2000 a 2010, somou um total de 2.218
artigos na última década, sendo 1.685 publicados em anais dos encontros e 533
nas revistas que compõem a amostra da pesquisa.
Assim, nota-se a evolução do número de publicações ao longo da
década (gráfico
1), fato constatado anteriormente por Hocayen-da-Silva
et al (2008), Fadul
et al (2011) e Fadul
& Coelho et al (2014). No entanto, ressalva-se que o volume da produção
científica alcança picos em anos pares, a partir de 2004, ano de início do
evento EnAPG, concebido especificamente para apresentação dos artigos da
comunidade acadêmica de Administração Pública. Interpretando esse resultado,
pode-se afirmar que a elevação de artigos no decorrer dos anos não se refere ao
número de programas de pós-graduação em AP – que aumentou, mas não de maneira
significativa –, mas ao número de autores (professores-pesquisadores e alunos de
pós-graduação) oriundos de cursos de mestrado e doutorado em Administração de
Empresas e Contabilidade. Tal atração supostamente ocorreu tanto pela
emergência do modelo da Administração Pública Gerencial que (re)aproximou a
Gestão Pública da Gestão Empresarial no pós 1995, como pela percepção de que o
campo do saber em AP, em seus eventos e nos seus periódicos, é plural e
heterogêneo e, portanto, abarca de “tudo um pouco”.
Fonte:
Elaborado pelos autores, a partir dos dados da pesquisa.
Complementarmente, é possível verificar (gráfico
2) a evolução no número de autores no período 2000-2010: de 81
pesquisadores no ano de 2000 para 747 pesquisadores no ano de 2010. Tal fato
demonstra, naturalmente, a simetria entre o aumento do número de artigos e a
elevação do número de autores a cada ano. Todavia, a relação direta e
proporcional entre o crescimento do volume da produção científica e do número
de pesquisadores no campo do saber não revela algo novo, visto que Hocayen-da-Silva
et al (2008) e Fadul
et al (2011) constataram resultado idêntico, apesar de analisarem
horizontes temporais diferentes. Logo, é bem-vindo aprofundar tal análise e
calcular, para além do volume da produção científica e do número de pesquisadores,
o grau de colaboração e produtividade do campo do saber em AP.
Fonte:
Elaborado pelos autores, a partir dos dados da pesquisa.
Para o cálculo dos índices bibliométricos de colaboração e
produtividade, considerou-se: (a) artigos, o número de artigos publicados; (b)
autores, o número de pesquisadores em cada evento/periódico (ressaltando-se, entretanto,
que os pesquisadores podem se repetir, uma vez que podem publicar em
eventos/periódicos distintos); (c) autorias, soma do número total de autores em
cada artigo; (d) colaboração, divisão de autorias pelos artigos e (e)
produtividade, divisão entre o total de artigos pelo total de autores, conforme
elucidado na seção 3 (quadro
1), e cujos resultados encontram-se na tabela
2, a seguir.
Evento/Periódico |
Artigos |
Autores |
Autorias |
Colaboração |
Produtividade |
EnANPAD |
1111 |
1590 |
2376 |
2,14 |
0,70 |
EnAPG |
574 |
1018 |
1348 |
2,35 |
0,56 |
O&S |
41 |
66 |
76 |
1,85 |
0,62 |
RAC |
29 |
55 |
56 |
1,93 |
0,53 |
RAP |
266 |
465 |
573 |
2,15 |
0,57 |
RSP |
197 |
287 |
313 |
1,59 |
0,69 |
Total |
2218 |
3481 |
4742 |
2,14 |
0,64 |
Fonte: Elaborado pelos
autores a partir dos dados da pesquisa.
Os dados da tabela
2 mostram uma produção científica homogênea no campo do saber em AP no
Brasil na última década, considerando que a colaboração e a produtividade não
apresentam diferenças significativas entre os eventos e periódicos analisados.
É uma subárea propensa a colaboração, com índice de 2,14. Essa média de dois
autores por publicação alcança seu ápice (2,35) no EnAPG, sendo possível
conjecturar que as publicações em eventos tendem a ser mais colaborativas pelas
relações de coautoria entre orientandos e orientador. Pressupõe-se que a RAP
figure entre os dois eventos (EnAPG e EnANPAD) por ser uma publicação que
recebe, seja pelo processo de fast track, seja por ser o periódico de
referência da comunidade acadêmica de AP do país, os melhores trabalhos dos
eventos. Por outro lado, destaca-se a RSP como o periódico com menor índice de
colaboração (1,59), o que pode ser interpretado pelo posicionamento histórico
dessa revista como um veículo voltado, principalmente, para os artigos escritos
por practitioners da Gestão Pública que não guardam a tradição de coautoria
acadêmica.
No que tange à produtividade, os índices entre eventos e
revistas, igualmente, se assemelham e, nesse caso, o EnANPAD aparece como o de
maior produtividade (0,70), algo natural, por ser um evento tradicional da área
de conhecimento de ADM que estimula a presença dos pesquisadores e a frequência
como autores de artigo. Porém, a RSP, que figura entre os periódicos estudados
como o de menor colaboração, apresenta a segunda maior produtividade, o que
prova que esses índices bibliométricos devem ser analisados em pormenores para
evitar interpretações equivocadas. Por conseguinte, é salutar apresentar alguns
dados suplementares para o ajuste da análise sobre a rede de pesquisadores de
AP.
O gráfico
3 e a tabela
3, abaixo, permitem considerações adicionais sobre o índice de grau de
colaboração da rede de pesquisadores. Quando realizada a análise a partir de
eventos e periódicos isoladamente, é possível conjecturar sobre cada um.
Observa-se uma frequência modal de artigos (838) produzidos por dois autores,
seguida por publicações individuais (725). Assim se caracteriza o campo do
saber em AP no Brasil na última década, com produções científicas pareadas ou
individuais, preferencialmente, decaindo vertiginosamente as produções com três
e quatro autores, e assim sucessivamente. Destarte, apesar de os índices
bibliométricos indicarem uma produção colaborativa, a análise desagredada dos
dados mostra que, para além da prevalência de artigos com dois autores, é alto
o número de produções científicas individuais. E, novamente, verifica-se que os
eventos são veículos de publicação que incentivam presumivelmente a coautoria
para além de dois autores, quando comparado com os periódicos.
Fonte:
Elaborado pelos autores, a partir dos dados da pesquisa.
Autores por artigo |
EnANPAD |
EnAPG |
O&S |
RAC |
RAP |
RSP |
1 |
30% |
25% |
44% |
31% |
34% |
65% |
2 |
41% |
37% |
32% |
52% |
39% |
19% |
3 |
18% |
21% |
20% |
14% |
16% |
8% |
4 |
7% |
12% |
5% |
0% |
6% |
6% |
5 |
2% |
3% |
0% |
3% |
2% |
2% |
6 |
1% |
1% |
0% |
0% |
2% |
0% |
7 ou mais |
0% |
0% |
0% |
0% |
1% |
0% |
Fonte: Elaborado pelos
autores, a partir dos dados da pesquisa.
Demonstrado que o campo do saber em AP no Brasil cresceu na
última década, tanto no volume da produção científica quanto no tamanho da rede
de pesquisadores, e caracteriza-se tendencialmente por publicações de coautoria
entre dois autores, é importante a categorização do perfil dos autores.
A tabela
4 expõe que o percentual dos autores considerados como continuantes na
comunidade acadêmica de AP no Brasil, ou seja, aqueles que têm uma produção
científica ininterrupta, é muito baixo (2,17%). O mesmo ocorre com os
transientes, autores que não têm a mesma periodicidade de publicação dos
continuantes, mas que contribuem com a constância dos projetos de pesquisa no campo
do saber (6,55%). Os one-timers são majoritários na rede de pesquisadores de
Administração Pública (71,54%), ilustrando a atração de pesquisadores de ADM
que publicam esporadicamente alguns artigos nesse campo do saber pelo
hibridismo entre Gestão Pública e Gestão Empresarial, bem como os alunos de
pós-graduação de AP em nível de mestrado que publicam o resultado da
dissertação e não continuam na academia, deslocando-se para o mercado de
trabalho. O número de entrantes (8,61%) evidencia aqueles que entraram,
ultimamente, na rede de pesquisadores, muitos dos quais são alunos de
pós-graduação em nível de doutorado ou recém-doutores. Os retirantes são
pesquisadores não tão frequentes nas publicações (11,13%) e não significa,
necessariamente, que abandonaram o campo do saber: aparecem vários professores
sêniores de AP que, talvez, já não estejam mais tão empolgados para
apresentarem seus artigos em eventos científicos.
Categoria |
Número de autores |
(%) da rede de pesquisadores |
Continuantes |
62 |
2,17% |
Transientes |
187 |
6,55% |
One-timers |
2044 |
71,54% |
Entrantes |
246 |
8,61% |
Retirantes |
318 |
11,13% |
Total |
2857 |
100% |
Fonte: Elaborado pelos
autores, a partir dos dados da pesquisa.
O quadro
3 apresenta a lista, em ordem alfabética, dos 62 pesquisadores
categorizados como autores continuantes no campo do saber em AP no Brasil na
última década, sendo possível verificar a presença de muitos docentes de
programas de pós-graduação de ADM e de AP, professores renomados, bolsistas
produtividade em pesquisa, coordenadores e líderes de tema de eventos
científicos de AP, bem como alguns alunos de pós-graduação (mestrado e
doutorado) na última década. Analisando com precisão as publicações desses 62
pesquisadores continuantes, com o objetivo de averiguar com quem estes
publicam, constata-se a coautoria entre eles com pesquisadores one-timers.
Nesse caso, infere-se que é uma produção científica baseada, regularmente, na
coautoria entre orientadores e orientandos de pós-graduação.
Ademir Clemente |
Francisco de Assis Soares |
Maria Ceci Araujo Misoczky |
Alketa Peci |
George Avelino Filho |
Maria Ruth S. D. Teixeira Leite |
Allan Claudius Queiroz Barbosa |
Gerson Rosenberg |
Monica Cavalcanti Sa de Abreu |
Ana Rita Silva Sacramento |
Hans Michael Van Bellen |
Octavio Penna Pieranti |
Ana Silvia Rocha Ipiranga |
Ivan Beck Ckagnazaroff |
Otavio Prado |
Antonio Sergio A. Fernandes |
Janann Joslin Medeiros |
Paulo Carlos Du Pin Calmon |
Armindo dos S. de S. Teodosio |
Joao Luiz Passador |
Paulo Eduardo Moledo Palombo |
Claudia Souza Passador |
Jorge Vianna Monteiro |
Paulo Roberto Arvate |
Dante Pinheiro Martinelli |
Jose Antonio Gomes de Pinho |
Reginaldo Souza Santos |
Deborah Moraes Zouain |
Jose Antonio P. de Oliveira |
Rezilda Rodrigues Oliveira |
Denis Alcides Rezende |
Jose Carlos Barbieri |
Ricardo Correa Gomes |
Djalma Freire Borges |
Jose Roberto Pereira |
Rogerio Hermida Quintella |
Eduardo Cerqueira Batitucci |
Klaus Frey |
Rosinha da S. Machado Carrion |
Eduardo de Lima Caldas |
Lamounier Erthal Villela |
Sandro Cabral |
Eliane Salete Filippim |
Luciana de O. Miranda Gomes |
Sonia Maria Fleury Teixeira |
Elizabeth Matos Ribeiro |
Luciano Antonio P. Junqueira |
T. Diana L. V.A. Macedo-Soares |
Elvia Mirian Cavalcanti Fadul |
Luis Roque Klering |
Tomas de Aquino Guimaraes |
Fernando de Souza Coelho |
Marcelo Jose Braga |
Valmor Slomski |
Fernando Guilherme Tenorio |
Marcelo Milano Falcao Vieira |
Vera Lucia P. Santos Mendes |
Fernando Luiz Abrúcio |
Marco Aurelio Ruediger |
Vicente Riccio |
Flavia de Paula Duque Brasil |
Marcus Vinicius G. da Cruz |
– |
Fonte: Elaborado pelos
autores, a partir dos dados da pesquisa.
Em adição, cabe apurar quais são os pesquisadores prolíficos do
campo do saber em AP no Brasil na última década. Análises de pesquisadores
prolíficos são frequentes em trabalhos sobre a produção científica e rede de
pesquisadores, como no estudo de Kellough
e Pitts (2005), que investigam os artigos publicados na Public
Adminstration Review, um dos principais periódicos de AP do mundo em tradição e
no fator de impacto. Dessa forma, considerando o total de publicações em todos
os eventos e periódicos analisados, foram selecionados os pesquisadores com, no
mínimo, 10 publicações no período de 2000 a 2010, totalizando 20 autores,
dispostos na
tabela 5. O resultado assinala a relação entre os autores continuantes como
os pesquisadores mais prolíficos, com exceção dos docentes Marco Aurélio
Marques Ferreira e Suely de Fatima Ramos Silveira, que são caracterizados na
pesquisa como transientes e pertencem à Universidade Federal de Viçosa (UFV), instituição
de ensino que se notabilizou no campo do saber em AP no Brasil a partir de
meados da última década, com a implantação de um curso de mestrado acadêmico em
ADM com área de concentração em AP no ano de 2005.
Autor |
Instituição de Ensino |
Nº. de Publicações no Período |
Alketa Peci |
FGV-RJ |
17 |
Ricardo Correa Gomes |
UNB |
17 |
Jose Antonio Gomes de Pinho |
UFBA |
16 |
Marcus Vinicius Goncalves da Cruz |
FJP-MG |
16 |
Suely de Fatima Ramos Silveira |
UFV |
15 |
Elvia Mirian Cavalcanti Fadul |
UFBA e UNIFACS |
14 |
Maria Ceci Araujo Misoczky |
UFRGS |
14 |
Paulo Roberto Arvate |
FGV-SP |
13 |
Fernando Luiz Abrucio |
FGV-SP |
12 |
Ivan Beck Ckagnazaroff |
UFMG |
12 |
Marco Aurelio Marques Ferreira |
UFV |
12 |
Marco Aurelio Ruediger |
FGV-RJ |
11 |
Maria Ruth S. Diniz Teixeira Leite |
FJP-MG |
11 |
Paulo Carlos Du Pin Calmon |
UNB |
11 |
Armindo dos S. de Sousa Teodosio |
PUC-MG |
10 |
George Avelino Filho |
FGV-SP |
10 |
Janann Joslin Medeiros |
UNB |
10 |
Luciana de Oliveira Miranda Gomes |
UNB |
10 |
T. Diana L. V. A. de Macedo-Soares |
PUC-RJ |
10 |
Tomas de Aquino Guimaraes |
UNB |
10 |
Fonte: Elaborado pelos
autores, a partir dos dados da pesquisa.
Classificando os artigos desses 20 pesquisadores prolíficos do
campo do saber em AP brasileiro, conforme os temas de interesse do EnAPG 2012,
percebe-se a variedade de objetos de pesquisa que cada um aborda no decorrer da
última década. Nessa análise é evidente o distanciamento temático entre as
produções científicas desses autores no período de 2000 a 2010, reforçando o
pressuposto de Pacheco
(2003) de que a agenda de pesquisa em AP é dispersa. Acrescenta-se que,
como os autores continuantes são poucos (em torno de 2% da rede de
pesquisadores), é plausível que eles fossem chamados a dar conta de uma miríade
de assuntos que perfazem o rol de estudos de AP em nível nacional, favorecendo
a amplitude temática de suas publicações em detrimento da especialização (ou
verticalização) de suas investigações.
Ainda, vale mencionar que, entre esses 20 autores prolíficos, 12
pertenceram ao comitê científico (ou foram líderes de tema) da área (2000-2008)
ou divisão acadêmica de Administração Pública da ANPAD (2009-2017) neste
século, bem como alguns são professores sêniores e foram (ou são) editores de
periódicos importantes de ADM e AP. Tal fato ilustra a relação crível entre o
volume da produção científica do autor e a ocupação de cargos de liderança nas
associações de pesquisa e congressos acadêmicos. Em relação às instituições de
ensino (IES), 80% dos professores pertencem a IES que têm tradição de longa
data no ensino e/ou pesquisa em Administração Pública no Brasil, como FGV-RJ,
FGV-SP, UFBA, UFRGS, UFMG, UNB e FJP-MG. Atualmente, pelo cadastro do CNPq (ano
base de 2018), um terço desses 20 professores tem bolsa de produtividade em
pesquisa na área de Administração.
4.1
Ilustração da Rede de Pesquisadores e as Medidas de Propriedade Estrutural
A rede de pesquisadores de Administração Pública no Brasil, na
última década, formada a partir dos autores dos 2.218 artigos que compuseram a
amostra desta investigação, ilustra a sua estrutura. A figura
2 demonstra que o número de pontos isolados (autores únicos de um ou mais
artigos), em comparação com a quantidade de pontos conectados (coautoria de um
ou mais artigos), é visivelmente inferior, isto é, a colaboração entre os
autores é evidente.
Fonte:
Elaborado pelos autores, a partir dos dados da pesquisa.
Concernente às medidas de propriedade estrutural da rede de
pesquisadores, quer dizer, a centralidade de grau (degree), a centralidade de
intermediação (betweenness) e a medida de autovetor (eigenvector), a tabela
6 apresenta os resultados. A centralidade de grau dos pesquisadores da rede
de AP, na última década, revela os autores que se destacaram no nível de
colaboração. Nesse caso, encontraram-se quatro docentes, entre os 2.857
autores, com diversas conexões que os tornam centrais em tal rede. Todos são
igualmente prolíficos, denotando que a produção científica que realizam é, além
de colaborativa, expressiva na quantidade de artigos publicados. Enfim, como
são professores sêniores, que lideram eventos e/ou editam revistas científicas,
é verossímil que tenham inúmeras possibilidades de se associar a diversos
coautores, ocupando, assim, uma posição central na rede de pesquisadores.
A centralidade de intermediação, por sua vez, mostra o quanto um
pesquisador pode interligar autores que não estão diretamente conectados. A
intermediação se dá pela localização do autor na rede de pesquisadores
oportunizada, por exemplo, pela coordenação de programa de pós-graduação, pela
função de organização de eventos, pelo trânsito entre campos do saber
diferentes e pela liderança de projetos temáticos em agências de fomento.
Destaque, nesse caso, para a professora Alketa Peci (FGV-RJ), que além de prolífica
e com centralidade de grau, possui um valor considerável de intermediação,
confirmando sua proeminência na rede de pesquisadores de AP no período de 2000
a 2010.
Finalizando, a medida de autovetor destaca a relação, na rede de
pesquisa, entre os pesquisadores que apresentam alto valor de
associações/conexões, destacando-se as parcerias entre autores colaborativos
que trabalham, muitas vezes, no mesmo grupo de pesquisa. Nesse caso, o realce
na última década foi para os professores da UFV, Suely de Fátima Ramos Silveira
e Marco Aurélio Marques Ferreira.
Fonte:
Elaborado pelos autores, a partir dos dados da pesquisa.
5. Considerações Finais
À guisa de conclusão, pode-se afirmar que o artigo tanto reforça
alguns resultados de pesquisas anteriores, confirmando quantitativamente por
índices bibliométricos e de análise de rede algumas apreciações qualitativas,
como aporta alguns achados sobre a produção científica em Administração Pública
no Brasil na última década. Os argumentos de falta de identidade e insuficiente
delimitação do campo do saber em AP, de dispersão e “vale tudo” temático, foram
ratificados. E, de maneira inédita, demonstrou-se que a comunidade acadêmica de
AP foi circunscrita a 62 autores continuantes entre 2000 e 2010, embora o
volume da produção científica e o tamanho da rede de pesquisadores cresceram
incontestavelmente nesse período.
Em linhas gerais, o crescimento do volume de publicações (total
de 2.218 artigos) e do número de pesquisadores (montante de 2.857 autores
diferentes), sobretudo a partir de meados dos anos 2000, com picos bienais,
relaciona-se com o surgimento do EnAPG, o evento da Divisão de Administração
Pública da ANPAD. Entretanto, ressalta-se que o aumento dessa produção
científica não corresponde ao aumento das publicações de professores e alunos
oriundos de programas de pós-graduação em AP (ou com área de concentração ou
linha de pesquisa nesse campo do saber), mas pela visita de pesquisadores de
ADM das diversas áreas funcionais, categorizados como autores one-timers, que
escrevem, geralmente, sobre Administração Pública como locus (objeto empírico)
e não de AP como focus (referencial teórico). Essa visitação no campo do saber
em AP na última década é explicada pelo movimento da Reforma Gerencial e pelo
paradigma sociocêntrico que interpenetra Estado, mercado e terceiro setor na
prestação de serviços públicos e na provisão de políticas públicas[vi]. O
entendimento do que é público extrapolou nitidamente a noção do espaço
governamental na agenda de pesquisa, ampliando as temáticas de investigação e
atraindo pesquisadores de múltiplas subáreas da Administração de Empresas.
Ademais, a categorização de 71,5% da rede de pesquisadores de AP
como autores one-timers, que publicaram um artigo no período 2000-2010, e de
2,2% como autores continuantes, com produção científica constante no período,
revela que, a despeito da explosão quantitativa de publicações, a comunidade
acadêmica carece de amadurecimento das linhas de pesquisa e de fidelização dos
pesquisadores, o que depende, invariavelmente, do incentivo aos programas de
pós-graduação de Administração Pública e de Administração (de Empresas) com
professores, disciplinas e grupos de pesquisa em AP.
Em relação aos 20 pesquisadores prolíficos de AP identificados
na última década, constatou-se, naturalmente, que 18 são autores continuantes e
16 possuem vínculo como professores de instituições de ensino superior que têm,
historicamente, programas (ou linhas de pesquisa) de pós-graduação de
Administração Pública. Na verificação da produção científica desses
pesquisadores, muitos dos quais professores sêniores, bolsistas produtividade
do CNPq, líderes de eventos e congressos no campo do saber em AP, observou-se
que eles tratam de temas variados nos artigos; ou seja, o período entre os anos
2000 e 2010 foi marcado pela amplitude temática de suas publicações em
detrimento da especialização, algo que pode ser interpretado não pelas
publicações que os pesquisadores realizam com seus orientandos de
pós-graduação, mas pelo fato de serem os experts da área e serem impelidos a
abordarem os vários temas em voga que figuram na pauta governamental.
Para além do crescimento do campo do saber em AP na última década,
notou-se um padrão colaborativo nas publicações com frequência modal de
coautoria entre dois pesquisadores. Dentre os dois eventos e os quatro
periódicos que compuseram a amostra desta investigação, apenas a Revista do
Serviço Público apresentou um índice de colaboração no qual dois terços dos
artigos eram de autoria de um pesquisador, o que é explicado pelo viés
profissional da publicação e pelo perfil de practtioners dos autores,
geralmente gestores públicos que são mestres ou doutores, que não enfatizam a
tradição acadêmica de coautoria.
Entretanto, o crescimento da produção científica de AP nos
eventos não foi acompanhado proporcionalmente pelos periódicos, cabendo, como
agenda de pesquisa no futuro, investigar: (i) se a produção científica dos eventos
é submetida para revistas que não foram analisadas neste trabalho; (ii) se o
não crescimento do volume da produção científica de AP nos periódicos
tradicionais analisados nesta investigação deve-se à baixa qualidade dos
artigos (em todas as revistas) e/ou à secundarização da AP na linha editorial
da O&S e RAC; e (iii) se havia (e se persiste nesta década) uma carência de
revistas de Administração Pública ou de ADM que abarquem o eixo temático de AP
para absorver a produção científica. Não obstante, é válido assinalar que, no
período de 2000 a 2010, as pressões por publicações em periódicos não eram tão
acentuadas como são nos anos correntes. Grosso modo, o incentivo pró-revista
ficou mais patente no final da última década.
Em adição, o projeto de pesquisa do qual deriva este artigo
permitiu, sob a ótica de redes complexas, ilustrar, visual e estaticamente, a
rede de pesquisadores em AP no país, calculando suas medidas de propriedade
estrutural. A partir dos 2.857 autores que formaram tal rede na última década,
considerando os principais eventos e periódicos que compuseram a amostra desta
investigação, a centralidade de grau e de intermediação destacou,
simultaneamente, a pesquisadora Alketa Peci, da FGV-RJ, ex-coordenadora da
Divisão Acadêmica de Administração Pública da ANPAD no triênio 2015-2017 e
editora da Revista de Administração Pública (RAP).
Uma das limitações deste trabalho foi a não abordagem da
Administração Pública em sentido lato sensu, ou seja, a consideração do campo
do saber para além da comunidade acadêmica de AP na área de Administração, não
incluindo os eventos como o Encontro de Gestão Social (EnAPEGS) e o Encontro da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) no
grupo de trabalho de Políticas Públicas, bem como alguns periódicos
tradicionais, como a Revista de Administração de Empresas (RAE) e a Revista da
Administração da Universidade de São Paulo (RAUSP); conquanto, uma análise
prévia dessas revistas demonstrou que os artigos que tratassem de AP eram raros.
Sobre implicações gerenciais deste artigo para a gestão
universitária e do Sistema de C&T no Brasil, pode-se afirmar que a
persistência da falta de identidade e insuficiente delimitação do campo do
saber em AP no país fragilizam tal formação acadêmica na pós-graduação
nacional. No âmbito do ensino de graduação, a distinção de Diretrizes
Curriculares Nacionais entre Administração e Administração Pública pelo MEC, a
partir de 2014, contribuem para a emergência do Campo de Administração e
Gestão, Políticas Públicas no país[vii].
Entretanto, na área de avaliação de ADM na pós-graduação na CAPES, mesmo com a
inclusão do nome Administração Pública na nomenclatura em 2016 (Administração
Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo), a diferenciação entre
Administração de Empresas (AE) e Administração Pública (AP) permanece tênue e
impõe a criação de uma subárea. O hibridismo entre AE e AP, sobretudo na
definição do QUALIS, sem considerar a especificidade da produção científica de
AP, prejudica a avaliação dos programas de pós-graduação desse campo do saber.
Finalizando, sobre a agenda de pesquisa oriunda deste artigo,
sugere-se uma investigação, a partir de 2021, que realize um balanço do período
de 2011 a 2020. Existem indícios, baseados no surgimento de muitos eventos
(Encontro Brasileiro de Administração Pública – EBAP – e Encontro Nacional de
Ensino e Pesquisa do Campo de Públicas – ENEPCP –, por exemplo), de diversos
periódicos no campo de saber (Cadernos Gestão Pública e Cidadania, da Fundação
Getúlio Vargas – FGV –, e Administração Pública e Gestão Social, da
Universidade Federal de Viçosa – UFV) e de novos programas de pós-graduação com
ênfase em de AP no decorrer desta década, de um incremento expressivo do volume
da produção científica e do tamanho da rede de pesquisadores. Resta saber, no
entanto, se as problemáticas de longa data do campo do saber de AP no Brasil,
que perduraram em certa medida nos anos 2000, continuam perseverando nos
últimos anos.
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Notas
I Sistemas Complexos
(SC) se encaixam no projeto de pesquisa deste artigo por permitirem uma
visualização e uma compreensão de comunidades acadêmicas e de suas produções
científicas a partir da análise de redes complexas.
II Esta seção
sistematiza, sobretudo, os argumentos dos trabalhos/autores apresentados na
tabela 1, na introdução do artigo.
III Muitas vezes, a AP é tratada com uma área funcional da ADM e
não como um campo do saber que, no Brasil, antecede a área de management no
ensino superior (oferta do curso de graduação em Administração Pública da
FGV-SP, a partir de 1952) e na publicação científica (edição da Revista do
Serviço Público, desde 1937). Um exemplo é a inclusão apenas recentemente do
nome Administração Pública na nomenclatura da área de avaliação de
Administração, Ciências Contábeis e Turismo da CAPES, resultado de uma
articulação da Sociedade Brasileira de Administração Pública (SBAP) com a
coordenação de tal área no quadriênio 2013-2016.
IV A RAP, embora seja um
periódico voltado para a área de Administração Pública, no período analisado
publicou muitos artigos em diversos números que não versavam sobre
Administração Pública, Gestão Pública ou políticas públicas, o que pode ser explicado,
hipoteticamente, pelo hibridismo da formação acadêmica dos editores e pela reorientação
da EBAP/FGV para EBAPE (com E de empresarial) a partir de 2002, bem como pela
provável submissão de artigos de AP em número e/ou qualidade aquém do fluxo de
avaliação e da periodicidade da revista.
V Tema 1: Estado,
Sociedade, Governo e Administração Pública; Tema 2: Políticas Públicas; Tema 3:
Federalismo, Relações Intergovernamentais e Descentralização; Tema 4:
Planejamento, Finanças e Controle no Setor Público; Tema 5: Dimensões Intraorganizacionais
das Organizações Públicas; Tema 6: Organização e Gestão de Serviços Públicos;
Tema 7: Teorias e Metodologias em Administração Pública; Tema 8: História,
Memória e Construção de Agendas de Pesquisa.
VI Sobre os paradigmas
da Administração Pública brasileira no século XX, ver o trabalho de Keinert (2000).
Para uma reinterpretação na a última década – anos 2000 – , ver o trabalho de
Andion (2012).
VII Sobre o movimento Campo de Públicas no ensino de graduação em
Administração Pública, Gestão Pública e políticas públicas no Brasil, ver:
Pires et al (2014) e Keinert (2014).
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