Artigo Convidado
Inovando no
Desenvolvimento de Profissionais da Gestão Pública: O Caso do Programa de
Desenvolvimento de Lideranças da Escola Nacional de Administração Pública –
Enap
Innovating on the
development of public management professionals. The case of the Leadership
Development Program at the Brazilian National School of Public Administration –
Enap
Innovando el
desarrollo de profesionales de gestión pública. El caso del Programa de
Desarrollo del Liderazgo de la Escuela Nacional de Administración Pública de
Brasil – Enap.
Michael Barzelay
London School of
Economics, Reino Unido
Humberto Falcão Martins
Fundação Getúlio
Vargas, Brasil
Pedro Vilela
Escola Nacional de Administração
Pública, Brasil
Paulo Marques
Escola Nacional de
Administração Pública, Brasil
Inovando no Desenvolvimento de Profissionais da Gestão Pública:
O Caso do Programa de Desenvolvimento de Lideranças da Escola Nacional de
Administração Pública – Enap
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 4, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Aprovação: 14 Agosto 2019
Publicado:
01
Outubro 2019
Resumo:
Este trabalho trata de uma nova
abordagem, na forma e no conteúdo, de desenvolver a prática profissional de
gestores públicos orientada por design, elaborada pelo professor Michael
Barzelay, objeto de seu último livro “Public management as a design-oriented
professional discipline” (2019). Relata a forma como esta abordagem foi
colocada em prática na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) do
Governo Federal do Brasil entre 2016 e 2019 e os resultados positivos
decorrentes para os participantes. Foi possível comparar os efeitos da
abordagem nas turmas que a adoraram com os das turmas que não a adotaram. Uma
avaliação econométrica e qualitativa do programa revelou efeitos positivos da
abordagem relacionados à transferência de aprendizados, capacidade de
estruturar problemas complexos e desenvolvimento de soluções colaborativas.
Palavras-chave:
gestão
pública orientada por design, solução de problemas, organização pública.
Abstract: This paper presents a new view, regarding form and content, of
developing the professional practice of public managers oriented by design.
This new perspective has been elaborated by professor Michael Barzelay, subject
of his latest book “Public management as a design-oriented professional
discipline” (2019). It analyses how this approach was set in motion at the
Brazilian National School of Public Administration between 2016 and 2019 and
its subsequent positive outcomes to the participants. It has been possible to
set up a comparison between the effects of the perspective in the classes that
implemented it and the ones that did not. An econometric and qualitative
evaluation of the program pointed out positive effects of the new approach
related to the learning transfer, capacity of structuring complex problems and
development of collaborative solutions.
Keywords: design-oriented
public management, problem solving, public organizations.
Resumen: Este documento aborda un nuevo enfoque, en forma y contenido,
para desarrollar la práctica profesional de los profisionales públicos
orientados al diseño, elaborado por el profesor Michael Barzelay en su último
libro “Gestión pública como disciplina profesional orientada al diseño” (2019).
Informa sobre cómo este enfoque se puso en práctica en la Escuela Nacional de
Administración Pública (Enap) de Brasil entre los años 2016 y 2019 y los
resultados positivos para los participantes. Fue posible que se compararan los
efectos de las clases que lo incorporaron con las que no lo incorporaron. Una
evaluación econométrica y cualitativa del programa reveló efectos positivos del
enfoque relacionados con la transferencia de aprendizaje, la capacidad de
estructurar problemas complejos y el desarrollo de soluciones colaborativas.
Palabras clave: Gestión pública
orientada al diseño, solución de problemas, organizaciones publicas.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho trata de uma nova abordagem, na forma e no
conteúdo, de desenvolver a prática de profissionais que atuam na gestão de
organizações públicas. Relata a forma como esta abordagem foi colocada em
prática na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e os resultados
decorrentes para os participantes.
Esta nova abordagem vem sendo elaborada pelo professor Michael
Barzelay, objeto de seu último livro “Public management as a design-oriented
professional discipline” (2019), e parte do princípio de que a prática
profissional gerencial em organizações públicas requer essencialmente
habilidades de solução de problemas e que isto deve ser feito por meio do
desenvolvimento de competências de design, argumentação, dramatização e
aprendizado de conhecimentos profissionais sobre gestão pública (que usualmente
se apresentam sob a forma de “teorias propositivas”). A abordagem também
enfatiza que o desenvolvimento destas competências deve valer-se de um tipo de
estudo de caso baseado em design.
Em 2016, a Enap decidiu adotar a abordagem do prof. Barzelay em
parte do seu Programa de Desenvolvimento de Lideranças (PDL), voltado para
média gerência das áreas de suporte dos ministérios (gestão de pessoas,
tecnologia da informação, logística, orçamento e transformação de serviços). O
PDL se estendeu até 2019 e, dentre as sete turmas realizadas até agora, cinco
incorporaram a nova abordagem em um módulo de gestão pública (MGP),
possibilitando um experimento natural no qual foi possível comparar os efeitos
da abordagem nas turmas que a adotaram com os das turmas que não a adotaram.
Ao fim, os efeitos da nova abordagem se mostraram muito
promissores. Uma avaliação econométrica e qualitativa do programa[1]
revelou efeitos positivos do módulo de gestão pública relacionados à
transferência de aprendizados, capacidade de estruturar problemas complexos e
desenvolvimento de soluções colaborativas.
O texto está organizado em mais 4 seções, além desta. A seção 2
estabelece uma narrativa do PDL. A seção 3 sintetiza a nova abordagem que
iluminou o MGP, cujo proveito pretende-se demonstrar. A seção 4 apresenta a
avaliação que demonstra o proveito da nova abordagem. A seção 5 tece considerações
finais.
2. O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DE LIDERANÇAS DA Enap
A Figura 1 ilustra a linha do tempo do PDL, revelando seus
principais eventos e participantes – e que servirá de guia para esta seção,
proporcionando uma delimitação de partida. Inicialmente, é possível identificar
três fluxos. Primeiro, um espaço do PDL propriamente dito, dentro do escopo
deste trabalho, desde seus eventos antecedentes. em 2016, até as recentes
edições de 2019. Segundo, um fluxo paralelo que corresponde à síntese de ideias
que vem sendo elaborada pelo prof. Barzelay. Terceiro, um fluxo de eventos
posteriores, de replicação do PDL em outros contextos.
O fluxo do desenvolvimento da nova abordagem pelo prof. Barzelay
tem raízes na sua própria trajetória acadêmica e profissional. Este evento é um
fluxo de atividades de síntese de ideias, publicação (o referido volume a ser
lançado em 2019 e projetos de outras publicações), interações deste processo
com programas acadêmicos na London School of Economics and Political Science
(LSE) ministrados pelo prof. Barzelay, pesquisas de campo, a formação de uma
comunidade de aprendizado a partir de professores-visitantes na LSE e outros
agregados, e a propagação destas ideias em círculos de fomento à políticas de
gestão pública e comunidades de práticas em vários países. O fluxo da síntese
de ideias do prof. Barzelay é independente, porém com uma interação
significativa com o fluxo do PDL. O teor desta abordagem será detalhado no
próximo segmento.
O fluxo de eventos posteriores é muito recente e consiste no
interesse de apoiadores privados em financiar a aplicação da nova abordagem,
com ajustes e contextualizações, em contextos diversos, tais como municípios e
estados – iniciando-se com duas turmas para gestores públicos da prefeitura da
cidade e do governo do estado do Rio de Janeiro. A julgar pelo interesse que os
programas têm despertado junto a apoiadores privados e agentes públicos, este
fluxo é bastante promissor e seguirá uma trajetória independente do PDL.
Mas o cerne desta narrativa é o fluxo do PDL, sob o domínio
institucional da Enap. Fundada há mais de 30 anos, a Enap atua na formação e
aperfeiçoamento dos servidores públicos. Além da formação de dirigentes e
carreiras de Estado, a Enap oferece uma programação ampla e permanente de
cursos de educação continuada, programas de formação corporativa, programas de
aperfeiçoamento de carreiras, pós-graduação lato sensu e strictu senso,
pesquisa sobre gestão pública e apoio a projetos de planejamento estratégico,
desenvolvimento institucional e inovação.
Em 2016, Francisco Gaetani assumiu a presidência da Enap e
incluiu em sua agenda prioritária a realização de programas de desenvolvimento
gerencial de alto nível para a gerência das atividades de suporte da
administração federal. Neste mesmo ano o Prof. Michael Barzelay foi convidado a
ministrar um seminário na Enap em Brasília sobre desenvolvimento de líderes
para o setor público e, como decorrência, é firmado um memorando de
entendimento entre Enap e LSE.
Com efeito, o Programa de Desenvolvimento de Lideranças (PDL)
foi lançado em 2017 com o objetivo de promover mudanças estratégicas nos
sistemas estruturadores do Governo Federal. O PDL compreende um conjunto de
cursos para formação interdisciplinar, integrada e aplicada dos gerentes
públicos, com foco na realidade profissional, na troca de conhecimentos e na
formação de redes entre os participantes (Enap, 2019a). Seu público-alvo são os
gerentes de médio-escalão dos sistemas estruturadores do governo federal, nas
áreas de compras e logística pública, gestão de pessoas, tecnologia da
informação, orçamento e finanças e gestão de serviços públicos.
Os cursos do PDL estruturam-se em quatro eixos de competências
multidisciplinares: gestão pública, desenvolvimento gerencial, inovação e um
eixo técnico, que varia conforme o tema do curso. Esses eixos de competências
convergem nas oficinas de design thinking do Desafio Inovação, quando os
participantes usam as capacidades analíticas, a visão de contexto
político-institucional e as ferramentas técnicas aprendidas no curso para
resolver uma situação-problema real. Além do design thinking, os cursos usam
diferentes metodologias e abordagens baseadas em teorias de aprendizagem de
adultos, como sala de aula invertida, estudos de caso, role-playing, visual
thinking, mentoring, aprendizagem baseada em problemas e entre pares. A Enap
usa diferentes propostas conceituais e metodológicas para promover a
aprendizagem de adultos, a exemplo de abordagens problematizadoras ou
orientadas a problemas, estudos de caso ou role-playing.
A identificação das necessidades de aprendizagem do público-alvo
ocorreu por meio de grupos focais com a participação de especialistas,
representantes dos órgãos centrais e dos próprios gerentes dos sistemas
estruturadores, com o objetivo de identificar os principais problemas
relacionados às suas atividades, suas necessidades aprendizagem e as restrições
impostas por suas rotinas, como a escassez de tempo e de recursos. A partir
daí, foram definidos quatro eixos de conteúdos para o PDL. O Quadro 1 abaixo
apresenta os conteúdos de cada eixo.
Gestão de Pessoas |
Gestão Pública |
Desenvolvimento Gerencial
|
Desafio Inovação |
- Gestão do
conhecimento; - Qualidade de vida, saúde no trabalho e aposentadoria; - Estratégia
e governança em gestão de pessoas; - Seleção, desenvolvimento e movimentação
de pessoas; - Gestão do desempenho e reconhecimento; - Inovação e gestão da
mudança. |
- Fundamentos da
gestão pública; - Definindo desafios para solução de problemas; - Explorando
alternativas futuras com projetos de inovação; - Usando projetos para
planejamento estratégico da organização pública. |
- Práticas e
atitudes do gestor; - A comunicação como aspecto essencial da gestão; - Relações
gerenciais como instrumento de mudança; - O engajamento e a confiança como
pilares da relação. |
- Exploração do
problema; - Definição do desafio; - Imersão no problema; - Modelo de negócio;
- Prototipação; - Dramatização e pitch; - Apresentação dos projetos de
inovação. |
Fonte: Enap.
Posteriormente, foram definidos os objetivos de aprendizagem,
baseados nos resultados dos grupos focais, que identificaram os principais
problemas dos sistemas estruturadores da administração. O Quadro 2 abaixo
apresenta os objetivos de aprendizagem de cada eixo.
Eixos de
conhecimento |
Objetivos de
aprendizagem |
Técnico (Gestão de
Pessoas, Tecnologia da Informação, Orçamento e Finanças e Transformação de
Serviços) |
- Reconhecer o papel
estratégico do gerente de (Gestão de Pessoas / Tecnologia da Informação (TI)
/ Orçamento / Transformação de Serviços) frente aos principais atores,
estruturas e referenciais normativos do ecossistema em que atua. - Aplicar conceitos,
técnicas e metodologias e boas práticas de governança e gestão de (Pessoas /
TI / Orçamento / Serviços) para transformar processos, melhorar o desempenho
das equipes e resolver problemas públicos. - Identificar oportunidades para
inovação na área de gestão (Pessoas / TI / Orçamento / Serviços), a partir da
análise de tendências mundiais e de experiências e casos de sucesso de outras
organizações. - Aplicar os conhecimentos adquiridos no eixo Técnico na
estruturação do problema e na definição da solução do Desafio Inovação. |
Desenvolvimento
Gerencial |
- Perceber como o
próprio estilo e as atitudes de liderança influenciam no clima da equipe e
nos resultados alcançados, à luz das principais práticas e teorias contemporâneas
de gestão de equipes e liderança. - Identificar as dinâmicas e os principais
processos para sustentar uma gestão de alto desempenho das equipes e conduzir
processos de mudança. - Aplicar técnicas e ferramentas para criar equipes de
alto desempenho, como o planejamento e o monitoramento de resultados, a
condução de conversas difíceis e a gestão da cultura organizacional. - Aplicar
os conhecimentos adquiridos no eixo Desenvolvimento Gerencial na estruturação
do problema e definição da solução do Desafio Inovação. |
Gestão Pública |
- Reconhecer a
importância e as qualidades da imaginação e da verdadeira ação gerencial para
resolver problemas e criar valor público. - Empregar recursos tais como
sensemaking, argumentação, debate, design e dramatização para implementação
de mudanças em organizações e programas públicos. - Utilizar teorias e
modelos da gestão pública, da administração e do design como referenciais
para o desenvolvimento da estratégia em organizações e programas públicos. - Aplicar
os conhecimentos adquiridos no eixo Gestão Pública na estruturação do problema
e na definição da solução do Desafio Inovação. |
Desafio Inovação |
- Definir os
principais conceitos e as especificidades da inovação no setor público, incluindo
as barreiras e facilitadores encontrados no ambiente de inovação. - Estruturar
problemas públicos complexos. - Analisar problemas públicos complexos. - Desenvolver
soluções inovadoras colaborativas com foco na criação de valor público. - Demonstrar
as qualidades e a utilidade das soluções inovadoras para as partes interessadas,
por meio da prototipação e da apresentação executiva do projeto. |
Fonte: Enap.
A realização ocorreu em 2017, 2018 e 2019. O piloto do PDL foi
lançado em 2017, chamado Programa Lideranças em Logística Pública. Entre
fevereiro e junho de 2018, foram realizados mais quatro cursos: Lideranças em
Gestão de Pessoas (GP), Lideranças em Tecnologia da Informação (TIC),
Lideranças em Orçamento e Finanças (OF) e Lideranças em Transformação de
Serviços (TS). Os cursos Gestão de Pessoas e Tecnologia da Informação possuíam
o eixo Gestão Pública, enquanto os cursos Orçamento e Finanças e Transformação
de Serviços não possuíam o eixo. Em 2019, como continuidade do PDL, foram
ofertados mais duas turmas, uma para gestão de pessoas, outra para tecnologia
da informação.
O que está em questão é em que extensão as turmas que contiveram
o módulo de gestão pública portadora da nova abordagem de fato se diferenciam
das demais em termos de impacto do programa, que será desenvolvida na seção 4
deste trabalho.
3. GESTÃO PÚBLICA COMO UMA DISCIPLINA PROFISSIONAL ORIENTADA POR
DESIGN
Este segmento discorrerá sobre a abordagem que iluminou o
desenho do módulo de gestão pública: gestão pública como uma disciplina
profissional orientada por design. O que se pretende demonstrar neste trabalho,
a partir da experiência descrita no segmento anterior, é o proveito desta
abordagem.
A abordagem da Public management as a design oriented
professional discipline (Barzelay,
2019) é uma síntese complexa e sofisticada. Primeiro, por sua abrangência:
a quantidade de elementos sintetizados. Segundo, por sua profundidade: a
reelaboração dos elementos sintetizados, o que por vezes implicou na elaboração
de sínteses menores e na desconstrução/reconstrução de elementos para serem
(re) sintetizados. Terceiro, pelo alcance das implicações sobre teoria e
prática da gestão pública nos diversos domínios institucionais onde estas
coisas acontecem (organizações públicas e academia).
Não é tarefa simples descrever (sob narrativa ou de forma
esquemática) ou explicar tal síntese porque seus elementos podem se combinar de
múltiplas formas para formar diferentes narrativas. Mas, tomemos como elemento
de partida a ideia da gestão pública como uma prática profissional – dentre as
muitas coisas que gestão pública pode ser: um termo, um conjunto de
ideias/teorias, uma atividade profissional, uma disciplina profissional (um
conjunto de conhecimentos que a prática requer). Como atividade profissional,
os sujeitos desta atividade, os profissionais que atuam na gestão de
organizações públicas, são solucionadores de problemas ao desempenhar a função
gerencial das organizações públicas. Estes três primeiros elementos destacados
merecem aprofundamento.
O elemento solução de problemas vem de Simon, que considerava
solução de problemas (a busca de condições preferíveis) a essência de qualquer
prática profissional – ele se referiu a várias, mas não mencionou expressamente
gestão pública. Toda e qualquer prática profissional é aplicação de conhecimento
para solução de problemas. Daí a necessidade não apenas de se gerar
conhecimentos[2]
sobre distintos objetos de solução de problemas num imenso leque de atuações
profissionais, mas, em igual importância, a necessidade de se conceber métodos
que permitam que o conhecimento possa ser bem aplicado na prática – na lida com
os problemas.
O design cumpriria este papel, na medida em que fornece um
método estruturado de solução de problemas: enunciar o problema; modelar uma
solução; planejar sua realização; realizá-la; avaliá-la. Gerir por design, não
de forma acidental, torna as decisões mais racionais, inclusive na medida em
que proporciona a modelagem de alternativas a serem objeto de escolha num
processo decisório. Mas a forma como Simon originalmente concebeu um método de
design para solução de problemas parece hoje simplista (baseado no faseamento
de análise, síntese e especificação). Por estas razões, Simon merece ser
reconstruído a partir de concepções mais modernas de design e também para
conformar-se explicitamente ao campo da gestão pública.
Design tornou-se um conceito mágico contemporâneo, em
particular, no campo da gestão, design thinking tornou-se uma abordagem de
design do momento que, embora possua seus predicados (visão do cliente/usuário,
demandas, criar empatia), não ocupa lugar central nesta síntese. Para além do
sentido de objeto (design como um modelo/protótipo a ser seguido/realizado),
importa aqui explorar o sentido de método (de concepção de soluções sob a forma
de projetos de design) e de processo (projetos de design são também processos
contextualizados ou scenario processes).
Como método, projetos de design se prestam deliberadamente a criar
algo com uma intenção clara. Envolvem criação e decisão de forma entremeada.
Designing can be elaborated into the constitutive functions of
analysis, synthesis, testing/evaluation, and wrap-up. Decision-making can be
elaborated into project-formulation, project-monitoring,
alternative-assessment, deliberation on best options, authoritative choice, and
project-termination. (Barzelay,
2019b, p. 3)
Pensados de uma forma sequencial, projetos de design envolvem
uma fase inicial de fuzzy front end, front end e back end. Fuzzy front end
refere-se à “confusão inicial” onde é essencial entender a situação
(sense-making), identificação/reconhecimento/observação e
elaboração/compreensão do local-presente; e conhecer os precedentes de design
(que são uma fonte de conhecimento fundamental). O front end é uma fase de
estruturação do problema (framing), envolvendo entendimento da estrutura causal
(o que é causa e o que é consequência), do escopo/limites (o que faz parte e o
que não faz), que permite identificar os alvos de atuação. Tudo isto é
entremeado de forma iterativa com a estruturação da solução, resultando em
alguma formalização do design sob a forma de um conceptual design (contendo o
conjunto mínimo de funcionalidades e especificações daquilo que se pretende
criar) e, posteriormente, um embodiment design (um desenho de concretização,
com especificações detalhadas para implementar o conceptual design). O back end
representa a fase de realização e avaliação.
Como processo, projetos de design são também processos
situacionais (scenario processes) porque ocorrem dentro de contextos, que
canalizam suas atividades para gerar um resultado intencional. Pensar projetos
de design como scenario processes implica em posicioná-los como mecanismos de
geração de um fenômeno propositivo (seja uma organização, um programa etc.).
Solução de problemas não requer apenas habilidades de design, aí
incluído o sense-making. Há duas outras habilidades essenciais: argumentação e
dramatização. Trata-se da argumentação prática, não científica, para fins de
comunicação e convencimento a respeito de ideias, presente, por exemplo, na
retórica estruturada de Cicero: exordium (apresentação do tema), narratio
(contextualização, narrativa), divisio (as questões), peroração (recapitular e
impressionar), conclusão. Por sua vez, a dramatização refere-se ao conceito
cunhado por Erving Goffman
(1959) segundo o qual os indivíduos dramatizam (no sentido de representar)
suas interações sociais e, portanto, o processo de construção social da
realidade. O mesmo pode ser pensado em relação à dramatização da atividade
profissional no sentido de validar objetos de design.
Voltando alguns parágrafos: como atividade profissional, os
sujeitos desta atividade, os profissionais que atuam na gestão de organizações
públicas, são solucionadores de problemas ao desempenhar a função gerencial das
organizações públicas. Como solucionadores de problemas, devem possuir
habilidades de sensemaking, design, argumentação e dramatização. Tratemos do
“desempenhar a função gerencial das organizações públicas”, porque é disso que
trata a gestão pública.
O elemento função gerencial é aquele que qualifica a gestão. A
referência seminal é Fayol, para quem as funções da empresa
(enterprise-functions) seriam gestão, técnica, comercial, segurança,
contabilidade e finanças. Importante anotar que o conceito de empresa
(enterprise) envolve não apenas a organização, mas o negócio. Nesse sentido, a
organização é um mecanismo para satisfazer a intenção do negócio. Mas o que
interessa destacar nesta concepção é o que Fayol denomina de funções
gerenciais: planejamento, organização, direção, coordenação, controle. A função
gerencial possibilita as demais. Trazer Fayol para o século XXI significa menos
atualizar sua nomenclatura - por exemplo, substituindo direção por liderança e
controle por monitoramento, ou revendo-se a função de segurança à luz de
imperativos de sustentabilidade. Significa mais transpor a lógica causal do
tipo mecanismo (organização), intenção (negócio) e, sobretudo, pensar que
solução de problemas orientada por design é uma forma mais racional de
desempenhar a função gerencial das organizações públicas.
E aí surge o elemento organização pública, que à exemplo da
empresa definida por Fayol, possui uma dimensão organizacional (o mecanismo) e
outra equivalente ao “negócio” (intenção), que é gerar valor público – muito em
linha com a concepção de Moore.
An enterprise is a purposeful phenomenon with stereotypical
properties, including enterprise-intent, value-chains, transition paths, and
organizations. (Main precedent: Fayol.) Public organizations are a variant form
of enterprise; conceptually, they are a sub-central abstract case of the
category, “enterprises.” (Barzelay,
2019b, p. 2).
Com efeito, mechanism thinking ou mechanism-intent thinking é
uma forma de pensamento sistêmico, um exercício de lógica funcional, útil para
compreender os objetos de design e ideias sobre eles (para elaborar, entender e
avaliar teorias propositivas sobretudo, inclusive sobre organizações públicas).
Exercitar mechanism thinking requer perceber o funtional whole, o scenario
process na sua totalidade e as intenções/propósitos, as funções (o que é), as
atividades (como é), seja por engenharia reversa ou forward engineering.
Barzelay propõe uma linguagem padrão (pattern language) para aludir aos
fenômenos propositivos: “Scenario-context channels scenario-activity, involving
interactions among flows of activity [activities enable activities] , usually
on a range of social scales. Scenario-activity eventuates in scenario-outcomes”
(Barzelay,
2019b, p. 2).
A conclusão até aqui é que atuar em uma organização pública como
solucionador de problemas mediante o uso de métodos de design e pensando e
tratando a organização pública como um mecanismo é uma forma superior de
geração de valor público.
Design projects are scenario-processes that perform an
enterprise’s designing and decision-making in functions in project-like fashion.
The desired enterprise-impact of design-projects is the incorporation and use
of enterprise-mechanisms that aim to neutralize an enterprise’s challenge-handicaps
for the sake of effectuating enterprise-intent. (Barzelay,
2019b, 2).
Entretanto, um grande obstáculo para que isto aconteça é que os
profissionais que atuam na gestão de organizações públicas são formados num
modelo que lhes fornece teorias cientificas (modelos que buscam explicar como o
mundo funciona), mas há uma grande lacuna sobre como aplicar bem as teorias para
solucionar os problemas. O pressuposto desta crítica é que a aplicação
acidental de conhecimentos teóricos nos processos decisórios organizacionais
não otimiza o processo de geração de valor público tanto quanto um tratamento
baseado em solução de problemas orientada por design.
Barzelay encontra em Augier
& March (2011) a revelação de que, na tradição acadêmica norte
americana a partir dos anos 50 do século passado, que tem sido copiada em boa
parte do mundo, as escolas de gestão se espelharam no modelo da escola de
gestão moderna e na tradição harvardiana. A escola de gestão moderna
espelhou-se na escola de medicina moderna, com foco na produção e disseminação
de conhecimentos científicos para os acadêmicos e profissionais da área. Já a
tradição harvardiana da escola de gestão herdou a tradição também harvardiana
de estudos de casos jurídicos (casuistry) como recurso para aprimorar o juízo
gerencial dos profissionais em processos de análise e tomada de decisão. É
evidente que ambos modelos apresentam prós e contras (na medida em que teorias
são fundamentais para sense-making e problem framing; além dos potenciais do
método de estudo de caso como recurso para exercício do mechanism thinking),
mas apenas a teoria não assegura um bom projeto de design e nenhum dos dois
modelos atentou para a explicita e deliberada produção de conhecimento que
permita que profissionais possam utilizar os conhecimentos teóricos de modo
mais eficaz para solução de problemas – em linha com que almejava Simon e sua
ciência do design.
Por outro lado, acrescentaríamos que as escolas de governo
muitas vezes se perdem numa mescla de teorias do momento com conhecimentos formais-descritivos
e deontológicos e aplicação de instrumentos e ferramentas de gestão
específicos. Ainda resta outro lado do problema: a capacitação gerencial
tradicional, muito frequente na educação executiva aplicada ao setor público,
tende a focar no desenvolvimento de competências gerenciais tradicionais
(alocativas, estratégicas, interpessoais e informacionais), mas não naquelas
relacionadas à solução de problemas conforme aqui indicadas (sense-making,
design, argumentação e dramatização).
Logo, capacitar profissionais que atuam na gestão de
organizações públicas em solução de problemas, desenvolvendo, por meio de
Estudos de caso focados em design (design-focused case studies), suas
habilidades de sense-making, design, argumentação e dramatização, melhoram suas
habilidades em solucionar problemas e o exercício de sua função gerencial,
gerando mais valor público.
Professional practice in enterprises consists in mechanism-intent
thinking applied to enterprise-challenges through design-projects. It’s just an
idealization, but it dramatizes what is distinctive about the idea of
design-oriented professional practice, concerned with enterprises and
especially their management. (Barzelay,
2019b, p. 2)
Estudos de caso focados em design incorporam a perspectiva de
projetos de design à tradição de estudos de caso harvardiana, exercitando
mechanism thinking sobre um objeto de design (um fenômeno propositivo),
permitindo a desconstrução e reconstrução de seus elementos constitutivos
(mediante engenharia reversa ou progressiva), identificação de precedentes e
modelagem de alternativas de design, valendo-se de recursos de argumentação e
dramatização.
À luz da narrativa sobre o PDL e da abordagem nela aplicada, é
possível agora caracterizar o PDL, nas turmas que contemplaram o módulo de
gestão pública, como um mecanismo-intenção, conforme ilustrado na Figura
2.
Assim, para efetuar a intenção de melhorar a prática
profissional de gestores públicos, a partir de projetos de design e do desempenho
da função gerencial em organizações públicas, desenhou-se um mecanismo baseado
na concatenação de duas grandes atividades que possibilitam o fortalecimento de
competências profissionais:
·
Desenvolvimento de habilidades de sense-making, design (bem
entendido, de modelagem de soluções por meio de projetos de design),
argumentação racional e dramatização persuasiva, estas duas últimas para
estruturar o processo de decisão.
O módulo de gestão pública em turmas do PDL buscou colocar em
prática esta concepção de gestão pública como uma prática profissional
orientada por design. O próximo segmento buscará avaliar seus resultados.
4. AVALIAÇÃO DO MÓDULO DE GESTÃO PÚBLICA DO PDL
Neste segmento demonstra-se que a abordagem de gestão pública
como uma prática profissional orientada por design, que pautou o módulo de
Gestão Pública do PDL, diferenciou-se e obteve significativo proveito.
Para a avaliação dos resultados dos cursos do PDL, foi usado o
Modelo de Avaliação de Kirkpatrick, que compreende quatro níveis
interdependentes: reação, aprendizagem, mudança de comportamento e resultados
para a organização (Kirkpatrick & Kirkpatrick, 2016). A própria Enap
realiza, de forma contínua e padronizada, avaliações de reação e aprendizagem
em seus cursos. Nesses níveis, a avaliação aborda a execução dos cursos e seus
resultados imediatos, principalmente em relação à satisfação dos participantes
com o curso. Para avaliar o terceiro e o quarto níveis de resultados do PDL,
que conforma a avaliação de impacto (foco desta análise), a Enap contratou uma
avaliadora independente.
No terceiro nível, a mudança comportamental está relacionada aos
resultados intermediários que conectam os cursos com o seu objetivo final (Abbad
& Borges-Andrade, 2004), que é promover mudanças estratégicas e a
inovação no governo federal. Este nível inclui, portanto, a análise da
transferência pelos/as concluintes do curso, das competências para o local de
trabalho e a respectiva mudança na qualidade do trabalho individual, assim como
outros aspectos que facilitam ou dificultam essa transferência, como suporte
organizacional, motivação, autoconfiança e retenção das competências.
O quarto nível é referente às mudanças na organização, ou seja,
observa-se se essa transferência gerou, de fato, mudanças estratégicas e
inovação no governo federal, por meio da transferência para a equipe do/a
concluinte, de mudanças efetivas no exercício da liderança e da gestão ou da
melhoria dos resultados do setor onde o/a concluinte trabalha.
O objetivo da avaliação de impacto foi observar o efeito causal
dos cursos do PDL em relação aos seus propósitos: “se, como, e em que medida o
programa atinge seu objetivo final” (Noronha,
2018). Essa avaliação compreendeu o uso de quatro métodos: análise
econométrica e estatística, questionários abertos, entrevistas individuais e
estudos de caso, que conformam a análise qualitativa.
A econometria foi priorizada em relação à estatística
descritiva, usada para o primeiro nível de avaliação, porque permite observar o
efeito isolado de uma variável sobre outras (Stock
& Watson, 2012), sendo possível estabelecer relações de causalidade sob
determinadas condições e identificar o impacto do PDL. Para a avaliação de
impacto de todo o PDL, foi realizado um estudo de painel, que consiste em
medições (nesse caso, três) ao longo do tempo, observando a evolução dos
resultados (Abbad
et al., 2012, p.172). O modelo de estudo de painel escolhido foi o de
efeitos fixos de unidade e de tempo, já que os demais não são tão precisos para
três momentos de observação, os regressores são menos consistentes ou têm
premissas muito restritivas [ CITATION GRE08 \l 1046 ]. No entanto, nesse
modelo, não é possível controlar por meio de variáveis não observadas, que
mudam tanto ao longo do tempo como entre os concluintes (Stock
& Watson, 2012, p. 389-411).
Também decidiu-se realizar um estudo controlado do eixo de
Gestão Pública por meio de um experimento natural gerado pelo desenho do PDL,
já que este eixo apresentou diferenciais metodológicos em relação aos demais.
Os cursos GP e TIC, que formam o grupo de tratamento, tiveram o eixo de Gestão
Pública, e os cursos TS e OF, que formam o grupo de controle, não tiveram.
Observa-se que, entre os métodos econométricos, o estudo controlado mede o
efeito causal da maneira mais rigorosa, enquanto o estudo de painel mede
causalidade, e não mera correlação, apenas quando todos os seus pressupostos,
que são mais amplos, são atendidos (Stock;
Watson, 2012, p. 48-49). O método de estudo controlado compara ambos grupos
sob a premissa de que, se os/as concluintes de TIC e GP não tivessem feito o
eixo de Gestão Pública, teriam tido os mesmos resultados que os/as concluintes
de TS e OF (contra fatual). Portanto, qualquer variação de comportamentos entre
os grupos de tratamento e de controle poderiam ser associados ao eixo Gestão
Pública. Para estimar esse efeito, foram usados modelos de
diferenças-em-diferenças.
A coleta de dados quantitativos compreendeu a aplicação de três
questionários de auto avaliação, aplicados presencialmente e virtualmente em
junho e julho, e virtualmente em setembro e outubro e em novembro e dezembro de
2018. As taxas de resposta nas três ocasiões foram maiores que 70 por cento de
concluintes dos cursos, o que gera um erro amostral menor a sete por cento no
nível de confiança de 95 por cento.
Destaca-se que os questionários foram baseados em escalas de
concordância (tipo Likert, com dez categorias de respostas) e, portanto, os
valores derivados da análise quantitativa não têm unidade de medida implícita.
Além disso, os modelos econométricos usados focam nas variações dos indicadores
e nas correlações entre essas variações, sendo os números absolutos menos
relevantes. Por este motivo, nas seções sobre os resultados da avaliação de
impacto, apresentam-se os resultados mais relevantes para um nível de
significância máximo de 0,10, facilitando a interpretação.
Já a coleta de informações qualitativas aconteceu de três
formas: os questionários abertos de hetero avaliação foram aplicados
virtualmente a colegas de trabalho das pessoas que participaram do curso, com
35 respostas entre agosto e setembro e com 31 respostas entre novembro e
dezembro de 2018; as entrevistas foram realizadas pessoalmente com concluintes
do PDL, colegas de trabalho e servidores/as da Enap, em setembro e em novembro
de 2018; por fim, o formulário aberto sobre os projetos em grupo do Desafio Inovação,
aplicado entre novembro e dezembro de 2018, foi respondido por dois grupos.
Além desses métodos, a consultora observou presencialmente as
apresentações finais dos cursos PDL Gestão de Pessoas e Tecnologia da
Informação, em 12 e 14 de junho de 2018, e explorou o ambiente virtual dos
cursos, o que ajudou a contextualizar a análise dos dados coletados.
O resultado dessa análise demonstrou “que o eixo de Gestão
Pública teve efeito positivo sobre o desenvolvimento de soluções colaborativas:
esse indicador é 0,58 ponto maior entre as pessoas que fizeram esse eixo,
considerando todas as demais variações, inclusive o tempo. Observando-se o
efeito isolado dos componentes do Eixo de Gestão Pública, quais sejam, o uso de
modelos e teorias para desenvolver estratégias e o emprego de competências como
argumentação, debate, design ou dramatização, esses componentes, além de ter
efeito sobre a colaboração, também impactam a transferência dos aprendizados do
PDL para a equipe e melhoram o indicador de mudança organizacional”, (Noronha,
2018, p. 43) conforme indicados nas figuras
3 e 4
abaixo.
Fonte: Noronha
(2018)
Fonte: Noronha
(2018)
Os resultados dos métodos qualitativos sugerem que os efeitos
positivos do modulo de gestão pública podem estar subestimados. Os efeitos
deste módulo poderiam ser considerados excessivamente subjetivos para serem
capturados pelos indicadores operacionalizados, posto que um dos propósitos do
módulo seria facilitar a mudança. Esta hipótese encontra sustento nas entrevistas,
nas questões abertas e hetero avaliação.
À título de exemplo, passados oito meses da finalização dos
cursos, oito por cento dos respondentes responderam expressamente nas questões
abertas que o principal impacto do PDL em seus trabalhos foi a melhoria de suas
habilidades de analisar problemas complexos. Da mesma forma, cinco por cento
das respostas das questões abertas e da hetero avaliação também ressaltaram
expressamente os efeitos positivos derivados do módulo de gestão pública.
Dada a natureza subjetiva dos objetivos do módulo de gestão
pública, as entrevistas puderam fornecer mais insights sobre seus benefícios.
Duas das vinte e quatro entrevistas aprofundaram a importância do módulo em
suas vidas profissionais. Uma entrevistada ressalta o aumento de sua confiança
em aplicar outras competências, especialmente por conta dos exercícios de
role-playing:
Foi um módulo bem legal de fazer, com problemas e estudos de
caso mais complexos, que requeriam maior compreensão e extrapolação a respeito
do problema, a respeito de soluções. (...) E também o que a gente tinha lá de
dramatização (…). Para mim, eu achei muito bom, eu abracei mesmo a dinâmica. Ao
mesmo tempo, eu via também que alguns colegas não tinham... Mas aí eu acho que
tinha a ver com postura. (...). É desafiador. Então você está à frente de uma
pessoa ali que está contra-argumentando, porque faz parte do processo de
construção de solução, você passar por isso com medo de errar... Mas eu recebi
bem isso, então foi bem interessante poder conduzir desse modo. E também foi
bem interessante pelo fato de serem problemas complexos, no sentido de que são
várias variáveis, pelos estudos de caso que foram feitos. (...) Eu entendi que
era um espaço de ousar, de experimentar, e pra mim isso foi também muito
desafiador. Eu me senti desafiada e engajada nesse momento.
(...) é um exercício que é feito aqui, que te desafia, e que
você sabe que depois de passar por isso, você é capaz, então ele reforça um
pouco esses aspectos que eu falei, de segurança, de confiança, né. Então, (...)
quem tá aqui naquele momento não é exatamente seu chefe, mas é o momento de
poder incorporar esse contexto. E quando você vem para uma situação que seria
mais real, você consegue poder associar “eu já passei por isso” ou “eu tenho condição
de fazer isso”, então de poder sentir mais confiante pra situações mais reais.
(...)
[O impacto na liderança] mudou mais de mim pra cima, porque é
como se eu pudesse entregar um trabalho de qualidade diferente, no sentido de
me perceberem diferente, então tem a ver com expressão, com postura, com
iniciativa, até mesmo iniciativa de fazer o curso, ou de falar sobre o curso
enquanto ele estava acontecendo, porque, como eu falei, eu tive que buscar
outras informações que não estavam ali dentro do meu dia a dia, então eu
recorri a meu chefe, a meu diretor (...). Às vezes não eram coisas que estavam
no meu... ou que eu poderia ter a iniciativa de fazer isso. Então é por isso
que eu digo que foi mais de mim para cima. (Noronha,
2018, p. 46 - entrevistada 5)
A habilidade para analisar problemas complexos também foi
ressaltada por outro entrevistado, que enfatizou a importância do módulo de
gestão pública para o seu trabalho:
A parte de Gestão Pública traz novos referenciais para você
analisar as situações que você lida e que geralmente tendem a ser situações
complexas, não são aqueles probleminhas pequenos que você já tem a resposta
pronta. Então esse, acho que o ferramental foi muito importante (...) Na
análise dos problemas, eu percebo que eu já consigo (...) perceber mais
aspectos do contexto, pensar em outras alternativas, me preparar para
apresentar um assunto desses. Eu acho que tem ganhos que são mais tácitos do
que alguma coisa que eu possa dizer “o resultado desse trabalho saiu melhor”.
(...) [Citando situação específica] Eu acho que essa questão de análise de
problemas complexos se aplica, então a gente está fazendo isso, estamos
trabalhando com a equipe. (...)
[O eixo de Gestão Pública] foi um curso de aplicação muito
prática e ele previa simulações, apresentações (...), dramatização (...). Como
é uma dinâmica de aula com tempo curto e uma turma grande, então nem todo mundo
teve oportunidade, mas é enriquecedor ver o processo acontecendo. E depois,
como as pessoas analisaram a situação, propuseram como deviam organizar o
discurso e o conteúdo do que deveria apresentar para defender as ideias, e
depois, quando o professor volta a seu papel de professor e levanta os pontos
fortes e os pontos que não chegou onde deveria chegar, e o que faltou, isso é
um ponto de reflexão muito forte para a gente, de buscar, de preparar melhor
quando tiver que apresentar um projeto, uma proposta nova também.
Eu acho que é um dos [eixos] mais importantes, mas é que é tudo
concatenado. Os outros são mais conteúdo e este estava mais na vivência do dia
a dia e não era só vivência, eram técnicas de como você analisar um problema.
[Dá exemplo específico em seu trabalho, em que usou um dos estudos de casos
apresentados no eixo]. (...) Primeiro a gente tem que ter essa visão
prospectiva, eu acho que isso está sendo legal para o grupo. Ao mesmo tempo, as
pessoas ficam ansiosas (...), achando que a coisa não está funcionando. Faz
parte do processo todos esses momentos. Então eu estou achando legal poder
estar construindo isso com o grupo também.” (Noronha
2018, p. 47 - entrevistado 13)
Um dos participantes do grupo de controle observou que em seu
curso faltava uma perspectiva mais ampla de design thinking, que é ofertada
pelo módulo de gestão pública.
Uma coisa que eu acho que poderia melhorar no curso, no sentido
de trazer gente que não conhece nada do assunto, é reforçar uma visão geral do
que é design thinking, é a visão ampla dessa forma de pensar, que foi dada no
início do curso, mas eu só consegui ter essa visão do todo no final. Só
consegui enxergar (...) a importância [das ferramentas] no final. Às vezes, na
prática, só depois que eu voltei para o órgão. E muita gente acho que saiu no
meio do curso talvez por conta disso, por não enxergar o potencial das
ferramentas logo no início. (Noronha,
2018, p. 47 - entrevistado 20)
Estas entrevistas reforçam a hipótese de que a avaliação
quantitativa não observou integralmente os efeitos do módulo de gestão pública
no trabalho dos participantes. Entretanto, evidencias qualitativas e
quantitativas apontam efeitos positivos, complementando-se. Em conclusão, “a
avaliação encontra efeito positivo do módulo de gestão pública sobre o
desenvolvimento de soluções colaborativas, a condução de processos de mudança
organizacional e a transferência de aprendizados à equipe. No entanto, tendo em
vista que este eixo tem o objetivo de realizar uma mudança de perspectiva, cuja
medição é mais subjetiva do que os demais eixos, especula-se que os indicadores
quantitativos não foram tão precisos em seus resultados. Os métodos
qualitativos, especialmente as entrevistas, oferecem indícios de que o impacto
foi mais profundo do que aquele capturado pelos dados quantitativos. Neste
sentido, destacaram-se os aprendizados relativos à capacidade de estruturar
problemas complexos e os benefícios do uso das ferramentas e dramatização e dos
estudos de caso.” (Noronha,
2018, p. 48-9)
Em relação às possíveis limitações e refutações desta avaliação,
destaca-se que não se dispõe de informação anterior ao programa, já que, por
questões logísticas, o primeiro questionário foi aplicado após a finalização
dos cursos, e não durante os mesmos, como havia sido inicialmente planejado.
Esse fato restringe as inferências sobre os efeitos do PDL, o que pode ser
compensado pelo uso de métodos mais rigorosos, como o estudo controlado e o
estudo de painel. Entretanto, ainda com essa ressalva, os resultados do impacto
do PDL são variados e consistentes, e confirmados pela análise qualitativa, o
que aponta para a robustez da avaliação de impacto.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou apresentar a aplicação de uma nova
abordagem por meio de um programa de desenvolvimento de líderes na
administração federal brasileira. A nova abordagem, elaborada por Barzelay
(2019), propõe que gestão pública seja considerada uma disciplina
profissional orientada por design. Esta concepção enxerga gestores públicos
como solucionadores de problemas, o que requer competências de sense-making; de
desenvolver projetos de design; de representar ideias, organizações e problemas
sob a forma de mecanismos; de argumentar; de dramatizar. Desenvolver estas
competências em programas de capacitação requer recursos inovadores, como a
dramatização de casos orientados por design. Esta abordagem foi adotada no
desenho e execução do módulo de gestão pública presente em algumas turmas do
PDL.
Avaliações quantitativa e qualitativa evidenciaram efeitos
positivos do módulo de gestão pública no trabalho dos participantes. Isto
constitui um elemento que corrobora a teoria propositiva de Michael Barzelay
segundo a qual capacitar gestores públicos em solução de problemas, aprimorando
seu sense-making, habilidades de gerir projetos de design, argumentação e
dramatização, por meio de estudos de caso orientados por design, aprimora sua
contribuição para a geração de valor público, na medida em que desenvolve suas
capacidades de solucionar problemas, trabalhar em equipe e transformar a
organização
A avaliação do módulo de gestão pública foi positiva, embora
pontual em suas conclusões e limitada no espaço e no tempo. Em todo caso, isto
é suficiente para que a abordagem seja validada.
Mas isto representa apenas o início de muitos desafios. Para
além de impactos pontuais, gerar mudanças sistêmicas implica em escalar não
apenas na quantidade de outros experimentos e profissionais envolvidos, mas nos
sistemas de ensino que os promovem e também no que concerne a outros propósitos
da aplicação da abordagem.
Escalar a adoção da abordagem na academia e junto a uma série de
outros atores que possuem um maior envolvimento com educação para gestores
públicos (desde formadores de opinião, apoiadores, financiadores privados e
escolas) é um desafio que requer divulgação, convencimento, formação de
professores, desenvolvimento de currículos/programas e materiais instrucionais.
Há, portanto, um longo caminho pela frente. Mas há um bom começo.
Nesse sentido, espera-se que este trabalho possa servir como uma
abertura de portas para o debate e para a geração de novas experiências.
REFERÊNCIAS
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Borges-Andrade, Jairo E. (2004), “Aprendizagem Humana em Organizações e
Trabalho”. In: Zanelli, J. C.; Borges-Andrade, Jairo E.; Bastos, A. V. B.
(Orgs.). Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil. Porto Alegre, Brasil:
Artmed. p. 237–275.
Abbad, Gardênia;
Mourão, Luciana; Meneses, Pedro; Zerbini, Taís; Borges-Andrade, Jairo E.;
Vilas-Boas, Raquel (2012), “Medidas de Avaliação em Treinamento,
Desenvolvimento e Educação: Ferramentas para Gestão de Pessoas”. Edição do
Kindle.
Augier, Mie; March,
James G. (2011), “The Roots, Rituals, and Rhetorics of Change: North American
Business Schools After the Second World War”. Stanford: Stanford Business
Books.
Barzelay, Michael
(2019), “Public management as a design oriented professional discipline”. Edward
Elgar. Cheltenham.
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(2019b), “A Note on Theorizing Professional Practice and Mechanism-Intent
Thinking in Enterprises, including Public Organizations”. Mimeo.
Bryson, John M.
(2018), “Strategic Planning for Public and Non-Profit Organizations: A Guide to
Strengthening and Sustaining Organizational Achievement”. 5th ed. Hoboken, NJ:
Wiley.
Cross, Nigel (2008),
Engineering Design Methods: Strategies for Product Design, 4th ed. Chichester:
Wiley.
Goffmann, Erving
(1959). “The Presentation of Self in Everyday Life”. New York: Anchor Books.
Greene, W. H.
(2008). “Econometric Analysis”, 6th ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall.
Kirkpatrick, J. D.;
Kirkpatrick, W. K. (2016), “Kirkpatrick’s Four Levels of Training Evaluation”.
Kindle Edi ed. [s.l.]: [s.n.].
Noronha, Samira
(2018), “Programa de Desenvolvimento de Lideranças, Avaliação de Impacto:
Relatório Final”. Brasília, Brasil: [s.n.].
Porter, Michael E.
(1985), “Competitive Advantage”. New York: Free Press.
Simon, Herbert A.
(1996), “Sciences of the Artificial”, 3d ed. Cambridge, MA: MIT Press.
Stock, J. H.;
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Van Aken, Joan E.;
Berends, Hans (2018), "Problem-solving in Organizations: A Methodological
Handbook for Business Students”. Cambridge: Cambridge University Press.
Notas
1 A Enap desenvolveu em
2018 um avaliação de impacto do Programa de Desenvolvimento de Lideranças
implementado. NORONHA, S. Programa de Desenvolvimento de Lideranças, Avaliação
de Impacto: Relatório Final. Brasília, Brasil: [s.n.], 2018.
2 Há profundas
implicações epistemológicas. Simon propôs que as ciências do artificial fossem
ciências do design (baseada em habilidades de projetos de design) em vez de
ciência normal (baseadas apenas em conhecimento técnico e científico). O objeto
da primeira seriam fenômenos propositivos e artificiais; o da segunda seriam
fenômenos naturais. Teorias propositivas (purposive theories) são teorias
filosóficas, conjunto de ideias e argumentos voltados à persuasão, com vistas a
criar fenômenos propositivos baseadas em afirmações normativas e positivas,
tipo de conhecimento codificado das ciências do design. Já teorias científicas
são categorias para explicar como o mundo funciona, sem afirmações normativas,
a partir da ideia de ciência normal. O campo de conhecimento da gestão é
profundamente permeado por teorias propositivas, tais como, por exemplo a cadeia
de valor e modelo de vantagem competitiva de Porter (1985), o triângulo estratégico
e valor público de Moore (1995) e os ciclos de gestão estratégica de Bryson
(2018).
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